O Supremo Tribunal de Justiça decidiu que a menina de cinco anos trazida ilegalmente, em junho de 2023, para Guimarães, pela mãe, cidadã portuguesa, terá de voltar para junto do pai, emigrante em França. O acórdão diz que o regresso não traz risco grave para a criança, pelo que há que cumprir as regras da Convenção de Haia sobre rapto internacional de menores.
O acórdão do Supremo contraria o da Tribunal da Relação de Guimarães que havia rejeitado o regresso a França da menor, como fora decidido pelo Tribunal de Família e Menores da cidade.
O pai, que recorreu para o Supremo, pedia o seu regresso, alegando que houve rapto, mas os juízes da Relação concluíram que havia riscos para a menor se fosse viver com o progenitor.
Por isso, revogaram a decisão inicial de regresso decretada pelo Tribunal de Família da cidade.
Na ação, o pai alegara que a menor tem a sua residência habitual em França e que o exercício das responsabilidades parentais foi ali regulado, resultando da sentença aí proferida que o pai e a mãe ”exercem conjuntamente a autoridade parental, mas que foi fixada a residência habitual no domicílio da mãe”.
Salientou que a mãe viajou com ela para Portugal, aqui permanecendo até hoje, sendo que, desde essa altura, não vê a filha.
Conforme o o MINHO noticiou em outubro, o acórdão da Relação, publicado em setembro, evocava a Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, e o Regulamento Europeu relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças.
Estes convénios “visam proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícita, estabelecendo as formas que garantam o regresso mais rápido possível da criança ao Estado da sua residência habitual”.
E acrescentava o Tribunal: “Estando assente a ilicitude da retenção, os tribunais têm de determinar o regresso imediato da criança, salvo se ocorrerem as circunstâncias ponderosas que se consideram aptas a fundamentar uma decisão de recusa”.
Não corresponde ao interesse da menor
Tais circunstâncias – acentuaram os juízes-desembargadores de Guimarães – “podem passar pela prova de que existe risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou a ficar numa situação intolerável, devendo avaliar-se, também, se a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente”.
Com base nesse princípio, concluíram que, “não corresponde ao superior interesse da menor, fazê-la regressar a França, retirá-la de Portugal, onde tem uma vida emocionalmente estável, junto das pessoas que são (e sempre foram) as suas figuras afetivas de referência, completamente inserida na família, na escola, com os colegas, com os cuidadores e profissionais, pese embora a patologia de que sofre”.
Supremo diz que não há risco extremo
A tese da Relação não foi subscrita pelo Supremo., “Se uma criança tiver sido indevidamente deslocada ou retida num Estado Contratante que não seja o da sua residência habitual, o tribunal ou a autoridade competente que aprecia o pedido de regresso tem o dever de ordenar o regresso imediato da criança”, diz o acórdão datado de 10 de dezembro.
E acrescenta: “A Convenção prevê exceções limitadas ao princípio do regresso da criança. Se e quando essas exceções forem invocadas e provadas com êxito, o tribunal do Estado requerido “não está obrigado a ordenar o regresso da criança” ao Estado de residência habitual; por outras palavras, o tribunal poderá exercer o poder discricionário de não ordenar o regresso da criança”.
E, prosseguindo, acentua: “A redação do artigo 13.º, n.º 1, alínea b) deixa claro que a questão é saber se existe um risco grave de que o regresso “sujeite a criança a perigos de ordem física ou psíquica ou, de qualquer outro modo, a coloque numa situação intolerável”.
Salienta, ainda e a propósito, que “o conceito de risco deve ser entendido como uma verdadeira e extrema exceção, utilizada apenas em última instância e não como um mecanismo de recusa automática. Trata-se de um conceito a interpretar restritivamente e ponderadamente, sendo claramente de aplicar a situações de maus tratos comprovados, incluindo abuso sexual ou de outro tipo, regresso a zonas de guerra, fome, ou que não respeitem os direitos humanos, que não está em causa na situação da França”.