Luís Nobre insiste na regionalização que continua a ser adiada por “centralismo e falta de coragem”

Foto: CM Viana do Castelo

Luís Nobre, presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, assinalou hoje os 50 anos do 25 de Abril reafirmando a importância do poder local e a urgência da regionalização do país.

Considera que a regionalização é “fundamental e inevitável”, sendo uma arma para o “desenvolvimento” e “equidade” do território. Para o autarca, o sucessivo adiamento da regionalização deve-se à “falta de coragem” e “centralismo” dos deputados nos últimos 50 anos.

Reconhece que se a democracia tem sido dada como “adquirida”, mas alerta que os “discursos populistas” estão “terrivelmente” a ganhar espaço “quase sem oposição”.

Aponta ainda à comunicação social, onde a “informação se confunde com o entretenimento” e os políticos “são consumidos em grandes e pequenos escândalos”, o que “afasta qualquer cidadão medianamente ambicioso da vida política”. Frisa também que as redes sociais vieram “agravar” o ambiente democrático, uma vez por lá é disseminado o “sensacionalismo” e, “não raras vezes”, a “mentira”.

Mensagem de Luís Nobre

Celebramos esta quinta-feira a liberdade, a igualdade, a democracia, a resistência e resiliência popular contra um regime autoritário. Celebramos o fim da opressão e da censura. Celebramos 50 anos do 25 de abril de 1974!

Evocar Abril continua a dividir a sociedade portuguesa (divisão conveniente para alguns), numa tentativa de descontextualização, de fragilização ou, não menos relevante, de apropriação tendenciosa dos valores e princípios fundamentais desta revolução.

Em simultâneo, para mal da democracia, assistimos ao avanço galopante do populismo, do extremismo e, muitas vezes, até de um aparente anarquismo, espaços cada vez mais abrangentes que, numa lógica e evidente consolidação, nos colocam desafios e obrigações coletivas que dizem respeito a todos, mesmo todos.

Por isso mesmo, este momento não é apenas de celebração. É também de transmissão de valores e de demonstração das evidências do corporativismo e da burocracia da ditadura (que foram sempre terreno fértil para o suborno e para a corrupção), bem como da desigualdade social, completamente ignorada pelas classes altas que acomodavam o regime totalitário.

É o momento de disseminar, com toda a nossa energia, que não era ouro o que existia nos cofres de Portugal, mas sim fome, miséria, elevada taxa de mortalidade infantil, atraso da vida nos campos e na condição de mulher, falta de saneamento, analfabetismo (75% nas mulheres e 70% nos homens), atraso cultural, corrupção, perseguição, terror, prisão.

É o momento de recordar que os 48 anos de ditadura não foram vividos da mesma maneira. Não se falava, não se estudava, não se trabalhava, não se comia a mesma coisa. A maioria dividia uma sardinha por três e os senhores do regime comiam cardumes inteiros. É tempo de recordar que muitos dos nossos concidadãos e familiares pertenceram aos grupos dos desqualificados, dos analfabetos e, que até morrer, assinaram de cruz. Recordar que as mãos de mais de 50% dos Portugueses se ocupavam exclusivamente das enxadas e dos tanques – mas os de lavar roupa. Que a função das Mulheres, avós e viúvas, era amanhar os campos dos senhores do regime para criar os filhos. Que poucos dos nossos familiares, nascidos em ditadura, concluíram a 4.ª classe. Que muitos dos nossos familiares se deslocavam a pé todos os dias, muitas vezes sem calçado nos pés. Que partilhavam o calçado para ir à missa. Que comiam a sopa de cavalo cansado porque não havia leite para todos e as crianças precisavam de força física para trabalhar. Que muitos dos nossos concidadãos e familiares emigraram para o desconhecido, muitas das vezes para o abismo… Que muitos dos nossos familiares não sabiam o que era política, mas viveram e fizeram parte da resistência.

Com a Revolução dos Cravos, Portugal percorreu 50 anos de transformação política e social. As mudanças foram transversais e profundas em todos os domínios da sociedade, mas, seguramente, a mais marcante foi a Implementação / Instalação do Poder Local. O Poder Local recebeu poderes e aceitou contínuos processos de descentralização e, com os mesmos, promoveu desenvolvimento sustentável, dinamizou a economia local, estimulou o empreendedorismo, a criatividade, a inovação e participação ativa dos cidadãos na gestão dos reduzidos recursos que lhe foram disponibilizados. Atualmente, o Poder Local recebe 12% das receitas da administração pública/Estado, o que continua bem distante dos 17% da média da Zona Euro.

Com a implementação e instalação das autarquias, Câmaras e Juntas de Freguesia, as comunidades locais passaram a ter maior autonomia para determinar as suas estratégias de desenvolvimento e garantir as decisões sobre temáticas que influenciaram diretamente as suas vidas e os respetivos territórios. Nesse sentido, assistimos a um aumento da participação democrática e a uma maior proximidade entre os eleitos locais e a população, garantindo intervenção política e social a todos os cidadãos, bem como coesão territorial e social.

