O Multiusos de Fafe recebeu, ao final da tarde desta segunda-feira, o jantar de encerramento da Festa do Emigrante que, desde o dia 02 de agosto, animou a cidade com várias iniciativas culturais. Foram mais de 500 os emigrantes e descendentes que se reuniram para comer a insubstituível vitela assada à moda local e para se divertirem e conviverem ao som de Carlos Pires, Os Primos de Fafe, e dos dj’s Jolyver e Arnette.
O MINHO encontrou experiências muito diferentes, desde aqueles que foram a salto na década de 60, aos que já nasceram em Paris e, apesar de gostarem de Portugal, não lhes agrada a ideia de estarem “presos” numa pequena aldeia da serra de Fafe.
Maria Emília, tem 78 anos, 57 deles a residir em França e não tem complexo em admitir, contra a maioria, que gosta mais de estar lá do que em Portugal.

“Habituei-me em França, fui muito nova. Além disso, tenho lá o meu filho e dois netos”, confessa. Maria Emília foi “a salto”, como se dizia naquele tempo das pessoas que passavam a fronteira clandestinamente.
“Um senhor levou-me até Espanha de carro. A partir daí, fui com um passador espanhol até à fronteira com a França. Nem sei bem como, meti-me num comboio em Hendaye e fui até Grenóble”, recorda.
A jovem fez como tantos outros portugueses naquela altura, procurou ajuda junto de um familiar, neste caso um irmão, que já trabalhava em França.
“Ele trabalhava num hotel e eu fiquei logo lá. Dormia e comia no hotel, lavava a loiça e fazia as camas. Naquele tempo, ainda não havia máquinas de lavar louça”, conta.
Foi ganhar três mil escudos (15 euros), bem mais do que os 500 escudos (2,5 euros) que ganhava como criada de servir, em Lisboa.
“Mas fui muito explorada, eu e todos os portugueses, naquela altura. Trabalhava de sol a sol, sem folgas. Acho até que assinei papéis a dizer que me tinham pago as férias, quando nunca as recebi. Não conhecíamos a língua, não sabíamos ler e eles aproveitavam-se disso”, relata, mas não em tom de lamento.
Uma geração que já foi para a universidade
Lígia Lameiras, de 17 anos, tem uma história muito diferente de Maria Emília. A mãe, Virginie, de 46 anos, já nasceu em França, o pai era natural da freguesia da Lagoa, em Fafe e a mãe de Matosinhos, o pai da jovem, com 48 anos, partiu de Gontim, outra freguesia de Fafe, quando tinha 18, á procura de uma vida melhor. A mãe de Lígia já passou pela universidade e ela, quase a terminar o ensino secundário, não imagina outro futuro que não passe pelos estudos.
“Quero estudar direito e ser juíza de família e menores”, indica. Desafiada a dizer duas coisas boas sobre Portugal, escolheu a família (avó e tia) e o clima. Quanto às coisas más: “Estar presa na aldeia. Vivo numa grande cidade, onde tenho transportes e posso ir a todo o lado com muita facilidade”, referiu.

