Braga esteve sempre na linha da frente no Plano de Vacinação contra a covid-19, agora com cerca de 90% da população inoculada com a primeira dose e 75% com a vacinação completa. Contas redondas, estão já vacinadas cerca de 218 mil pessoas. São números impressionantes, mas que não fazem demover os responsáveis, entre eles a coordenadora do Centro de Vacinação de Braga, Céu Ameixinha, cuja palavra de ordem é vacinar até ser possível. “O ideal seriam os 95%”, sustenta. O MINHO foi conhecer melhor esta enfermeira especialista da Unidade de Saúde Pública que tem merecido os mais rasgados elogios da comunidade, ela que esteve seis meses consecutivos sem uma única folga, trabalhando 14 a 16 horas diárias, “com a missão de ajudar a combater o vírus”.
O Centro de Vacinação covid-19 de Braga bateu recordes atrás de recordes nacionais, chegando a registar 3.240 inoculações num só dia, muito também devido ao facto do Altice Forum possuir todas as condições para juntar cerca de 60 profissionais, entre auxiliares, bombeiros, enfermeiros e médicos. E não é de estranhar que este centro apresente outra particularidade que enche de orgulho a equipa responsável pela vacinação, já que são inoculadas não só as pessoas inscritas no ACES local como de outras localidades da periferia, as quais tiveram a iniciativa de ser vacinadas em Braga.
Céu Ameixinha lembra o início da pandemia: “Tudo começou em março de 2020 e muitos diziam que a pandemia não viria para Portugal. Quando vi que muita gente de Braga esteve no carnaval de Veneza, fiquei logo com a sensação de que chegaria. Mas guardei esse pensamento para mim, até porque pessoas com muita responsabilidade na área da Saúde diziam que o nosso país não seria afetado”.
Não demorou sequer um mês para que os sinos tocassem a rebate no Serviço Nacional de Saúde. Foi então que Braga partiu imediatamente para o terreno com os profissionais do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) e da Unidade de Saúde Pública (USP) a terem de se organizar rapidamente e a pensarem na melhor estratégia de combate à disseminação do coronavírus.
Céu Ameixinha acabou por ser a escolha natural para a coordenação do centro de vacinação em Braga, merecendo a confiança do diretor do ACES e do coordenador da USP, dado que é especializada em enfermagem comunitária e tem integrado os programas de vacinação.
“Quando estamos na presença de uma pandemia, precisamos todos de congregar esforços nas mais diversas áreas, a fim de contermos a sua disseminação o mais que pudermos. E a verdade é que fiquei com a noção de que teríamos de enfrentar algo de grande impacto negativo. Já tinha estado no combate à gripe H1N1, onde foram feitos muitos esforços, mas foi uma pandemia que não teve obviamente o impacto da covid-19. Sabíamos aliás que em termos de saúde pública estamos na presença de fenómenos cíclicos que podem tomar enormes proporções para as quais não estamos preparados. Tudo era desconhecido, tudo era diferente e começamos a ver que isto ia ter umas dimensões muito grandes”, começou por realçar.
A “task force” de Braga saltou então para o terreno, atuando sobretudo ao nível preventivo. Nas fábricas onde se registaram casos, as pessoas foram sendo postas em isolamento profilático e as equipas de profissionais de saúde indicaram-lhes uma série de medidas de etiqueta a ser tomadas para evitar a propagação do vírus.
Céu Ameixinha e demais envolvidos foram trabalhando caso a caso, família a família, começando a ter contacto com casos positivos via telefone e a ajudar essas pessoas que já estavam isoladas e distantes.
E que dizer do comportamento da população em relação à forma como encarou inicialmente a pandemia? Céu Ameixinha considera que “as pessoas perceberam rapidamente que estávamos perante um problema grave e que cada um tinha a sua responsabilidade no todo”, mas também concorda que houve erros cometidos em termos de sensibilização para a prevenção da doença numa fase inicial, nomeadamente com a autorização de algumas iniciativas que proporcionaram ajuntamentos.
“Em termos de estratégia e de políticas preventivas temos de ser assertivos e coerentes para as medidas serem iguais para todos. Claro que estávamos todos em fase de aprendizagem. Se calhar, para uns aquilo que parecia que não era tão negativo, para outros era. E devíamos ter acautelado estas situações”, diz a propósito.
