O presidente da Câmara de Guimarães, o socialista Domingos Bragança, afirmou que vai avançar com a retirada gradual do trânsito do centro histórico, depois de questionado pelo vereador social-democrata, Ricardo Araújo, na última reunião do executivo. Há comerciantes para quem a decisão peca por tardia, mas também há quem diga que se isso acontecer vai ter de fechar a porta.
Domingos Bragança adiantou que logo que haja melhorias relativamente à situação da pandemia, vai ser retomado “o fecho ao fim de semana destes arruamentos”. O presidente da autarquia lembrou que a construção do parque de estacionamento de Camões foi para criar condições para pedonalizar o centro histórico. Para Domingos Bragança, a situação não carece de qualquer estudo, porque “todas as cidades que fecharam ao trânsito beneficiaram e cresceram muito no comércio”. O edil fez mesmo referência à rua de Santo António e à alameda de São Dâmaso, situadas para lá dos limites do centro histórico, classificado como Património da Humanidade.
Entre os comerciantes as opiniões dividem-se. Há alguns que são a favor e outros que dizem que, se o trânsito for cortado, terão de fechar portas ou ir para outro local da cidade.
João Salado é empregado de mesa no restaurante Virtudes, na praça de São Tiago. Na sua opinião, o trânsito devia estar cortado em todo o centro histórico. “Com exceções a certas horas para carga e descargas, devia fechar. Na praça de São Tiago já é assim e só beneficiou”, afirma, enquanto bebe o café a meio da manhã, no Coconuts.
O Coconuts é o café, na praça da Oliveira, que ficou para sempre conhecido pelo anúncio da Super-Bock, há 20 anos. O estabelecimento tem porta para a praça, vedada ao transito há muitos anos e para a rua da Rainha, onde ainda se circula de carro. A proprietária, Paula Antunes, também se divide: “Por um lado é bom fechar aos carros, mas é preciso criar mais estacionamento à volta do centro, para as pessoas poderem aqui vir”. Para Paula, o estacionamento “no parque de Camões e na Mumadona devia ser gratuito”.
Já Joaquim Bastos, da Casa dos Santos, preferia que os carros pudessem continuar a circular pelo Centro. “Como é que faria quando vendesse uma peça pesada ou de maiores dimensões?” – questiona. A loja de artigos religiosos vende pequenas imagens e velinhas, mas também vende imagens de santos, crucifixos, meninos Jesus e figuras de Nossa Senhora de porte considerável. “Uma vez vendi aqui uma vela do tamanho da senhora que a comprou”, conta o proprietário da loja. “Há pessoas de idade que telefonam a pedir o artigo e que depois param o carro na rua e nós fazemos a entrega, se não puderem aqui chegar dessa forma, deixam de vir”, vaticina. Joaquim é muito cético relativamente às propostas do Município para as vendas online, “para isso há as grandes companhias com quem nós não podemos concorrer”.
Para Joaquim Bastos, no Toural poderia ter sido feito um estacionamento subterrâneo. O comerciante vê o forte declive como um problema para a utilização do parque de Camões.
Além da questão do transito, Joaquim Bastos vê outros problemas no Centro Histórico: o alojamento local e a falta de animação. “Se não travamos o alojamento local, dentro de cinco ou dez anos não teremos habitantes”, avisa. Relativamente à animação, lamenta a saída da Feira Afonsina para o monte Latito. “Era uma atração. Nós colaborávamos, decorávamos a entrada da loja, a minha esposa vestia-se a preceito, mas até isso nos tiraram”, queixa-se.
Sem carros há comerciantes que saem
Fernando Guimarães, armeiro, na casa com o seu nome, aberta há 62 anos, é perentório: “Se cortarem o trânsito tenho que fechar a porta”. Fernando vende artigos pesados e não imagina que os seus clientes não possam vir carregá-los à porta da loja. “Vendemos muitas caixas de munições” – passa uma ao jornalista para avaliar o peso –, “os clientes raramente levam apenas uma”, esclarece. Quem tem armas, de acordo com a lei, tem que as guardar num cofre, que a Casa Guimarães também comercializa e que são pesados. “Não estou a imaginar os meus clientes saírem daqui com cofres que pesam entre 40 e 80 quilos”, antecipa o comerciante.