Cristiano e Lena Branco, irmãos de 15 e 13 anos, são filhos de um casal de portugueses que também já nasceram em França. Tal como Lígia, sentem um carinho muito especial pela terra dos avós.
“Quando Portugal joga com a França, não tenho dúvida de torcer por Portugal”, diz o rapaz que quer ser arquiteto, mas não sabe se algum dia poderá vir trabalhar para Portugal. Lena quer ser advogada ou professora e, mesmo quando avisada sobre os baixos salários, confirmou que um dia gostava de viver e trabalhar na terra dos avós.
Há um abismo entre a realidade dos portugueses de segunda geração, respeitados pelos franceses, e as dificuldades que os seus pais enfrentaram, remetidos para os piores trabalhos, sem horários nem folgas e mal pagos. O sucesso dos filhos na sociedade francesa é a marca da vitória daqueles que emigraram desde a década de 1960 até aos anos 80 do século passado.
“Ao fim de dez anos, já sabia ler, falar foi mais depressa. Tinha de ser”, refere Maria Emília.
“Escrever é mais difícil, mas fui aprendendo e quando escrevia uma carta para qualquer repartição recebia resposta. Mais tarde, quando me reformei, fui fazer um curso, aprendi gramática e os verbos. Agora dou poucos ‘erreurs’”, salienta.
O primeiro marido de Maria Emília era português, mas, depois de ficar viúva, refez a vida com um francês que acena com a cabeça positivamente, concordando com a qualidade da escrita da companheira.
“Ninguém queria arrendar uma casa a um português”
“Naquela época, ninguém queria arrendar uma casa a um português. Íamos para os piores lugares, para as casas mais reles”, diz a septuagenária, falando dos seus primeiros anos em França. “Hoje, quem lhes dera os portugueses”, ironiza.
“Na década de 60 e mesmo nos no princípio dos anos 70, muitos franceses ainda viviam mal. Havia muitas casas sem quarto de banho, eles estavam a reconstruir o país depois da guerra. Muitas francesas iam lavar a roupa ao lavadouro público”, relata.
Agostinho Branco, de 46 anos, e a esposa, Marisa Gonçalves, só sabem destas dificuldades pelas histórias que lhes contaram os pais. Nasceram, foram criados e estudaram em França. Falam um português livre de maneirismos e tiques franceses.
“Os pais sempre falaram connosco em português em casa e todos os anos vínhamos a Portugal de férias”, aponta Agostinho.
O hábito não se perdeu, continuam a vir de férias ao país dos progenitores e até têm casa em Portugal, os filhos ainda falam português mas já não conseguem disfarçar as raízes gaulesas. São cada vez mais franceses, é talvez essa característica que faz deles queridos em França: a capacidade de se adaptarem.
Uns querem voltar, outros nem por isso
“Nunca mais volto para cá”, sentencia Maria Emília, “tenho lá a minha casa, o meu jardim com muitas flores, o meu filho e os meus netinhos”. Aqui, também tem uma moradia que vai manter durante mais uns anos, mas cuja manutenção se torna cada vez mais cansativa.
“Venho sete semanas no verão e quando volto, em maio, para mais três semanas, está tudo cheio de pó e a erva dá-me pelos joelhos”, lamenta.
Maria Azeitão, de 57 anos, está há 15 anos em Le Mans, França e, ao contrário de Maria Emília, não vê a hora de voltar.
“Quando chegar à reforma vai ser cá e lá, mas mais cá do que lá. Não há nada como o nosso Portugal”, afirma.
Maria e o marido Joaquim Castro, foram no encalço da filha mais velha, quando nasceu a Lara (a primeira neta).
“A minha filha precisava de ajuda e lá fomos. Eu já tinha estado em Espanha, a trabalhar no túnel do TGV, perto de Barcelona”, conta Joaquim.
Maria e Joaquim acabaram por arrastar as outras três filhas que, na altura, eram menores, mas agora têm as suas vidas em França e não é provável que regressem. Por outro lado, Agostinho e Marisa gostam muito de Portugal, mas a ideia de voltar não lhes passa pela cabeça.
“Há quem diga que aqui está melhor agora, mas continuam lá”, realça Marisa.
Abel Lameiras, de 48 anos, trinta dos quais a trabalhar em França, explica: “Lá é casa e trabalho, não se vai ao café, não se come no restaurante. Nesse aspeto, podemos dizer que há menos qualidade de vida. Mas o que se ganha, não tem comparação”.

À medida que a noite ia chegando, as mesas começaram a encher-se de vitela à moda de Fafe, regada com vinho verde. Carlos Pires, Os Primos de Fafe, e dos dj’s Jolyver e Arnette, conhecedores desta comunidade por já terem emigrado eles próprios ou por atuarem para as comunidades portuguesas no estrangeiro, tomaram conta da animação da noite.
A maior parte destes emigrantes, que agora enchem as freguesias de Fafe, como acontece um pouco por todo o Minho, até ao final de agosto, regressam ao centro da Europa, ficam apenas os mais velhos, já reformados, que podem aproveitar o verão português, mais longo, até ao fim.