O jovem futebolista sírio Ali Hasan está “muito feliz” pela queda do regime de Bashar al-Assad, mas aguarda por estabilidade e diz ser “prematuro” regressar ao seu país, até porque se sente “cada vez mais português”.
“Os meus pais ainda estão bastante desconfiados, pois não sabemos se ele pode voltar e aí as coisas vão ser ainda piores. O país não está 100% pacífico e, para voltar, as condições ainda são más. Vai demorar muito tempo para o país ser reconstruído. É uma conquista difícil e espero que o presidente não volte”, disse, em declarações à Lusa.
Ali Hasan, de 18 anos, chegou a Portugal em 2016, depois de três anos refugiado na Turquia e um na Grécia, e as únicas memórias que tem da sua nação são as dos seus familiares, curdos, etnia perseguida por Bahsar al-Assad e também pelos regimes vizinhos da Turquia, Irão e Iraque.
“Os meus pais estão muito contentes, sempre a ligar para os meus familiares a saber se está tudo bem com os meus avós e tios. Espero que corra tudo bem”, desabafou, ainda expectante quanto ao que vai acontecer com o novo regime.
Em Portugal, a vida da sua família, que engloba mais quatro irmãos, todos rapazes, o mais novo, de nome Miguel, já nascido no país, teve acolhimento em Guimarães, onde finalmente pode dar asas à ilusão de jogar futebol.
“[Iniciar-me] No futebol foi um processo muito complicado. Demorou, mas nunca devemos desistir dos nossos sonhos, certo? Sou um jogador razoável, bom no remate e drible, e que, como ponto fraco, tenho os passes que, de vez em quando, saem mal, sobretudo em profundidade”, analisa o atleta do UD Polvoleira, dos distritais de Braga, depois de começar no Águias Negras de Tabuadelo, antes do GD Selho, no mesmo concelho.
Recorda que, em Portugal, a mãe cozinhava apenas sírio, mas agora a gastronomia em casa já é mais equilibrada: “Comida portuguesa, para mim é a francesinha, sem dúvida! Síria é kebab em pão pita”.
“Cada dia que passa, sinto-me mais português do que sírio. Estou a esquecer a língua, mas estou a esforçar-me para a manter, pois trata-se da minha cultura, da minha etnia”, diz o aspirante a advogado ou, como alternativa, a uma carreira no exército.
Ali confessa que nos últimos dias os pais já comunicaram aos cinco filhos que estava na hora de começarem a preparar as malas para regressar à Síria, contudo entendeu essa indicação como um teste, “pois eles também adoram estar em Portugal”, o país “mais seguro e pacífico” que conheceu, “o melhor do mundo”, assegura, após as experiências na Síria, Turquia e Grécia.
“Na guerra Síria, Bashar al-Assad assassinava as pessoas e a minha família teve de fugir, pois, enquanto curdos, não somos muito bem-vindos no país, nem nos vizinhos. Fomos de Alepo para Izmir [na Turquia] e após três anos seguimos para a Grécia, num barco insuflável para umas cinco pessoas no qual estávamos uns 30. Foi um pesadelo de que ainda me lembro. Não me sai da memória”, recorda à Lusa, ajudando a explicar os seus receios.
Agora, nestes dias de “felicidade” pelas mudanças na Síria, aguarda que a situação estabilize, para que possa cumprir o sonho de revisitar a nação que deixou ainda menino.
“Espero que a Síria recupere. Que a minha família consiga sobreviver a este caos. Se se reconstruir, quero ir visitar a minha terra, que deixei há mais de 10 anos”, desejou.
Uma coligação rebelde liderada pela Organização Islâmica de Libertação do Levante (Hayat Tahrir al Sham, ou HTS, em árabe) lançou uma ofensiva relâmpago em 27 de novembro a partir da cidade síria de Idlib, um bastião da oposição, e conseguiu expulsar em poucos dias o exército de Assad das capitais provinciais de Alepo, Hama e Homs, abrindo caminho para Damasco.
Bashar al-Assad, que sucedeu ao pai Hafez em 2000, fugiu com a família para a Rússia, pouco antes da coligação rebelde, que inclui igualmente fações pró-turcas, tomar Damasco e pôr fim a cinco décadas de poder da família do ex-presidente.