José Pereira tem uma coleção com mais de mil motas antigas

A mais antiga é de 1901
Jose Pereira e o seu Museu da Mota. Foto: Rui Dias / O MINHO / Arquivo

José Pereira, empresário residente em Vizela há vários anos, já deixou de contar quantas motas possui no seu museu particular, em Barrosas, Felgueiras, sua terra natal. A grande paixão do empresário são as pequenas motorizadas de 50 c.c. e as scooters que eram o meio de transporte de eleição dos portugueses na sua infância, mas não faltam na sua coleção as míticas Harley-Davidson, Indian, Moto Guzzi ou Benelli de alta cilindrada e até algumas japonesas que já têm estatuto de clássicas. É um homem pragmático, confessa que gostava muito de ter carros, mas, quando começou, avaliou os custos de manutenção e as necessidades de espaço e optou pelas motas. Mesmo assim, chegou a um ponto em que até para as motas lhe falta lugar.

Desde que se conhece foi sempre um colecionador, primeiro de canetas, isqueiros, coisas pequenas a que podia chegar com o dinheiro que tinha, só muito mais tarde de motas. “Nasci numa casa com chão de terra batida, dormia num colchão de colmo. Mas queria muito melhorar e o querer é tudo”, assegura. 

Hoje em dia, com 67 anos, anda pouco de mota: “Não tenho tempo, mas quando tinha 17 ou 18 anos e trabalhava um horário e meio era o meu meio de transporte”. As fotografias na parede do museu provam-no. Lá está José Pereira, menos 50 anos, roupa e corte de cabelo dos idos da década de 70 do século passado e bigode a condizer, em cima de uma mota.

José Pereira é de Felgueiras mas vive em Vizela. Foto: Rui Dias / O MINHO

São tantas que já lhes perdeu a conta

“A minha grande paixão são as 50 c.c. e as scooters que se viam nas estradas quando eu era jovem”, confessa. “Nunca podia imaginar que um dia ia ter tantas e tão valiosas”, afirma. A primeira clássica que adquiriu, em 1986, foi uma BSA, mota inglesa que deixou de se fabricar em 1956. Desde aí, não sabe quantas comprou. “Não sei dizer quantas tenho, até porque é uma obra inacabada”, diz. Só penduradas, porque no chão não cabe mais nenhuma, estão pelo menos 400 exemplares.

A SIS V5 era a grande concorrente da Famel XF-17, no início da década de 80. Foto: Rui Dias / O MINHO
Esta mota chegou ao museu no banco de trás de um Porche. Foto: Rui Dias / O MINHO

Na mezzanine do pavilhão, encontra-se uma fatia da história da indústria portuguesa. Ali se encontram vários modelos com motor Pachancho montados em quadros Vilar, das décadas de 1940 e 1950, as Famel ou as Casal e máquinas mais raras como a Alba, uma marca portuguesa que, nos anos 50, também construiu automóveis. Há SIS V5 com motor Sachs e várias Famel XF-17 com motor Zundapp, a Sport, com guiador racing e a Super com radiador. Uma Casal que foi da polícia e um modelo que foi da Guarda Fiscal. 

A Pachancho (empresa de Braga) ocupa uma das maiores secções do museu. Foto: Rui Dias / O MINHO

José Pereira demora-se a explicar o muito que sabe sobre as motorizadas. “As estrelas no guarda-lamas das Famel eram uma forma de diferenciar o luxo das versões”, explica, apontando para uma com cinco estrelas. Por trás de cada peça da coleção há uma história para contar. “Esta fui buscá-la a Águeda. O homem estava a vende-la para ir para o Brasil e tinha pressa. Arranquei daqui num Porsche e pus-me lá num instante, chegamos a acordo e comprei-a. Não a podia deixar lá, por isso, tirei-lhe as rodas e metia-a no banco de trás do carro. Foi assim que a trouxe”, recorda.

A Griffon, motor Clement, de 1901, remete para os primeiros anos do motociclismo. Foto: Rui Dias / O MINHO
A Famel XF-17 com motor Zundapp, nas suas várias versões. Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO

Restauros a partir de pedaços de sucata

A paixão nunca lhe tolda a razão, “só faço bons negócios, se não fosse assim não podia ter tantos exemplares.” Tem no telemóvel a fotografia de um modelo extremamente invulgar de mota militar com lagartas. “Está na Bélgica, vamos ver se é possível”, pondera, ampliando a fotografia para mostrar os detalhes. Aponta para uma Indian de 1914, magnificamente recuperada, “estava num caco quando a encontrei, em Castelo Branco, nem motor tinha.” A mota já tinha sido vista por outros colecionadores que não tiveram a coragem de pagar o valor que pediam por ela sem saber se a conseguiam restaurar. “Arranjei um motor original na Califórnia e ela aqui está”, afirma orgulhoso.

