“Hantígona”, uma adaptação do encenador galego Guilhermo Heras, inspirada na tragédia grega de Sófocles, estreia-se na segunda-feira, no Teatro Sá de Miranda, em Viana do Castelo, para assinalar os 30 anos do Teatro do Noroeste – CDV.
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“Decidi escrever ‘Antígona’ com um H para que o público perceba que vai assistir a uma peça baseada num texto clássico, escrito à luz de uma perspetiva contemporânea”, afirmou hoje o encenador.
Heras, que falava aos jornalistas no final do ensaio de imprensa do espetáculo, na sala principal do Teatro Sá de Miranda, explicou que essa perspetiva reflete “sobre a peste, hoje a pandemia de covid-19 que tem vindo a assolar” o mundo.
Reflete ainda sobre a postura “tremendamente cidadã de uma mulher que não quer aceitar as leis de um poder cego e que enfrenta uma personagem como Creonte”.
“Não quisemos que Creonte fosse apenas um tirano, mas um homem de convicções. Não sabemos se é tecnocrata ou liberal, o que nos faz lembrar certos governantes da atualidade”, afirmou o encenador galego.
A 148.ª criação do Teatro do Noroeste-Centro Dramático de Viana (CDV) estreia-se na segunda-feira, às 21:00 e permanecerá em cena até dia 18, com interpretação do elenco residente e dos atores convidados Ana Brandão, Joana de Viana e Pedro Almendra.
Guillermo Heras criou “Hantígona” para assinalar, na segunda-feira, os 30 anos da companhia profissional de Viana do Castelo à qual está ligado “há muitos anos”, como assessor e responsável pela escola de verão para atores.
Para o encenador galego, a capital do Alto Minho “pode converter-se num dos eixos fundamentais do teatro português e europeu, por ter um teatro municipal como o Sá de Miranda, entre outros equipamentos”, e uma companhia “estável” que desenvolve, ao longo do ano, teatro de reportório, intercâmbios com atores e companhias de outras regiões e, sobretudo, por criar público.
“Sem público não faz sentido. Parece-nos que, sem renunciar a um teatro de pensamento, busca e investigação, o teatro popular, como é o caso de ‘Hantígona’, é fundamental. O que mais desejamos é que ‘Hantígona’ seja um espetáculo popular sem perder essa linha de pensamento”, afirmou.
Questionado pelos jornalistas sobre a recente adesão da companhia de Viana do Castelo à Convenção Europeia de Teatro, Guilhermo Heras disse ser “muito importante” por “acreditar muito no teatro vinculado ao próprio município”.
“O Teatro do Noroeste-CDV leva anos a lutar, em alguns momentos, sem apoios do Estado. A obrigação do Estado é apoiar a cultura, porque a cultura é qualidade de vida, é criação de postos de trabalho”, sustentou.
Para o encenador, ao passar a integrar a European Theatre Convention (ETC, na sigla em inglês), com mais de 30 anos e cerca de 50 teatros, a companhia de Viana do Castelo pode ter o “sonho de levar ‘Hantígona’ a outros lugares da Europa”, e trazer à capital do Alto Minho “os gregos para ensinarem os seus Édipos, ou os franceses para ensinarem os seus Molière”.
“A cidade e as suas autoridades devem sentir-se muito orgulhosas”, frisou.
O ator Pedro Almendra, que encarna a personagem de Creonte, tio de Antígona, afirmou que a história envolve uma “família disfuncional que é assolada por maldição em cima de maldição, tragédia em cima de tragédia e que acaba muito mal, nunca por culpa de ninguém, mas por culpa de todos”.
“Um pouco como a nossa vida. Deitamo-nos na cama que fazemos e, às vezes, nem sempre porque nos fazem a cama. É o que acontece à maior parte das personagens de ‘Hantígona’”, disse o ator que, pela primeira vez, integra um projeto do Teatro do Noroeste – CDV, tal como Joana de Viana.
O ator destacou a “contemporaneidade” de “Hantígona”, pela “aproximação à realidade atual com alguns déspotas disfarçados de ovelha, com a pandemia de covid-19 a acontecer e a voltar a pôr os cornos de fora” da história de uma família grega, que tem “um fim não menos trágico do que o vulcão nas Canárias”.
O diretor artístico do Teatro do Noroeste – CDV, Ricardo Simões, destacou que a estreia de “Hantígona” marca o início do “primeiro trimestre das celebrações dos 30 anos da companhia, até dezembro 2022 a festejar 30 anos de futuro”.
“Queremos, honrando o passado, tendo consciência do presente, mas colocando o olhar no amanhã da companhia. Queremos colocar o horizonte nos próximos cinco anos que vão ser determinantes para a sustentabilidade deste projeto cultural”, frisou.
Ricardo Simões, que é também assistente de encenação em “Hantígona”, destacou a “excelência da proposta de Guilhermo Heras por democratizar os mitos gregos, tornando-os acessíveis a todos os públicos”.
“Queremos que os públicos do Alto Minho, de Braga, do Porto, Barcelos, de Guimarães tenham a oportunidade de assistir a um espetáculo que é, à nossa escala, uma grande produção”, referiu.
A peça, “a primeira coprodução com o Teatro Nacional São João, do Porto, vai ser apresentado naquela cidade em julho de 2022, ao Teatro Carlos Alberto”.
“É um espetáculo que tem ambição de ser, igualmente popular, aqui [Viana do Castelo] ou numa grande capital europeia”, sustentou.