Com a nossa ação, contribuímos, ainda, para o desenvolvimento e modernização do país, implementando políticas e programas municipais que qualificaram a vida das pessoas e promoveram o crescimento económico sustentável, bem como garantimos uma maior transparência e eficiência na gestão dos bens públicos, numa contínua prestação de contas aos nossos concidadãos.

Abril é assim, também, afirmação do Poder Local! O sucesso do cumprimento dos princípios mais nobres e fundacionais do movimento de Abril foi, sem dúvida, garantido pela ação e afirmação do Poder Local Democrático.

O Poder Local garantiu, ainda, a realização de necessidades básicas nos domínios do abastecimento de água, do saneamento básico e tratamento dos resíduos sólidos urbanos, da eletrificação dos territórios rurais, das vias de comunicação e transportes, dos equipamentos e serviços de saúde, da educação, da habitação, da cultura e sustentabilidade financeira e ambiental dos Municípios.

Foi e é o Poder Local aquele que consegue aproximar homens e mulheres, jovens e menos jovens interessados no progresso das suas localidades. É assim, um poder único e inclusivo.

Por isso mesmo, a regionalização tem de ser uma prioridade. Apesar de constitucionalmente estabelecida, mas continuamente adiada por centralismo e falta de coragem de todos os que tiveram assento parlamentar nos últimos 50 anos, a Regionalização é fundamental e inevitável acontecer, não por razões históricas ou sociológicas, mas por imperativo económico e social: o do desenvolvimento e da equidade do território e da população. Somos nós que temos que a fazer acontecer, não desarmar, temos de estar vigilantes e reivindicar consistentemente até à sua concretização.

Reconheço ainda que acontece com a democracia o mesmo que acontece com a segurança, a liberdade, a saúde e quase tudo o que tendo sido conquistado: damos por adquirido. A sua banalização tende a retirar-lhe valor e significado. Só por isso assistimos a discursos populistas que, terrivelmente, ganham espaço quase sem oposição. E sim, não tenhamos dúvidas: existe um mundo de discursos e ações fáceis sobre o estado da nossa democracia.

Num espectro comunitário e social mais alargado, a comunicação social ganhou novas características em que, numa velocidade estonteante, a informação se confunde com o entretenimento. Os políticos são consumidos em grandes e pequenos escândalos (e não parece haver qualquer hierarquia entre eles), o que afasta qualquer cidadão medianamente ambicioso da vida política. A rapidez dos media é incompatível com a ponderação que a política exige. Por outro lado, as redes sociais vieram agravar o ambiente em que nos encontramos: disseminando o sensacionalismo, o imediatismo e não raras vezes, a mentira.

Por vezes, detemo-nos nas coisas que são necessárias melhorar no sistema democrático e esquecemos o progresso que alcançamos no sistema político, na cidadania, na economia, na demografia, na educação, na saúde, no ambiente, nas redes de transportes, nas comunicações, no acesso a bens e serviços, etc. As evidências abundam, mas precisamos evocar a memória do que fomos para melhor entendermos o que somos. Esta obrigação é muito importante, sobretudo para as crianças e jovens que, na escola, têm um espaço privilegiado para o seu crescimento como pessoas e como cidadãos.

Relembrar, recordar, celebrar, implantar os valores de Abril nas novas gerações é assumir e dar espaço ao imaginário sobre a ação dos Capitães de Abril e de um conjunto de outros militares, políticos e anónimos que contribuíram para o seu sucesso, mantendo a lucidez e a resistência a ações externas e radicais que, tal como no passado e hoje, mais não pretendiam e pretendem do que ignorar os Valores de Abril.

Importa reforçar que a Revolução dos Cravos continua a representar a esperança de um futuro melhor e mais justo e igualitário para todos nós, a significar progresso e desenvolvimento, dando voz a todos os portugueses, à democracia e aos valores da igualdade e da justiça, garantindo a liberdade de expressão e o direito à participação política.

Abril aconteceu para unir e não para desintegrar ou estabelecer hierarquias sociais e políticas. Não é um modelo de país ou sociedade acabado, porque o desenvolvimento e a igualdade estão continuamente em mutação. Importa que tenhamos memória, inteligência coletiva e audácia de dar continuidade a este processo e valor! Depende de cada um de nós, porque Abril não é de ninguém, continua a ser de todos.

Este é o momento de manifestar gratidão, respeito e honrar a memória daqueles que lutaram pela liberdade. É o momento para renovar e reafirmar o compromisso de defender os ideais democráticos que são a bússola do nosso país e um símbolo de esperança e inspiração para as gerações futuras. Juntos, continuaremos a cuidar e a projetar os valores de Abril.

 
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