O Parlamento Europeu (PE) está, de hoje a domingo em Braga, na iniciativa “Parlamento Europeu à Sua Porta”, através de uma estrutura móvel estacionada no Largo de São João do Souto.
A esse propósito, O MINHO entrevistou o eurodeputado social-democrata José Manuel Fernandes, de Vila Verde, sobre a relevância do PE para a vida dos portugueses e sobre a crise provocada pela invasão da Ucrânia. E onde se fala no desafio da ‘bazuca’ e dos 30 mil milhões que Portugal vai receber.
Os portugueses elegem o Parlamento Europeu, mas nem todos têm consciência da sua importância na tomada de decisões da União. O que faz o PE em especial no que toca à vida diária dos cidadãos europeus?
Os deputados ao PE são eleitos pelos cidadãos europeus. Desta forma, os cidadãos estão representados no PE, reforçando-se a legitimidade democrática das instituições europeias. O PE decide em conjunto com o Conselho sobre os fundos, o orçamento anual e a legislação. A ação do PE tem repercussões na vida dos cidadãos.
Note-se que em Portugal cerca de 90% do investimento público tem origem no orçamento da UE. Há programas que são fundamentais, como o Erasmus+, o programa de educação, formação ou o Horizonte Europa, que financia a investigação.
E no que toca às decisões da Comissão Europeia e do Conselho Europeu?
O Parlamento Europeu, a Comissão e o Conselho, formam o chamado “triângulo institucional” da União Europeia. A Comissão Europeia tem o direito de iniciativa, apresentando propostas legislativas. Para além disso, funciona como o órgão executivo da União, sendo ainda a guardiã dos Tratados e valores europeus.
O Conselho da União Europeia, também conhecido por Conselho de Ministros ou Conselho, é o palco de decisão política onde os governos dos Estados-Membros estão representados. Quando esta reunião é ao nível dos Chefes de Estado e de Governo, designa-se por Conselho Europeu ou Cimeira Europeia.
A pandemia de covid-19 demonstrou a importância do triângulo institucional: a compra das vacinas feita pela Comissão Europeia, para distribuição proporcional pelos Estados-Membros, foi um sucesso. O avanço para um empréstimo comum, com base numa garantia do orçamento da UE permitiu que se fizessem planos de recuperação e resiliência com milhares de milhões de euros para se ultrapassar as dificuldades da pandemia. A UE agiu bem e rapidamente.
A guerra provocada pela Rússia levou a que este triângulo institucional avançasse com fundos e medidas para o apoio humanitário, nomeadamente para os refugiados, e ajuda financeira para a Ucrânia.
Portugal recebe 30 mil milhões
O eurodeputado José Manuel Fernandes tem, enquanto membro do PPE, um papel relevante na construção do Orçamento da UE. Que vantagens pode, isso, trazer para a Europa e para Portugal?
Sou o coordenador do Partido Popular Europeu na Comissão dos Orçamentos. Por isso, no meu grupo político, sou o porta voz para as questões orçamentais, o responsável pela distribuição dos dossiês legislativos e pela permanente negociação com os outros grupos políticos. Nesta missão, defendo o interesse da minha região, de Portugal e da Europa.
Pauto-me pela marca que registei – “Pela Nossa Terra”. Desde 2009, tenho estado nas negociações de todos os orçamentos da UE. Neste mandato, participei ativamente nas negociações do Quadro Financeiro Plurianual, do Mecanismo de Recuperação e Resiliência e no InvestEU.
O resultado foi muito positivo para a UE e para Portugal. No QFP 2021-2027, Portugal recebe mais de 30 mil milhões de euros. O Mecanismo de Recuperação e Resiliência, que deu origem ao Plano de Recuperação e Resiliência, dá a Portugal 16,6 mil milhões de euros. Em todos estes dossiês, tenho procurado “arrastar” o máximo de milhões para Portugal e adequar os regulamentos europeus às nossas especificidades. Acresce que na negociação do QFP 2021/2027 defendi, também com sucesso, o reforço de programas europeus como o da investigação Horizonte Europa, o Mecanismo Interligar a Europa, o Erasmus +, o programa de saúde, a ajuda humanitária. A pandemia e a guerra provocada pela Rússia provaram que estes programas europeus são fundamentais para todos os Estados-Membros.
Confesso que estas negociações, mesmo quando muito difíceis, me dão prazer. A frustração surge quando observo que Portugal, através do nosso governo, não utiliza estes fundos adequadamente nem os distribui com justiça.
O nosso país tem pela frente o desafio de aplicar bem as verbas do chamado PRR – ou ‘bazuca’ – e do próximo quadro comunitário.
Os fundos devem servir, desde logo, para aumentar a coesão territorial. Para além disso, devem acrescentar valor, adicionar e gerar riqueza, aumentar a nossa competitividade e promover a sustentabilidade ambiental. Mas não é a isso que temos assistido.
Em primeiro lugar, deveríamos saber o que é que queremos. Afinal quais são os objetivos que Portugal quer atingir em 2030, por exemplo, na educação, exportações, combate à pobreza, investigação? E por região? Depois de sabermos o que queremos deveríamos articular o Portugal 2030 e o Plano de Recuperação e Resiliência. Infelizmente, nada disto foi feito. Já estamos em junho de 2022 e o acordo de Parceria, denominado “Portugal 2030”, ainda não foi aprovado! Também deveríamos questionar o papel do orçamento de estado. É que atualmente, o nosso Orçamento do Estado só serve praticamente para pagar as despesas correntes e de funcionamento. Somos o país da UE que mais depende dos fundos comunitários, com cerca de 90% do investimento público a ser financiado através do orçamento europeu.
