“…Linda bonequinha”

Artigo de Vânia Mesquita Machado

Pediatra e escritora. Autora dos livros “Microcosmos Humanos” e “Humana Seja a Nossa Dor”. Mãe de 3. De Braga.

Tens os olhos secos, linda bonequinha, quem tos enxugou com a carícia da tua mãe que te procura asfixiada de dor e quase morta de tristeza, se não morreu ainda e olha por ti lá de Cima com amor sem nunca te perder de vista, se te perdeu de vista nessa terra hostil ,agora, mas onde brincaste um dia com a bonequinha que trazes ao colo contigo e que proteges corajosamente da guerra injusta, linda bonequinha, te procura de certeza desesperadamente sem te perder nunca de vista no coração dormente que reza ininterruptamente ao Deus em quem acredita mas ao dos outros também para que venham em socorro de cada mãe que vê aos gritos com a filha morta no colo, linda bonequinha como tu mas de porcelana agora, um anjo que agora sonha outra vez, sem verter mais lágrimas salgadas e cheias de sangue que infiltram a Terra eternamente e mancham indelevelmente de vergonha a Humanidade?

Não vale a pena fecharem os olhos e fingirem que não viram os olhos aflitos da linda bonequinha ainda viva, inventando todas as desculpas para continuarem as vidas normais, e como podem ter vidas normais com tantas lindas bonequinhas sem mais vida do que procurarem os seus pais, não vale a pena também aqueles que (julgam) que mandam abrirem os olhos e inventarem ajudas fingidas, soluções aparentes e corretas politicamente com apertos de mão e promessas coloridas de cessar fogo, se os corações estão cegos e fechados, agarrados à ganância, as almas vendidas, rendidas à sede do poder e imunes à dor dos seres humanos, se quem pede socorro na terra de ninguém não tem influência alguma e apenas vem atrapalhar os planos, não serve para nada, é uma miserável peça de xadrez que urge manter na ignorância do resto do mundo, importa estancar de vez a fúria crescente dos humanos que ainda sentem, inventar urgentemente desculpas convincentes diplomaticamente, esconder rapidamente os danos colaterais para que o mundo volte ao normal e a economia cresça depressa, o jogo da guerra dá lucro fácil mas é arriscado, importa dar um aspeto arranjado a essa terra de guerra civil onde os anos perderam os dias, as alegrias morreram todas há muito tempo, mas ainda há vida em muita gente, ainda há sentimento em cada batimento do coração humano, como tu nos mostras linda bonequinha forte, carinha pintada de terra, olhar sem medo, com a tua bonequinha abraçada pela tua mão quente.

Tens os olhos secos porque te apetece, aprendeste em segredo com a tua mãe, que nunca te esquece, sem que ela soubesse, que uma mãe não chora em frente dos seus filhos, e por isso não choras para a bonequinha que apertas no colo não sofrer, e por isso segues em frente, bonita como sempre com o teu vestido preferido de borboletas e flores, pelas ruas na cidade dos horrores, e por isso doce bonequinha lhe tapas os olhos delicadamente para que não aprenda as cores ensinadas pelos homens maus, para que não fique marcada como tu pela ambição dos homens maus, e para que um dia cresça feliz, mesmo que tu bonequinha não tenhas melhor sorte que seres uma das princesinhas da morte desse país distante, não foi isso que o meu nem o teu Deus quis para ti, acredita, eu ainda acredito com Fé e embora só me reste rezar, rezo com esperança ao meu Deus e ao da tua mãe, para que possas voltar a ser criança como são os meus filhos, também.

 
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