Carlos do Canto está desde sábado em greve de fome em protesto contra a construção de um muro à porta da sua casa, em Lindoso, Ponte da Barca. Alega que a construção lhe tapa a entrada e que, inclusivamente, tem dois carros que não consegue retirar da garagem, acusando, ainda, o presidente da Junta de agir por vingança.
O autarca de Lindoso, Secundino Fernandes, rejeita as acusações e nota que o muro já estava previsto há muitos anos no projeto da Porta do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) e Junta de Freguesia. Afirma, ainda, que a entrada para a casa de Carlos do Canto sempre se fez por outro local e que a justiça tem dado razão à junta.
O diferendo que começou há quatro anos continua a ser dirimido na barra dos tribunais.
Diferendo com quatro anos
O imbróglio começou em abril de 2016 e, desde então, já foram várias as peripécias, mas por entender que não há resposta aos seus anseios, Carlos do Canto está desde a meia-noite de sábado em greve de fome.
“É só promessas, só promessas, há quatro anos que ando nisto e ninguém resolve nada”, indigna-se em conversa com O MINHO.
Nestes dias esteve junto ao muro e, agora, está “a fazer contas de ir para a porta da Câmara” para dar maior visibilidade ao protesto.
“Não comi nada, nada, mas estou a ver que está complicado isto. Esta noite já passei um bocado mal. Até ontem à tarde [domingo] ainda estive bem, agora de noite já fiquei à rasca do estômago, vamos lá ver o que vai acontecer, se me aguento por mais tempo”, afirma, acrescentado que, se calhar, terá que “começar a comer por causa da [sua] filha”.
“Desde ontem à noite que a minha filha diz que não come enquanto eu não comer, mas ela tem que comer”, sublinha.
“Fui candidato numa lista da oposição e construiu o muro para se vingar”
Segundo o queixoso, a construção do muro é uma vingança por em 2016 ter concorrido contra Secundino Fernandes à presidência do Conselho Diretivo dos Baldios em Lindoso – ato eleitoral que o autarca ganhou.
“Eu fui candidato de uma lista da oposição aos compartes e, após ele ganhar, construiu-me o muro à porta para se vingar de mim”, defende. “O muro está encostado ao meu portão, é só mesmo para cortar o acesso à minha habitação. Tenho lá dois carros presos desde essa altura que não consigo tirá-los”, acrescenta.
Carlos do Canto argumenta que o terreno em que o muro foi construído é da Câmara e que, por isso, a Junta não tem legitimidade para ali fazer obras. Já o autarca garante que é da Junta, mas que, mesmo que fosse da Câmara, “é do Estado Português” e que as obras, sim, são a expensas da junta com base num protocolo com a Câmara.
Há dois anos, o muro chegou a ser demolido por Carlos do Canto. “Instaurei uma providência cautelar, ganhei e demoli o muro, depois ele [o presidente da Junta] voltou a construi-lo. O terreno é da Câmara e a Câmara não faz nada. O tribunal nunca mais decide nada, já fez quatro anos em abril”, argumenta Carlos do Canto.
“Em abril de 2016, depois das eleições [para os baldios], construiu o muro. Primeiro fez um buraco, a minha filha caiu lá dentro, recebeu tratamento hospitalar. [O caso foi para tribunal] e depois ele no julgamento prometeu que se eu perdoasse o julgamento repunha o acesso e, depois de eu perdoar o julgamento, é que construiu o muro. Tapou a vala e construiu o muro”, conta Carlos do Canto.
Caso em tribunal
“A decisão da providência cautelar deu ordem de demolição, ele [presidente da Junta] não quis demolir, e depois o tribunal deu-me autorização e tive que demolir o muro por conta própria”, recorda.
A versão do presidente da Junta é diferente: “Na primeira providência cautelar, nos dez dias que as partes podem argumentar, ele antecipou-se e deitou o muro abaixo. Quando o tribunal se deslocou ao local para verificar se o argumentado era verdadeiro já estava o muro desfeito. O tribunal deu-nos ordens para levantar novamente o muro”.
Segundo Carlos do Canto, o julgamento do caso “não foi acabado por falta de tempo para ouvir tanta testemunha e ficou adiado para setembro”.
“O que ficou adiado é relativo à indemnização à junta por ter deitado o muro abaixo na primeira providência cautelar”, contrapõe Secundino Fernandes.
De acordo com o autarca, a ação principal foi dividida em três: a primeira, relativa ao caminho, foi julgada em fevereiro favoravelmente à junta; a segunda referir-se-á à indemnização pela demolição do muro; a terceira será por litigância de má-fé.
“Ele tomou a iniciativa de ir para tribunal, meteu a providência cautelar, meteu uma segunda providência, meteu a ação principal e o tribunal em nenhuma dessas ações lhe deu razão”, aponta o autarca.
“Não se trata de fazer muros para complicar a vida a ninguém, já estava projetado”
Relativamente ao muro, Secundino Fernandes assegura que o mesmo estava programado desde a construção daquela porta do PNPG, para a qual, inclusivamente foram expropriados os terrenos, num processo iniciado há mais de dez anos.
“Não se trata de fazer muros para complicar a vida a ninguém, trata-se de dar seguimento ao que estava projetado” e acrescenta que “está tudo devidamente documentado no tribunal”.
O autarca explica que a construção do muro serve para “criar cotas”. “O recinto escolar e a eira comunitária tinham em relação à via principal um desnível de metro e meio”, justifica, acrescentando que o espaço será “para fazer um parque infantil e um parque de merendas” e que “o átrio exterior à porta do Parque foi expropriado para criar condições aos turistas”.
“A garagem dele foi feita clandestina”
Em relação às razões do protesto de Carlos do Canto, o autarca responde que “a garagem dele foi feita clandestina”. “E não sei se está legal”, continua, para completar que “a entrada da casa dele é a norte, sempre foi, não é a nascente”.
“É uma casa antiga e sempre foi por lá, depois ele fez aquele acrescento e meteu na cabeça que aquilo foi expropriado para lhe tapar o caminho. A casa foi reconstruída em 2006 e já existe para aí há cem anos, sempre com entrada a norte, não é a nascente pelas portas do PNPG”, defende o autarca.
Secundino Fernandes refere, ainda, que tem provas de que o queixoso “já circula nas traseiras do edifício das portas do PNPG, já arranjou um novo caminho para a propriedade dele”.
“Serão puras coincidências e eu não estou a acusar ninguém, mas a mim já me queimaram quatro viaturas (dois carros, uma carrinha e um trator) e a máquina do empreiteiro que anda lá a fazer as obras foi à vida. Meras coincidências”, diz o autarca, que diz já ter sido ameaçado por Carlos do Canto.
Quanto à greve de fome, dispara: “Que lhe façam um exame ao estômago a ver se não encontram comida. Gosta de fazes estas fitas”.