Luís Rufo, anterior provedor da Irmandade de Santa Cruz, em Braga, não prestou declarações esta tarde, no início do seu julgamento, em que é suspeito de ter lesado a Segurança Social, com recebimento de comparticipações indevidas, por parta da Irmandade, destinadas ao lar de idosos. O valor total ascende aos 52 mil euros.
Enquanto aguarda as investigações da Ordem dos Advogados e do Ministério Público relacionadas com alegado exercício ilegal de advocacia ao longo de mais de 30 anos, ao alegadamente ter falsificado notas do seu curso de licenciatura em Direito, Luís Rufo, que foi durante oito anos provedor da Irmandade de Santa Cruz, responde por acusação de crime de burla tributária, tal como o seu antecessor, engenheiro Carlos Vilaça, e a diretora técnica da instituição, Liliana Cerqueira.
Esta assistente social afirmou aos magistrados que se limitou “a cumprir ordens superiores” quando nos mapas mensais para recebimento das comparticipações da Segurança Social com as despesas de idosos, indicava um casal da vila de Arco de Baúlhe, em Cabeceiras de Basto, como residindo permanentemente em Santa Cruz, só que tal não corresponderia à verdade.
Liliana Cerqueira, assistente social de formação, com as funções de diretora técnica, afirmou “desconhecer” tratar-se de ilegalidade e crime tais comparticipações indevidas, que ludibriaram o protocolo com o Estado. Pelo menos “até ao dia” em que foram “notificados pela Segurança Social, após uma inspeção”, que não poderíam “receber nada em casos como o daquele casal”.

Após receber essa notificação da Segurança Social, a arguida disse ter questionado “o senhor provedor”, que à data era o doutor Luís Rufo: “Mas ele disse mesmo assim para eu continuar a incluir o nome desse casal, todos os meses nas listagens, pelo que tive de o fazer, limitei-me a cumprir ordens, sou uma funcionária como as outras”.
Liliana Cerqueira, questionada pelo juiz, Paulo Rodrigues, concordou “não ser normal” e “pelo menos estranho” incluir o nome de dois septuagenários que nunca residiram no lar de idosos da Irmandade de Santa Cruz, mas apenas iam alguns dias ao quarto que haviam “comprado” por 200 mil euros, em 2008, mas justificou que tinha medo de perder o emprego.
Entretanto, a Irmandade de Santa Cruz já devolveu cerca de 52 mil euros recebidos indevidamente da Segurança Social de Braga, faltando pagar os respetivos juros, conforme afirmou o juiz que preside ao julgamento, questionando todos os arguidos se achavam correto e normal receber comparticipações sociais não destinadas ao casal, porque nunca foi utente, isto é, nunca residiu no lar, mas sim na sua residência, em Arco de Baúlhe, para além de não ter necessidades financeiras.
A situação foi confirmada por Cláudia Martins, a inspetora da Segurança Social destacada do Centro Regional do Porto, para averiguar se estavam a ser cumpridos os termos do protocolo entre o Estado e a Irmandade de Santa Cruz, tendo na audiência dito “ter dado com tal quarto fechado à chave”, referindo-se ao espaço adquirido pelo casal de Arco de Baúlhe.
Em nome dos dois “utentes”, o casal Miquelina e Januário, a Segurança Social pagou durante anos a fio respetivamente, 27 mil e 25 mil euros, o que não era nada condizente com a letra e o espírito do protocolo entre o Estado e a Irmandade de Santa Cruz, como notou a inspetora, isto ainda à margem dos 200 mil euros que o casal pagou para ficar com o quarto.
Manuel Rodrigues, atual provedor da Irmandade de Santa Cruz, instituição que também é arguida pela acusação de burla tributária, criticou por várias vezes a Segurança Social, uma das quais por “ter dado uma resposta um pouco evasiva” ao querer saber se deveria ou continuar a pedir a comparticipação social para o referido casal e do lado do Centro Distrital de Braga “a posição foi que por uma questão de prudência não deveríamos continuar a enviar o nome deles nas listagens”.

Para Manuel Rodrigues, esse mesmo casal, apesar de não residir na estrutura, ia lá “algumas vezes”. “Aliás, durante esta semana e a próxima encontram-se no lar, tendo sempre o quarto à disposição, que é limpo como todos os outros e a manutenção também é assegurada, estão em Arco de Baúlhe, os filhos fora, quando se sentem sozinhos vêm para Braga”, afirmou.
“Aquilo que a Segurança Social nos paga não chega para as despesas que temos com os idosos, estamos sempre perante uma situação deficitária e enfrentarmos grandes problemas financeiros, a ponto de para termos devolvido os 52 mil euros à Segurança Social neste processo necessitamos de recorrer a um empréstimo bancário”, ainda segundo o atual provedor.
Carlos Vilaça, igualmente arguido, que foi provedor antes de Luís Rufo, subscreveu as palavras de Manuel Rodrigues, a ponto de reforçar que na Irmandade de Santa Cruz “presta-se um serviço de alta qualidade a todos os utentes, das condições económicas mais diversas, o que implica gastos, com meios e pessoal, que a Segurança Social nunca cobre inteiramente”.