As bonecas da preocupação da Guatemala ou as pulseiras da amizade da Colômbia são dois dos artigos da loja ‘online’ de comércio justo criada em Viana do Castelo para dar visibilidade ao trabalho de artesãs de todo o mundo.
A ideia de criar um projeto de comércio justo, inspirado no movimento social que surgiu na década de 60 do século passado, nasceu durante uma viagem pelo mundo que Sofia Meireis e o marido, Ivo Tavares, realizaram em 2017.
O interesse pelas artes, ofícios e produções manuais das várias comunidades por onde passaram fez crescer a vontade de dar forma a um espaço, virtual, onde esses artesãos, sobretudo mulheres, pudessem mostrar o seu talento e, ao mesmo tempo, melhorarem as condições de vida.
“As artesãs são compensadas de forma justa pelo que produzem, muitas vezes à noite, depois das lides domésticas, ou do trabalho na agricultura. É mais uma fonte de rendimento extra para ajudar ao sustento da família”, contou hoje à agência Lusa, Sofia Meireis.
Em 2018, a ideia transformou-se em loja ‘online’ de comércio justo para ajudar mulheres, crianças e povos indígenas.
“Só compramos a fornecedores que reinvistam nas comunidades locais. Por exemplo, as pulseiras Japamala, feitas à mão na Indonésia e, abençoadas em Bali, apoiam o projeto ‘Street Kids’ destinado a crianças de rua. Sabemos que, ao pagar as nossas encomendas, o dinheiro é investido de forma justa. Na Colômbia, as bonecas da preocupação ajudam as mulheres que as criam com tecidos produzidos pela tribo de Wayuu”, contou.
Sofia Meireis, nascida em Toronto, no Canadá, mas com raízes em São Romão do Neiva, Viana do Castelo, e o marido, natural do Porto, deram à página na Internet o mesmo nome – ‘World You Need is Love’ – da viagem ao mundo que fizeram para fotografar diferentes culturas de celebração do amor e a diversidade das tradições ligadas ao casamento.
Ivo, fotojornalista, assina as fotografias das peças de artesanato da loja ‘online’ e Sofia, licenciada em ciências da comunicação, junta-lhes a história da sua origem.
O projeto começou com cerca de uma dezena de artigos. Atualmente, e mesmo com os obstáculos levantados por dois anos de pandemia de covid-19, o número cresceu para cerca de uma centena.
As peças chegam a São Romão do Neiva, em Viana do Castelo, vindas da Guatemala, Colômbia, Chile, Indonésia, Índia, entre outros países. As encomendas partem para todo o país, Brasil e Austrália.
O caminho do projeto nem sempre foi fácil. Se “a Internet é hoje uma realidade para muitos, para outros, em zonas mais remotas, ainda não o é”.
“A artesã da Guatemala que nos envia as encomendas das bonecas da preocupação não responde logo aos ‘emails’ que enviamos com encomendas. Tem de ir à cidade mais próxima para aceder à Internet e consultar o endereço eletrónico”, especificou.
Sofia não tem dúvida que o projeto “atingiu a velocidade de cruzeiro” e está em condições de crescer, “ajudando cada vez mais artesãos de todo o mundo, fazendo chegar os seus trabalhos a mais clientes”.
“São as pessoas que compram os artigos que nos ajudam a ajudar. Foi sempre esse o espírito, o de ajudar, nunca de fazer caridade”, frisou.
A componente ambiental é outra das preocupações do projeto, procurando artigos feitos de produtos orgânicos ou reciclados. As almofadas feitas com Huipils que fazem parte das roupas das mulheres das montanhas, ou os blocos de notas feitos na Índia, cobertos com tecido de Sari, são disso exemplo.
Cada caderno é feito com papel ‘khadda’, algodão reciclado da indústria da moda da Índia por uma empresa na área rural do Rajastão, estado indiano que faz fronteira com o Paquistão, e que promove a educação das mulheres e o seu estado social em vilas rurais.
Cada peça leva um cartão que conta a história ou crença a que está associada à sua criação.
Por exemplo, as pulseiras da amizade, feitas à mão e “consideradas sagradas na Colômbia, são usadas para lembrar ao amigo uma amizade duradoura e dar ânimo para algo que o amigo precise”.
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A boneca da preocupação, “muito procurada por mães para oferecer aos filhos no início de cada ano escolar”, é criada a partir de tecidos das roupas típicas da Guatemala.
“A lenda Maya diz que, antes de dormir, devemos contar à boneca as nossas preocupações, meter a boneca debaixo da almofada e, ao acordarmos, o problema terá desaparecido. As bonecas costumam ser oferecidas a crianças”, explicou Sofia Meireis.
Receita de camisolas lançadas em Viana do Castelo apoia profissionais da Cultura
A compra das bonecas da preocupação ajuda “muitas mulheres da Guatemala a ter “um rendimento extra”.
“A Lilian, em conjunto com outras mulheres guatemaltecas, ajudam ainda outros projetos sociais locais”, sublinhou.
Também o porquinho de três pernas, que “há muitos anos nasceu numa quinta de uma família muito pobre do Chile, enquanto crescia, ao esgravatar a terra, descobriu pepitas de ouro”.
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“Daí vem a sua fama como amuleto da sorte. Feito no Chile por artesãos que veem nesta crença uma fonte de rendimento e, nós, no ‘World You Need is Love’ uma peça de comércio justo”, frisou.
Em março de 2021, em plena pandemia de covid-19, Sofia e o marido criaram camisolas inspiradas nas bonecas da Guatemala e produzidas em algodão orgânico de Guimarães, cuja venda reverteu para a União Audiovisual, que ajuda famílias de profissionais da cultura.
A União Audiovisual é uma associação criada durante a pandemia, que presta apoio alimentar a profissionais da cultura que ficaram em situação de vulnerabilidade social por consequência do cancelamento massivo das atividades culturais.