Ilustrador de “Uma Aventura” em litígio com a Arquidiocese de Braga

Por causa da casa onde vive há 47 anos

Arlindo Fagundes, artista plástico, desenhador e realizador de cinema, com atividade centrada em Braga e Vila Verde, mas mais conhecido, a nível nacional, por ilustrar a série de literatura juvenil “Uma Aventura”, está em litígio judicial com a Arquidiocese de Braga por pretender avançar com o direito de preferência na compra do apartamento onde já reside há 47 anos, quando soube que a casa tinha sido vendida, pela Fábrica da Igreja de São Mamede de Marrancos, em Vila Verde.

O casal, Arlindo Terra Fagundes e Maria Augusta de Abreu Lima Cruz, tem como sua única habitação uma casa arrendada no segundo andar de um edifício da Rua Martins Sarmento, em Braga, que queria comprar, pelo que tendo sabido, mas só à posteriori, da venda pela Fábrica da Paróquia de Marrancos à Arquidiocese de Braga, avançou com uma ação cível, no Tribunal de Braga, no sentido do juiz da comarca declarar nulo o negócio de compra e venda entre as duas instituições da Igreja, a fim de exercendo o seu respetivo direito de preferência, comprar o apartamento, onde reside há quase meio século, aguardando agora pela sentença.

Arlindo Fagundes e Augusta Cruz receberam uma carta informando que o apartamento arrendado pelo casal desde 1975 transitou para a propriedade da Arquidiocese de Braga, com a indicação da nova conta bancária onde o pagamento da renda deveria ser feito.

Terá sido aí que o casal viu “que algo não batia certo”. Pela primeira vez, não conseguiram deduzir o abatimento das despesas anuais de habitação na declaração do IRS. Nas Finanças descobriram que afinal já tinha sido vendido o apartamento, no dia 06 de agosto de 2020, sem que enquanto arrendatário tivesse sido informado para exercer o direito de preferência para uma eventual compra da casa.

“O casal, até para salvaguardar uma possível alteração legislativa no setor habitacional, mas principalmente por uma questão de legalidade e conforme determina muito claramente o Código Civil, quer agora comprar o apartamento, exercendo o seu direito de preferência”, explicaram a O MINHO os advogados João Ferreira Leite e Renato Delgado, sintetizando as suas alegações finais, acabadas de proferir na última audiência de discussão e julgamento que tem vindo a decorrer durante as últimas semanas no Tribunal de Braga.

Defendem os causídicos bracarenses que o efeito da aquisição, pelo casal Fagundes, do apartamento, pelos mesmos 59.400 declarados no negócio de compra e venda, por força legal do direito de preferência, retroage à data desta última transação, pelo que, segundo os mesmos, serão donos da c asa desde quase há dois anos, havendo inclusivamente a descontar as rendas que pagaram desde a referida venda, em 06 de agosto de 2020, uma vez que, segundo a ação judicial de preferência intentada, a Fábrica da Igreja Paroquial de Marrancos e a Arquidiocese de Braga não cumpriram o ónus de informar os arrendatários da intenção de fazerem esse negócio entre si, bem como respetivas cláusulas, para que o casal, querendo, exercesse os referidos direitos.

Arquidiocese diz que a venda foi fictícia

Durante o julgamento na Instância Central Cível de Braga, vários cónegos da Igreja de Braga, entre os quais José Paulo de Abreu e Roberto Rosmaninho Mariz, afirmaram que este casal, Arlindo Fagundes e Augusta Cruz, “não tem razão alguma” no processo judicial que intentou, argumentando que a venda do apartamento por 59.400 euros, da Fábrica da Igreja de Marrancos, do concelho de Vila Verde, à Arquidiocese de Braga, celebrada num cartório notarial, já a 06 de agosto de 2020, afinal foi “um negócio fictício”, para adaptar às alterações de 2004, da Concordata entre o Estado da Santa Sé a República Portuguesa, segundo as quais os rendimentos de bens não afetos ao culto religioso passam a ser tributados, designadamente com IMI e IRC.

Nas alegações finais, o advogado António José Oliveira, em representação da Arquidiocese de Braga, nunca admitiu sequer a hipótese de mesmo tendo sido registada tal transação comercial, por escritura pública, no Cartório Notarial Rodrigo Rocha Peixoto, em Braga, possa ter efeitos civis. isto é, afinal não foi uma venda, mas antes uma espécie de transmissão interna no seio da própria Igreja de bens não afetos a culto, mais referindo, como na sua contestação escrita, que os próprios valores desta transação foram ficcionados.

Na perspetiva da principal arquidiocese da Igreja Católica Apostólica Romana, a Primaz de Portugal e das Espanhas, à luz das regras do Direito Canónico, não houve uma venda, logo não há lugar a ninguém exercer eventual direito de preferência, porque na sua versão, “a operação consubstanciada na escritura foi realizada dentro do Código do Direito Canónico, materializando-se apenas porque a autonomia do direito canónico não alcança efeitos externos, nomeadamente para cumprimento das obrigações fiscais e registrais”, afirma aquele causídico, afirmando, em síntese, que se não houve venda real, não há lugar a direito de preferência.

O mesmo advogado refere que o valor atribuído à fração onde mora o casal, num segundo andar da freguesia de São Victor, no centro de cidade de Braga, não corresponde ao valor do mercado imobiliário, uma vez que “conforme resulta da própria escritura pública, os valores ali indicados são ficcionados, por inexistir a possibilidade real de determinar quais foram os movimentos financeiros realizados” então, entre a Fábrica da Igreja Paroquial de São Mamede de Marrancos e a Arquidiocese de Braga, “sendo certo que, o valor indicado na escritura para a fração sobre a qual pretende” este casal “exercer o direito de preferência não representa, por manifesto defeito, o seu valor de mercado”, ainda segundo considera António José Oliveira.

“Decorridos 40 anos, encontramos um enquadramento, legal, social e tributário significativamente diverso, tornando complexa manutenção de gestão dos bens, nos moldes atuais, em especial localizados no concelho de Braga, que necessitam de significativa intervenção de manutenção e conservação, com custos financeiros que o património autónomo e a Fábrica da Igreja Paroquial de São Mamede de Marrancos [Vila Verde] não estão preparados para assegurar”, refere a Arquidiocese de Braga, na contestação à ação do casal Fagundes.

 
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