Fernando não vê nos parques periféricos uma solução: “quando está a chover quem é que vem dos parques de estacionamento a pé?” – pergunta.
A Casa Guimarães começou por estar no largo João Franco, há 22 anos, “devido às exigências legais”, mudou para as atuais instalações, na rua da Rainha. “Fizemos aqui um grande investimento, temos uma caixa-forte, vidros à prova de bala e sistemas de vigilância. Se tivermos que mudar, temos que fazer isto tudo noutro lado”, suspira.
A casa Guimarães começou com o pai de Fernando que, hoje, já tem o filho a trabalhar ao seu lado, mas vê o futuro pouco risonho perante a ameaça de retirarem os carros do Centro. “Em Braga, na rua de Janes, havia um armeiro muito forte, quando cortaram o trânsito, poucos meses depois, fechou”, sinaliza.
Alexandre Gonçalves, do Talho da Rainha, também tem medo de perder os clientes que lhe chegam de carro. “Há dificuldades de estacionamento, mas os clientes vão-se arranjando”, assegura. Este comerciante faz muitas entregas ao domicílio, na casa de clientes e em restaurantes, “tenho uma viatura sempre a circular, não estou a ver como poderia ser se fechassem o trânsito.”
Esmeralda Ferreira, funcionária da Surprise Me Now, tem uma posição a meio caminho. “Na minha opinião, gostava que fechasse, mas acho que não é possível, ainda passam aqui muitos carros e não há alternativa”. Para esta empregada do comércio, a questão é a competição com as grandes superfícies: “quem é que vem para aqui, sem estacionamento, ou a pagar estacionamento, quando nos shoppings é de graça?”
Guimarães a marcar passo
Queiroz Castro, da Casa das Novidades é “completamente favorável ao encerramento ao trânsito” e acha que este é o momento. “A situação do comércio no Centro Histórico é tão trágica que não temos nada a perder”, desafia. Para este comerciante “Guimarães está a marcar passo”, por não avançar nesta matéria, quando “outras cidades que não têm um Centro Histórico de referência já caminharam no sentido de retirar os carros do centro”.
Queiroz Castro afirma que os turistas são surpreendidos pelos carros, porque estão habituados a encontrar zonas como esta fechadas ao trânsito, em outras cidades.
“É preciso manter as festas na zona intramuros”, Fernando Correia
Fernando Correia, do Bazar Moderno, um espaço comercial com portas abertas desde 1910, alinha pela mesma opinião. “Fechar as ruas aos carros chamaria mais turismo”, afirma. Com a família a morar por cima da loja, Fernando fala na dupla qualidade de comerciante e morador. “Fechar, sim senhor, mas criar condições para quem aqui vive e faz comércio. É preciso pensar nas cargas e descargas e nas viaturas de emergência”, lembra. “A praça de São Tiago e a Oliveira estão fechadas há muito e ninguém ali se queixa”, exemplifica, mas ressalva, “agora que não fechem para encher tudo de esplanadas”.
Além disso, Fernando acha que é preciso manter as festas no Centro. “Pontevedra fechou, mas manteve as festas nas ruas do centro. Em Viana, as Festas da Senhora da Agonia preenchem toda a zona central da cidade. Aqui, nas Gualterianas e nas Afonsinas é quando menos vendo”, lastima, recordando que “esta é que é a zona intramuros”.
No Café Elevarte, João Martins tem uma posição intermédia. “Acho que vai ser mau para o comércio, mas aceito que se feche. Gosto do exemplo de Cerveira, em que entra um certo número de carros e depois nem mais um”, afirma. “Se encerrarem, talvez as pessoas se habituem a usar o parque de Camões.”
Com tanta diversidade de opiniões, qualquer que seja a decisão política vai implicar coragem, porque independentemente do sentido que tomar vai ter sempre que enfrentar críticas.