Recentemente, a Comissão Europeia tornou públicos os dados sobre a política de coesão na UE. Neles encontramos três factos incontestáveis: a economia de Portugal estagnou; estamos excessivamente dependentes dos fundos europeus. Ao longo dos últimos 20 anos, todas as regiões de Portugal apresentaram um crescimento do PIB per capita inferior à média da União Europeia.
Uma breve referência ainda sobre a coesão territorial, económica e social. Portugal recebe muito dinheiro porque tem regiões pobres e esses fundos devem ser -prioritariamente – canalizados para essas regiões. Os fundos da política de coesão têm como principal objetivo a redução das disparidades regionais. Se os fundos continuarem a ser desviados para as regiões mais ricas, como têm sido nos últimos anos, estamos a inverter o objetivo dos mesmos e a criar ainda mais assimetrias.
Muitos temiam que a invasão da Ucrânia encontrasse a UE dividida. No entanto, parece estar a suceder o contrário. Que mais pode ser feito para ajudar a Ucrânia?
A invasão da Ucrânia por parte da Rússia uniu e reforçou o papel da União Europeia. Agora percebe-se a importância do investimento na defesa, relembrando a todos a sua importância e a necessidade de a fortalecer cada vez mais. Fica evidente a necessidade de termos autonomia estratégica na defesa, energia, e agricultura.
Reconheço que a União Europeia demorou a tomar medidas musculadas, mas depois avançou com muita força e determinação. Exemplo disso é a recente medida desta semana, em que os líderes europeus chegaram a acordo para impor um embargo ao petróleo russo. O acordo é parcial, mas Bruxelas espera alargar o espetro da medida aos 90% até ao final do ano. Os obstáculos a um acordo total para proibir a importação completa de petróleo russo foram colocados pela Hungria que, tal como a Eslováquia e a República Checa, não têm acesso ao mar e dependem por isso do oleoduto Druzhba, que transporta petróleo russo até ao Centro da Europa. A solução encontrada foi permitir, para já, uma exceção para estes países, mas acabou por ser aprovado o embargo às importações por via marítima.
A Europa está a aplicar todas as sanções possíveis e na altura em que tais são possíveis. A UE reagiu de forma unida com enormes sanções económicas e financeiras à Rússia. Finalmente, percebeu que tem de investir na defesa e segurança europeia. A opinião pública forçou a uma mudança, obrigou os governantes a serem firmes. Estes são passos importantes, mas temos de continuar a mostrar o nosso apoio e solidariedade com o povo ucraniano.
Ucrânia na UE: iniciar o processo
Este país quer aderir e ter estatuto de candidato. Pode? Quando e como?
Como todos sabemos, para que um país integre a UE terá de ter as suas fronteiras estáveis e definidas, o que não acontece neste momento. O processo é sempre demorado. Recordo que a Croácia pediu a adesão em 2003 e só entrou na UE em 2013. Mas há que iniciar o processo. Considero que a Ucrânia deverá ter rapidamente o estatuto de candidata. Dessa forma a Ucrânia poderá receber recursos financeiros a partir do Instrumento de Pré-adesão. O objetivo é o reforço das instituições, o cumprimento e respeito dos valores europeus. Os critérios de adesão têm de ser cumpridos.
Este caminho tem de ser traçado com cuidado para reforçar e não enfraquecer uma unidade que temos atualmente. É um percurso que estamos a traçar e ninguém pode negar o quanto a Comunidade Europeia e todas as suas instituições estão empenhadas em defender a Ucrânia e ajudar a sua população a lutar contra um ditador.
A guerra também chamou a atenção para as debilidades de muitos países europeus, com relevo para Portugal, em matéria de defesa. O que pode ser feito pelos governos?
Há que investir mais na defesa. A Nato tem de ser a prioridade, mas temos de nos preparar para a eventualidade dos Estados Unidos terem um “Trump” como presidente. Tal significa que temos de ser capazes de nos defendermos a nós próprios. Temos de nos coordenar e partilhar. O orçamento da defesa dos 27 é mais do triplo do orçamento da defesa da Rússia! Não precisamos de ter um tanque, avião de caça, etc. diferente em cada Estado-Membro. Com os mesmos recursos financeiros, se houver coordenação, teremos mais força e eficiência.
Pensa que se deve evoluir para um exército europeu, ou pelo menos, para maior articulação entre países em termos operacionais e de investimento em tecnologias militares?
Não sou a favor de um exército europeu, mas sou a favor da criação de uma força de intervenção rápida. Para além disso, defendo, como referi, a coordenação e partilha.
As relações da UE com a Rússia estão muito afetadas com a guerra e as sanções. Acha que ainda pode haver novo pacote de sanções? Como evoluirão essas relações?
É desejável um novo pacote de sanções. Temos de avançar para o embargo total ao gás russo. Estamos a comprar diariamente à Rússia cerca de 1000 milhões de euros em energia. O custo é o triplo de 2021. Na prática, estamos a financiar a compra de armas para o Sr. Putin. Para parar a guerra, temos de cortar o gás.
E as relações com a China, grande parceiro comercial, devem manter-se no quadro do acordo existente?
A China, se assim o entendesse, poderia ser um negociador fundamental para colocar um ponto final neste conflito. Considero que devemos ter uma atitude cuidadosa na forma como estabelecemos as nossas relações comerciais com a China, de forma a evitar cometer os mesmos erros e desenvolver as mesmas dependências que desenvolvemos relativamente à Rússia. Basta pensar na complicada relação entre Pequim e Taiwan. O ponto a que chegámos deve ser lição para a forma como nos relacionamos com as demais potências mundiais, colocando a China no topo da lista.