A emoção da primeira vacina
“Quando começa uma pandemia, o que se deseja é uma vacina. Portanto, desde o primeiro instante, que ficamos à espera de uma vacina. E ela surgiu nos finais de dezembro em Portugal”, recorda Céu Ameixinha, acrescentando: “Lembro-me que o dia da primeira entrega foi a 29 de dezembro de 2020 e a primeira vacina que inoculei na USP de Braga, em Gualtar, foi no dia seguinte. Na ocasião, foram indicados os profissionais da Saúde para serem os primeiros a ser vacinados, e a sorte calhou ao enfermeiro Abel Gonçalves, da Unidade de Saúde Familiar + Carandá que também tinha acabado a especialidade em Saúde Comunitária e Pública, o que foi também um momento de muita emoção, até porque, como é do conhecimento geral, os enfermeiros foram muito sacrificados. De resto, os recentes números divulgados dão conta de quase oito mil enfermeiros infetados com o coronavírus, o que representa cerca de 10% dos elementos da nossa classe!”.
E Céu Ameixinha guarda no coração este “momento carregado de simbolismo e de inteira justiça”, sublinhando que “fosse quem fosse, aquele era um momento crucial de viragem no combate a uma pandemia”, razão pela qual nessa noite não conseguiu dormir “porque a emoção era muito grande” e sentiu que “era o começo do fim desta pandemia”.
No primeiro dia foram vacinadas 60 pessoas e no dia seguinte 80. Depois as vacinas foram chegando e a cadência foi aumentando, sendo que ao terceiro dia já estavam a ser administradas 150 vacinas.
“Sempre que chegavam vacinas, inoculávamos as pessoas sem olhar a horários e a sábados, domingos e feriados. Inicialmente tínhamos o problema dos prazos de duração das vacinas que eram muito curtos. Hoje duram um mês, mas naquela altura eram apenas cinco dias com hora marcada, incluindo um dia para o transporte, o que nos fez reinventar e perceber que uma pessoa vacinada era um passo à frente na erradicação da pandemia”, lembra, para destacar logo em seguida:
“Felizmente que os profissionais souberam responder com eficácia. Sobrando dois ou três frascos noutro local, onde não era previsto fazer-se a inoculação, fazíamo-lo na USP. Dávamos sempre um passo à frente. Lembro-me que num sábado ia dormir uma sesta para recompor energias e o diretor ligou-me e disse: vêm dois frascos de Castelo de Paiva, vamos embora vacinar! Foi sempre assim. Porque as vacinas naquela altura eram ouro. E basta ver que era requisitada uma escolta policial impressionante para meia dúzia de frascos!”.
Por outro lado, algo que lhe custava muito era ter uma vacina dentro do frigorífico e ela não ser administrada. E a verdade é que “em Braga nunca faltaram vacinas nem nunca se estragou nenhuma dose! Chegámos a ficar até à meia noite para arranjar uma pessoa para aquela vacina não ir para o lixo. E respeitando sempre os critérios de atribuição da DGS”.
De Gualtar até ao Altice Forum
Céu Ameixinha teve conhecimento que iria coordenar o Centro de Vacinação de Braga dois dias antes da chegada das primeiras vacinas, deixando para trás as habituais férias de três dias em Santiago de Compostela por ocasião do final de cada ano. A partir daquele momento não mais cruzou os braços, tendo sempre procurado motivar a sua equipa para a execução do Plano de Vacinação, pois acreditava que só assim sairíamos desta pandemia. Inicialmente eram sete elementos envolvidos, hoje são dois turnos de 26 a 30 pessoas por cada turno, sendo que Céu Ameixinha integra os dois. Numa fase inicial, a população idosa começou por ser vacinada nas instalações de Gualtar, tendo sido destacadas equipas da USP para procederem à vacinação nos Lares.
Ao realizarem 200 a 300 inoculações diárias, os responsáveis pela vacinação ficaram com a noção de que poderiam ir mais longe desde que houvesse vacinas disponíveis, até porque os profissionais estavam bastante motivados. Foi então que passaram para instalações na sede do ACES, em Maximinos, onde as pessoas eram vacinadas numa sala e as salas de espera e recobro eram em tendas próprias.
Mas, desde janeiro que toda a equipa e Céu Ameixinha sentiam que Braga devia ter um espaço grande e condigno, porque as pessoas tinham receio com os distanciamentos e todos queriam ser vacinados. Tal exigia a certificação pela Direção Geral de Saúde desse espaço e isso foi conseguido em 23 de fevereiro com a entrada em funcionamento do centro de vacinação do Altice Forum Braga, o que, desde logo, proporcionou “condições únicas a nível nacional e isso também estimulou bastante a equipa”.
