A crescente nova vaga de migração brasileira em Portugal diz respeito a cidadãos que vêm predominantemente das grandes cidades e em família. São de várias classes sociais, com maior escolaridade do que gerações anteriores de imigrantes e com idades entre os 20 e os 40 anos.
“É uma população altamente heterogénea, com condições sociais e económicas muitas impactadas pela situação que tinham no Brasil e que encontram em Portugal também”, explicou à Lusa a coordenadora da plataforma de dados de brasileiros no exterior, Camila Escudero. Além disso, há uma tendência de “migração não só da pessoa, mas da família toda, com filhos ainda pequenos”, sublinhou, estimando que a “faixa etária está entre os 20 e os 40 anos”.
No início do fluxo migratório brasileiro, na década de 1990, a maioria dos brasileiros migrantes era proveniente “das pequenas cidades, do interior”, ao contrário do que acontece hoje, em que se verifica “a saída das grandes cidades, das capitais”.
Em 2013, segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a comunidade brasileira em Portugal cifrava-se em 92.120 pessoas e já era a principal comunidade estrangeira residente. Uma década mais tarde, o número quadruplicou: numa resposta enviada à Lusa em setembro, o SEF precisava que 393 mil cidadãos brasileiros residiam em Portugal, com maior incidência nos concelhos de Lisboa, Cascais, Sintra, Porto e Braga, sendo que, no final de 2022, viviam em Portugal 239.744 brasileiros (excluindo pessoas com dupla nacionalidade).
Camila Escudero, professora da Universidade Metodista de São Paulo e responsável pelo projeto criado em 2022 com a missão de sistematizar, organizar e dar visibilidade aos dados que envolvem a presença de brasileiros no estrangeiro, detalhou que, ao contrário das migrações anteriores, o desejo de regressar ao Brasil é “menos explicito”.
“As pessoas vão e, se der certo, vão ficando. Existe a ideia de regressar mas isso é menos explícito”, sublinhou, acrescentando que, no caso de Portugal, há também um entendimento do país “como uma porta de entrada para outros países da Europa”. “Em Portugal, ainda não se percebe essa intenção de regresso”, frisou.
A investigadora, que reconhece existir falta de dados sobre a matéria, visto que muitos brasileiros emigram sem notificarem as autoridades locais, afirmou que “o trabalho e a busca por uma vida melhor são fatores predominantes de motivação, desse tipo de emigração” e que esta comunidade procura “condições de vida melhor no que diz respeito à segurança e educação”.
Há também um crescimento dos brasileiros com um nível de escolaridade superior, em relação às migrações anteriores, disse, referindo-se à nova comunidade brasileira em Portugal, a segunda maior do mundo fora do Brasil, só atrás dos Estados Unidos, que acolhe quase dois milhões de brasileiros.
“Muitas pessoas vindas de classe média/alta aqui do Brasil, que têm alguns recursos financeiros para se manter em Portugal, ainda que não tenham licença para trabalhar nas suas respetivas áreas de formação”, sublinhou.
Camila Escudero analisou ainda as diferentes motivações das classes sociais. Se nas classes mais baixas, a razão para a emigração é económica, “nas classes mais altas, principalmente, é melhorar a qualidade de vida no que diz respeito à segurança”, à educação e “a própria localização de Portugal, que é estratégica na Europa”.
Uma novidade nos últimos anos da comunidade brasileira é “um protagonismo da mulher”. No caso das classes mais baixas, explicou Camila Escudero, a mulher “vai para poder ter uma vida melhor e sustentar a família que tem aqui no Brasil”. E, nas classes mais altas, trata-se de uma questão de “independência e empoderamento feminino”, considerou.
Quanto às migrações que depois acabam por não correr como o esperado, a investigadora afirmou que, “com a popularização ao acesso das tecnologias de comunicação”, uma franja da sociedade brasileira acaba por emigrar sem a preparação necessária e muitas vezes com falsas esperanças.
“Em relação aos migrantes, principalmente de classes mais baixas, que saem do Brasil com um sonho, têm pouco acesso à informação e quando têm acesso é uma informação enviesada”, disse.
“Os próprios brasileiros que já migraram, criam canais no youtube, para falar ‘vem para cá, aqui é ótimo, aqui tem tudo” e isso “tem um impacto e um imaginário grande na pessoa”, afirmou, apelando a uma migração ordenada, planeada e consciente.