Assaltou, em março de 2019, uma casa em Guimarães. O dono, alertado pela mulher, foi de carro atrás dele, um jovem de 19 anos, que fugia a correr pela estrada, levando os objetos furtados. A certa altura, o veículo embateu no fugitivo, quando este tentava entrar numa zona arborizada para escapar ao perseguidor. E partiu-lhe as pernas. A seguradora do condutor foi condenada a pagar, no Tribunal local, 30.352 euros ao fugitivo, a título de danos, patrimoniais e morais. Quantia que o Tribunal da Relação de Guimarães ampliou para 40 mil, 20 mil por cada tipo de dano.
A decisão teve em conta que Paulo Pinto, entretanto condenado por furto a um ano e dois meses com pena suspensa, perdeu o emprego que tinha, já que o contrato não lhe foi renovado. E ficou com sequelas físicas. O condutor foi também criminalmente condenado por ofensa à integridade física.
Na ação cível, a vítima acusou o proprietário da casa e condutor, Bernardino Abreu, de o ter perseguido, desviando a trajetória da viatura e indo embater-lhe com a frente esquerda. Por isso, ficou caído na valeta, com os membros inferiores fraturados e ferimentos na cabeça.
Alegou também que sofreu danos não patrimoniais, dado que, enquanto aguardou a chegada da ambulância, o condutor puxou-lhe as pernas e pontapeou-o.
Na contestação, consultada por O MINHO, Bernardino alegou que não atirou o automóvel para cima do Paulo, antes foi este que desviou, repentinamente, a trajetória de fuga, causando o acidente.
“Vinha a circular com a viatura no meio da estrada já que ele corria na faixa esquerda, pois pretendia alcançá-lo e conseguir falar com ele, exigindo que este parasse e bem assim, desvendasse a sua identidade. Tendo, aliás, aberto o vidro da janela e falado com o Paulo instando-o a que não fugisse mais”, argumentou.
A seguradora contestou a ação, dizendo que “mesmo que se provasse o atropelamento doloso, não estava obrigada a indemnizar eventos nos quais a utilização de um veículo é manifestamente instrumental à atuação do agente, sendo aquele o único responsável”. Tese que os juízes não aceitaram.
Dores e sofrimento
O Tribunal conclui que a seguir ao atropelamento e depois de cair, Paulo percebeu que tinha as pernas ‘partidas’, “o que lhe provocou inenarráveis dores e grande sofrimento, as quais continuaram no hospital, antes e depois da intervenção cirúrgica e que a medicação apenas atenuou”.
Acresce que permaneceu durante 90 dias, completamente imobilizado na cama do seu quarto, com a parte anterior do corpo virada para o teto, aí tomando as refeições, medicamentos, fazendo as suas necessidades fisiológicas, sempre com a ajuda da mãe. E sofreu inúmeras crises de ansiedade, insónias, tremores e um pavor de carros, somente se tranquilizando com recurso a ansiolíticos.
Detenção é legal, mas sem excessos
No acórdão, a Relação salienta que, “estando em causa a suspeita da prática de um crime de furto, em flagrante delito, a lei autoriza a detenção por qualquer pessoa, se não estiver presente nem puder ser chamada em tempo útil uma autoridade judiciária ou entidade policial. Só que – acentua – os meios empregues nessa detenção não podem ser excessivos ou desproporcionados relativamente aos interesses em presença”.