Enfermeiros estiveram à altura
Perante um fenómeno “completamente novo e inesperado”, Céu Ameixinha salienta que os profissionais de enfermagem tiveram muito peso e envolvência no êxito do processo de vacinação. Basta atentar que toda a gestão desse processo é feita por enfermeiros, desde a preparação, armazenamento, até à administração das vacinas.
Esta realidade remete-nos para a importância da profissão. E a coordenadora do Centro de Vacinação concorda que os enfermeiros são os pilares do Plano de Vacinação. Mas quando questionada se considera que a classe ganhou outra importância e respeito por parte da sociedade civil e das entidades que superintendem no setor da Saúde, já fica com algumas dúvidas: “Eu gostava de acreditar que sim. Sabendo que numa equipa de saúde todos são importantes desde os auxiliares até aos médicos, passando pelos enfermeiros. Agora, o que temos de aprender – e agora se calhar tivemos uma excelente oportunidade – é que os enfermeiros estão ao nível das outras classes profissionais, sendo uma classe preparada e com capacidade. Cabe-nos não deixar cair esta imagem. Num cenário pós-covid, não poderemos esquecer que há profissionais que estão disponíveis todos os dias e que muitas vezes estão ocultos”.
E remata: “Espero agora que os governos e estruturas do sector também aproveitem para incorporar estes auxiliares, enfermeiros e médicos que foram contratados para o plano de vacinação, dando-lhes o lugar que merecem, porque souberam responder ao que lhes era exigido de forma abnegada, incondicional e competente”.
Na reta final da vacinação
Céu Ameixinha reconhece que “a luta de agora” é vacinar os mais jovens para se conseguir a imunização aquando do arranque das aulas e salienta que a adesão desta faixa etária tem sido assinalável.
E deixa uma mensagem de desafio: “falta muito pouco para atingirmos o patamar da excelência. Eu quero que Braga não se fique pelos 85, mas sim pelos 95 % de taxa de vacinação! Devemos vacinar o mais que pudermos e tenho receio que as pessoas ainda não vacinadas se agarrem aos 85 por cento para não virem ser vacinadas. Não façam isso. Se há dúvidas estamos aqui para as esclarecer e quero que reflitam nisto: o facto de estarmos vacinados impede de chegarmos a um ventilador e isso é o melhor que podemos ter nesta pandemia e que a vacinação nos pode dar”.
Céu Ameixinha acredita também que a nova variante do vírus surgida na Colômbia não é tão grave como se pensava, “porque temos muita gente vacinada e o nosso sistema imunitário já está preparado para combater o vírus”.
A importância de Gouveia e Melo
Céu Ameixinha não se cansa de elogiar os méritos da ação do vice-almirante Gouveia e Melo, coordenador do Plano de Vacinação contra a covid-19 e enche-se de orgulho quando ele reconheceu que Braga é o “Top 1 da vacinação”.
“Acha que a capacidade de organização de Gouveia e Melo foi importante à escala nacional, e sou uma admiradora deste senhor não só pelo que fez neste setor, mas também pelas suas qualidades humanas”, refere.
Céu Ameixinha revelou-nos que Gouveia e Melo organiza semanalmente uma reunião com todos os centros do país, com a preocupação de manter as equipas informadas, “dizendo sempre tudo na hora certa e procurando motivar as pessoas”.
“Sendo militar demonstra uma grande abertura e considero-o um visionário em termos de antecipar o futuro. Basta lembrar que nunca negou a Braga os pedidos para avançarmos nas etapas no processo de vacinação. Sempre que o fizemos, fomos autorizados!”, realça.
A coordenadora do Centro de Vacinação de Braga também não esquece “o cuidado que Gouveia e Melo teve em cumprimentar todos os profissionais desde o porteiro ao máximo responsável, aquando da sua recente visita a Braga, oferecendo inclusive a toda a gente o símbolo da task force que ele próprio usa. Isto é bonito e mobilizador e quer dizer que fizemos com distinção aquilo que deveria ter sido feito!”.
Por fim, não deixa de referir que “o sucesso da vacinação a nível nacional, e sobretudo em Braga onde trabalho, deve-se não só à conjugação do trabalho dos profissionais e instituições envolvidas, mas também à comunicação social que desde o primeiro instante esteve connosco e percebeu que era uma grande mais valia para nos ajudar a trazer as pessoas à vacinação”.
Reportagem de Rui Feio de Azevedo.