Os refugiados ucranianos, assinalaram hoje, na Biblioteca Raul Brandão, em Guimarães, o Dia da Independência do país. O dia em que deviam festejar os 31 anos da libertação da pátria da União Soviética, coincide com a data em que passam seis meses sobre a invasão russa.
Cantou-se o Hino com emoção, recitou-se poesia, as ginastas refugiadas fizeram uma performance e algumas crianças tentaram uma dança cossaca.
“Preferimos dizer que estamos a reunir-nos, não queremos chamar-lhe uma celebração porque não temos motivo para festejar”, diz Yullia Mashkalova.
“Era muito perigoso ficar na Ucrânia. O meu marido é militar e está a defender a nossa Pátria. Temos um filho de 12 anos e eu vim para garantir o futuro dele”, acrescenta.
Anastasiia Tarasenko é a outra ucraniana que, juntamente com Yullia faz a ligação com a Ação Social do Município de Guimarães.
“Na Ucrânia, este era um feriado muito importante, com muitos concertos e fogo de artificio. Não queríamos deixar passar este dia sem fazer alguma coisa, mesmo neste cenário triste”, afirma.
Crianças marcadas pela guerra
As duas dizem maravilhas de Portugal, das pessoas em Guimarães e da forma como foram recebidas.
As crianças estão bem integradas na escola e nas atividades desportivas, mas, revela Yullia, “há sequelas que ficaram e que levarão o seu tempo a passar, muitas destas crianças têm dificuldade em dormir”.
“Está fora de questão usar balões ou fogo de artifício nas festas com estas crianças, porque os rebentamentos assustam-nas”, explica Anastasia.
Yullia é psicóloga e a sua atividade tem passado por ajudar estas crianças a resolver estes problemas.
Apesar dos elogios a Portugal, “onde conseguimos afastar, por momentos, o pensamento da guerra”, nenhuma das duas tem dúvida de que voltarão à Ucrânia logo que possível.
Em Guimarães, estão 166 refugiados ucranianos, 119 do sexo feminino e 47 do sexo masculino. O mais velho tem 70 anos, nasceu no tempo da União Soviética e o mais novo tem seis meses, nasceu praticamente ao mesmo tempo que se deu a ocupação russa.
Maioria dos refugiados já tem emprego
De acordo com a Câmara Municipal, a maioria destes refugiados estão empregados e existe até uma empresa criada por uma ucraniana. Além disso, algumas pessoas continuam a trabalhar nas suas ocupações na Ucrânia, remotamente.
O Município afirma que, ao contrário do que tem acontecido noutras regiões, a solidariedade dos vimaranenses para com estas pessoas mantém-se firme. Com seis meses passados sobre o início do conflito, já não chegam tantas pessoas diariamente, mas a autarquia continua a registar novos refugiados.
O momento foi assinalado com a exibição do filme “Amazing Ukraine”, no auditório da Biblioteca Raul Brandão, a que se seguiu um sentido Hino Nacional da Ucrânia. De seguida, nos jardins da Biblioteca foi recitado o poema “Lily”, do poeta T.G. Shevechenko, pela artista do Teatro Nacional de Dnepropetrovsk, Lyudmila Petrova.
As crianças ucranianas integradas na equipa da Guimagym fizeram uma performance e a tarde prosseguiu animada, principalmente pelos mais jovens que, com o rosto pintado com as cores do seu país, ensaiaram danças cossacas.
De Mariupol para Guimarães
Um pouco escondida, na sombra das árvores, encontrava-se Halyna Biletska. Veio de um dos lugares mais marcados pela invasão russa, Mariupol.
“Ainda nos mantivemos lá durante um mês, mas depois foi impossível, todos os dias caiam bombas por todo o lado”, conta.
Fala sempre no plural, referindo-se a si, ao filho de 15 e à filha de 13 anos, que deixaram o país com ela. Para trás ficou o marido e mãe que, quando os russos começaram a atacar a cidade, estavam numa localidade a 50 quilómetros. Agora, já recuperou o contacto com família, mas durante algum tempo não sabia sequer se estavam vivos.
“Sentimo-nos aqui muito bem e fomos muito bem acolhidos, mas queremos voltar à Ucrânia. Não sei se voltaremos à cidade de Mariupol, onde está tudo destruído e já não temos nada, mas voltaremos de certeza à Ucrânia”, afirma.
Halyna não quer terminar sem lembrar “os bravos” que, na siderurgia de Azovstal, “defenderam a cidade e a Ucrânia”.
“Eles agora caíram nas mãos do russos e alguns já morreram, mas outros ainda estão vivos e nas mãos do inimigo e é preciso lutar pelas vidas deles”, lembra.