A defesa de Luís Silva, de Braga, um dos três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) acusados de matar à pancada um cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa não assume o crime de homicídio qualificado e atribui parte das feridas identificadas no corpo de Ihor Homeniuk, de 40 anos, à convulsão que este sofreu dois dias antes de morrer, a 12 de março de 2020. A defesa dos outros dois ‘afina pelo mesmo diapasão’, ou seja, também não assume a prática do crime.
Na contestação à acusação do Ministério Público, que começa a ser julgada na terça-feira em Lisboa, a advogada Maria Manuel Candal, com escritório em Aveiro, dá a entender que podem ter sido os seguranças, em serviço na sala de acolhimento de imigrantes em vias de expulsão, quem terá atado e agredido o malogrado cidadão ucraniano. O MINHO contactou a jurista que não se quis pronunciar, dizendo apenas que o seu constituinte “não matou o ucraniano”.
Os três ‘polícias’ estão acusados de homicídio qualificado e posse de arma proibida, o que, se tal for provado, lhes pode valer a pena máxima, ou seja, 25 anos de prisão.
O Jornal de Notícias na sua edição de hoje refere que os advogados dos outros dois inspetores, Ricardo Sá Fernandes, que defende Bruno Sousa, apresenta a mesma tese, argumentando com as imagens captadas pelo sistema de vídeo vigilância, mostrando os seguranças a dirigirem-se para a sala onde estava a vítima.
Já Ricardo Sá Serrano, defensor de Duarte Laja, nega, simplesmente a prática do crime.
Inspetores não agrediram
Na contestação em defesa de Luís Silva, que está em prisão domiciliária numa casa nos arredores de Braga, diz ser “falso” que os inspetores tenham dado socos e pontapés e o tenham espancado com um bastão. No entanto, num vídeo captado no corredor de acesso ao local onde o ucraniano estava detido e amarrado vê-se Luís Silva a passar com um bastão extensível na mão.
No documento, Maria Manuel Candal diz que Ihor Homeniuk terá partido um dente quando teve um ataque de epilepsia, caiu e foi levado ao Hospital. Argumenta, ainda, que várias fotos mostram os ditos ‘seguranças’ a entrar na sala onde o ucraniano morreu, com fita adesiva e pares de luvas sobrepostas.
Indemnização
Há dias, soube-se que a Provedora de Justiça decidiu que a viúva recebeu uma indemnização imediata de 712.950 euros, a que acresce uma pensão para os dois filhos enquanto estes estiverem a estudar. Este montante inclui 50 mil euros para o pai da vítima.
O Ministério Público concluiu que foram as agressões dos três inspetores que provocaram a morte do ucraniano, casado e com dois filhos menores no seu país, o qual terá agonizado durante dez horas, devido a hematomas, fraturas nas costelas e no tórax que o impediam de respirar, provocados pela pancada de bastão e pelas botas.
A investigação do MP e da Polícia Judiciária (PJ) ouviu cerca de 40 testemunhas, nomeadamente socorristas e seguranças em serviço no aeroporto que falaram com Ihor desde 10 de março, quando aterrou no Aeroporto Humberto Delgado e pediu para entrar em Portugal para vir trabalhar na agricultura, até ao momento da sua morte, pelas 18.40 de dia 12.
Gritos de sofrimento
Aliás, os testemunhos dos seguranças indicam que, durante os 20 minutos em que os agentes do SEF estiveram na sala onde estava Ihor, se ouviram gritos de sofrimento do ucraniano.
Um deles afirmou que os inspetores saíram a suar suados e que um deles terá dito “ele agora fica sossegado”, enquanto outro ironizava: “Hoje nem preciso de ir ao ginásio”.