A rua de São Cláudio, em Curvos, Esposende, parece em tudo igual a qualquer outra das redondezas. Mas, como que escondido, num cantinho bem tratado à face da estrada, há algo que a distingue. Parece um local mágico no qual ao entrarmos viajamos no tempo, até à infância. Como se fôssemos personagens numa das aventuras do Tom Sawyer. O “Canto da Cabana” foi construído nos anos 80 por três amigos, o Zé Manel, o Chico e o Toni, que ali fizeram o “quartel-general” para as suas brincadeiras. Agora, são crescidos. Mas um deles, Zé Manel, recuperou a cabana e abriu-a ao público para que os pais possam levar lá os filhos, contar-lhes histórias e, sobretudo, mostrar-lhes como se brincava antigamente. E como é bom ser criança.
Há um jardim relvado a rodear duas cabanas. Uma mais pequena, térrea. Outra, maior, com dois pisos. À entrada temos logo a informação: “Este espaço foi construído pelo Zé, Chico e Toni. Atualmente este espaço pertence ao Zé e pretende dar a conhecer como eles brincavam na década de 80 e 90 do século passado”.
A cabana mais pequena foi “a segunda a ser construída”. A cabana maior está no sítio da original. “Aí existia uma cabana feita com árvores conhecidas vulgarmente por mimosas e na primavera ficava coberta por flores amarelas. Mas devido à pouca exposição solar, as mimosas morreram e só posteriormente foi construída a cabana com dois andares”, lê-se na história afixada à porta.
Na cabana maior, entra-se e, logo no rés-do-chão, vemos fotografias penduradas na parede que recordam a infância do trio criador daquele templo de brincadeiras. Como era o antes e o depois de os primos Zé Manel e Chico e o amigo Toni terem construído o Canto da Cabana no terreno da avó dos dois primeiros, Laurinda da Silva Lima, conhecida como avó Laurinda de Vilar.
Umas estreitas escadas de madeira dão acesso ao piso superior. Uma janela deixa o sol iluminar o espaço. Há uma mesa, cadeiras e muitos livros infantis. E mais fotografias que documentam as muitas atividades ali realizadas antigamente.
“A imaginação era a base de todas as brincadeiras. Estivesse o calor mais abrasador ou a chover, a diversão neste espaço estava sempre garantida. Todos os dias no final da escola era uma nova experiência de vida. Consistia em ir ao monte cortar mais mimosas/austrálias, trazê-las às costas, cortar e pregar para continuar a construção”, lê-se na história do “Canto da Cabana”.
E continua: “Também se juntavam ali para fazerem carrinhos de rolamentos, bolas de trapos, arcos com flecha, fisgas, etc. A construção dos próprios brinquedos proporcionou a estas crianças uma aprendizagem pelo cumprimento de regras e organização de trabalho”.
Além das brincadeiras diárias, ali também se realizaram “festas que marcaram as pessoas desta freguesia de Curvos, como a via sacra, a visita pascal, o sermão do mês de Maria, o Carnaval com concurso de máscaras, o São João com sardinha assada e broa de milho, o São Martinho com castanhas assadas na fogueira, jogos tradicionais com lançamento de bolas de trapo às latas, tiro ao alvo, corrida de sacos, etc”.
“Hoje, o Canto da Cabana, depois de um pequeno restauro, pode ser visitado, possuindo uma pequena exposição fotográfica e um acervo documental infanto-juvenil que podem ser consultados por adultos, crianças e onde estas também podem brincar”, conclui a história.
“Entrou no roteiro de Curvos”
Atualmente, o espaço que era da avó Laurinda de Vilar é de Zé Manel, que restaurou o Canto da Cabana.
Os tempos de infância já lá vão. José Manuel Souto tem 48 anos. O primo Chico, 45. E o amigo Toni, 50. “Agora é mais raro” juntarem no Canto da Cabana, conta a O MINHO o professor de Educação Física.
Depois de ter estado a trabalhar nos Açores, regressou e começou a trabalhar mais a sério no restauro das cabanas. Reconhece que o Canto da Cabana ainda é um tesouro escondido, que pouca gente conhece, apesar de já estar aberto ao público todos os dias, pois ainda quer melhorar o restauro. Mas está a pensar, brevemente, dar uma “festa” para dar a conhecer o espaço.
José Manuel mora ao lado do Canto da Cabana e trata da sua manutenção. Quem visita o local, garante, é respeitador e até hoje houve quaisquer problemas.
É um espaço privado, mas a Junta manifestou total disponibilidade para colaborar com o Canto da Cabana, que é uma mais-valia para a freguesia.
“Entrou no roteiro de Curvos, qualquer pessoa que visite a freguesia faz questão de visitar o Canto da Cabana”, vinca a O MINHHO o presidente da União de Freguesias de Palmeira de Faro e Curvos, Mário Fernandes, acrescentando que o espaço é muito visitado por crianças das escolas.
O objetivo é precisamente chegar às crianças, mostrar-lhes como se brincava há umas décadas, sem telemóveis.
“As crianças hoje acabam por brincar pouco. Nós tivemos uma infância muito feliz porque brincámos muito, andámos na rua, no campo. E o objetivo fundamentalmente é esse: dar a conhecer o Canto da Cabana aos pais para que possam levar lá os filhos, sentar-se lá com eles, contar-lhes uma história, e mostrar às crianças como brincávamos antigamente”, explica José Manuel.
E também podem brincar como o Zé, o Chico e o Toni brincaram nas décadas de 80 e 90.