Algumas das peças são recuperadas a partir de pedaços de sucata. Foto: Rui Dias / O MINHO

Olhando para as fotografias que José Pereira segura na mão, de um destroço enferrujado, sem selim nem pneus, ninguém diria que é a resplandecente Java vermelha que está logo ali ao lado. “Era mais fácil se as comprasse já restauradas, por isso tenho umas cem na garagem à espera da vez delas. É cada vez mais difícil encontrar gente que saiba mexer nestas coisas”, lamenta. “Durante anos, mantive-me discreto porque sabia que os preços iam começar a subir”, refere. Em Portugal, as motas que comprou estavam sempre mal conservadas. “Os proprietários encostavam-nas a uma parede e os pingos de chuva que escorriam dos telhados furavam-lhes os depósitos. Em França, estavam mais bem tratadas, mas era é preciso tirá-las das caves e até dos sótãos.”

Algumas das peças do museu de José Pereira são verdadeiras preciosidades, como a Griffon de 1901, com motor Clement, “um dos primeiros feitos para motociclos”, a primeira Vespa registada em Portugal, em 1949, ou uma Vespa militar que o exército francês usou na guerra da Argélia. Há também máquinas invulgares, como uma gigantesca utilitária Moto Guzzi, com volante em vez de guiador, ou os modelos militares da Zundapp e da BMW, com sidecar e metralhadora.

A primeira Vespa registada em Portugal, em 1949. Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO

No Museu da Mota há outros objetos que nos puxam para ambientes de outros tempos

O museu fica numa nave industrial de 2.500 metros quadrados, nas traseiras da Vapesol, a empresa de solas para calçado que José Pereira fundou e onde ainda vai todos os dias, apesar de a direção estar entregue aos filhos. O espaço está recheado de motas, mas não só. Há todo o tipo de objetos que remetem o visitante para um ambiente de nostalgia: máquinas registadoras, jukeboxs, anúncios de marcas históricas como Mobil, BP, Firestone, Michelin, Vespa, Fina, Coca-Cola, Dunlop, CTT, Shell, Mabor, bombas de gasolina de várias marcas, cabines telefónicas… Cada objeto é um pedaço de história, como a lata da Sonap, a primeira empresa petrolífera portuguesa, fundada em 1933, percussora da Petrogal, ou uma bicicleta de 1847.

Todas as jukeboxes que existem no museu funcionam. Foto: Rui Dias / O MINHO

 Numa sala do museu, há uma barbearia completa, com cadeiras antigas de fabrico nacional. “Há aqui peças que muitas pessoas hoje nem sabem que alguma vez existiram”, diz, enquanto abre um escarrador. Numa das paredes da barbearia estão vários televisores antigos, da década de 1950, um deles é um movel completo com televisor e rádio. O que impressiona em todos os objetos é forma como estão conservados, alguns parece que acabaram de sair da prateleira da loja.

À beira das clássicas americanas, está o espaço Coca-cola. Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO
Foto: Rui Dias / O MINHO

O espaço começa a faltar e a coleção continua a crescer

Atualmente, o maior problema que José Pereira enfrenta é a falta de espaço. Acabado de chegar de uma feira de motos clássicas na Alemanha, onde comprou várias peças, continua a fazer crescer a coleção. “As coisas começam a não caber aqui, por isso há objetos nos corredores”, queixa-se.

Os anúncios de marcas históricas ligadas às motas ajudam a compor o cenário. Foto: Rui Dias / O MINHO

Para o colecionador o “maior prazer” é mostrar isto às pessoas, principalmente às que gostam e entendem. “Estiveram aqui uns americanos, da Califórnia, que ficaram pasmados. Disseram-me que já andaram por todo o lado, mas que este é o melhor museu onde já estiveram. Pela variedade, pela cor.” 

Pedaços de história, como uma lata da primeira petrolífera portuguesa. Foto: Rui Dias / O MINHO

Não têm faltado propostas de municípios interessados em ter este valioso espólio nos seus territórios, mas para José Pereira há duas coisas importantes: ficar com as suas motas por perto e manter a coleção unida. O presidente da Câmara de Vizela, Victor Hugo Salgado, apresentou, no ano passado, um projeto para um museu da mota, nos terrenos por trás do Castelo da Ponte. José Pereira, residente no concelho de Vizela há muitos anos, não esconde que gostava de manter as motas por perto, no entanto, só acredita na construção do edifício “quando o vir, porque eles não têm dinheiro”.

A motorizada já foi o transporte de José Pereira, hoje tem tantas e anda menos. Foto: Rui Dias / O MINHO

A falta de espaço limita as possibilidades de abertura do museu ao público. “Com tanto material nos corredores não é fácil, além disso, temos muitas motas penduradas e em prateleiras. Torna-se inseguro para quem visita e nós também corremos riscos”, afirma. Mesmo assim, “não há ninguém que apareça aqui vindo do Algarve, da Madeira ou seja de onde for, para ver o Museu que se vá embora sem o visitar”, afiança. “Para uma abertura mais generalizada era preciso reunir outras condições”, acrescenta.

 
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