O Observatório da Discriminação contra Pessoas LGBTQIAP+, da associação ILGA Portugal, recebeu 469 denúncias entre 2020 e 2022, mais de metade relativas a incidentes de ódio, mas em que menos de um quarto resultou em queixa oficial.
Os dados constam do mais recente relatório do Observatório da Discriminação contra Pessoas LGBTQIAP+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans, Queer,Intersexo, Assexuais, Pansexuais), ao qual a Lusa teve acesso, e que “demonstram a transversalidade, dimensão e impacto negativo do preconceito na vida das pessoas”.
Por causa do impacto da pandemia de covid-19, a ILGA Portugal optou por condensar os anos de 2020, 2021 e 2022 num só documento, destacando que nesse período os serviços da associação “fizeram milhares de atendimentos e acompanharam centenas de pessoas, incluindo menores de idade, em casos de violência em casa, perda de renda, despejos, violência e assaltos, entre outros”.
As 469 denúncias, que chegaram ao Observatório através do preenchimento de um questionário confidencial e anónimo, dividem-se entre 118 queixas relativas ao ano de 2020, 233 para o ano de 2021 e outras 118 registadas em 2022.
Em declarações à Lusa, a presidente da ILGA Portugal destacou que em 2021 houve “um pico de denúncias”, justificando esse facto com as pessoas estarem “mais estabilizadas e mais capazes de fazer denúncias”, depois de um ano marcado por sucessivos confinamentos, mas também porque terá sido um ano “muito marcado pela violência ‘online’”.
“Houve denúncias de discurso de ódio ‘online’, crimes de ódio ‘online’ e também as, infelizmente, já habituais denúncias de agressões físicas”, apontou Ana Aresta.
A rua e os espaços ‘online’ destacam-se quando se procura saber onde ocorreu a discriminação e uma avaliação ao histórico de locais de ocorrências nos últimos cinco anos revela “um aumento de casos ocorridos na rua” e uma “proporção significativa” de casos em contexto ‘online’.
Ana Aresta salientou que “começam a ocorrer com mais frequência (…) incidentes públicos de ódio”, dando como exemplo a situação em que um grupo de pessoas interrompeu uma apresentação de um livro infantil sobre igualdade e inclusão, e disse acreditar que isso apareça refletido nos dados do próximo relatório.
“Infelizmente a legitimação do ódio está presente no contexto social e neste momento nós temos partidos antidemocráticos instalados e sentados na Assembleia da República [cujo] modo de operação é antidemocrática. Logo quebra qualquer regra e princípio ético e parte da população sente-se validada a assumir um discurso de ódio”, defendeu.
Ainda em relação ao pico de denúncias registado em 2021, a presidente da ILGA disse que coincide “com um pico nos pedidos de apoio” nos serviços prestados pela associação, nomeadamente o apoio psicológico, que registou um aumento de 60% nas pessoas ajudadas, o que demonstra que “o ano de 2020 e o ano de 2021 foram particularmente a complicados para as pessoas LGBTQIAP+”.
Ana Aresta destacou que o contexto da pandemia afetou sobretudo os mais jovens, desde logo por causa do isolamento e de como isso obrigou muitas pessoas “a voltar para contextos inseguros (…), com potenciais agressores”, o que se traduziu num “pico de grande stresse e de grande sofrimento”.
Olhando para os dados estatísticos, é possível constatar que mais de um quarto das vítimas (26,6%) tem até 24 anos, apesar de a faixa etária mais representada ser a que tem as idades entre os 25 e os 34 anos, com 30% das denúncias.
A caracterização da vítima traz sobretudo homens cis (que se identificam com o género com o qual nasceram), cerca de 40%, e homossexuais (52,8%).
Já o agressor, é, na maior parte das situações, desconhecido para a vítima (31%), registando-se uma proporção de casos em que o agressor é uma pessoa próxima da vítima (pais, irmãos ou cônjuges) “menor do que em anos anteriores”.
Houve sobretudo insultos e ameaças (verbais ou escritas), mas também casos de discriminação no acesso a bens e serviços, discriminação na saúde, atos de ‘bullying’, abuso policial ou tentativa de agressão física.
Nos sete casos registados de violência doméstica, houve violência física, perseguições, privação de liberdade, mas também um caso de violência sexual.
Dos perto de 500 casos denunciados à ILGA, apenas 18,5% deles se concretizou numa queixa formal junto das autoridades competentes, muitos por desconhecimento, mas também medo e descrença nas autoridades.
A presidente da ILGA defendeu ainda que o Estado assuma a responsabilidade de recolha e tratamento deste tipo de dados, fazendo-o de uma forma mais sistemática e criando mecanismos de denúncia que permitam ter uma perceção mais generalizada sobre os crimes de ódio sobre as pessoas LGBTQIAP+.