Sempre atentos ao pulsar do mundo, os obreiros da Marcha Gualteriana, em Guimarães, este ano não se esqueceram, a nível internacional, da invasão da Ucrânia e, no plano local, do centenário do Vitória SC. No regresso da Marcha, depois de dois anos de interrupção por força das medidas para conter a covid parecia haver ainda mais pessoas nas ruas que nos outros anos. A organização esperava para este dia mais de 100 mil pessoas.
Depois da Fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Guimarães e da passagem das bandeiras de Portugal, de Guimarães e da Marcha Gualteriana, o primeiro carro foi o alusivo à Cidade Berço. A magnifica reprodução da fachada do Lar Santa Estefânia, do Jardim do Carmo, do Paço dos Duques e do Castelo de Guimarães, fez as delícias dos milhares de pessoas que enchiam as ruas por onde os carros alegóricos iam passar. Algumas pessoas esperam este regresso da marcha com tanta ansiedade que trataram de marcar lugar antecipadamente. Durante a tarde já se viam os tradicionais banquinhos dobráveis colocados nos melhores locais a segurar o lugar para o dono.
Luta pelos lugares da frente
A técnica nem sempre resulta, porque, entretanto, chegam outras pessoas que não estão pelos ajustes, não veem ninguém e desviam o banco. “Às vezes geram-se altercações e põem-se duas famílias a lutar. Nesses casos temos que intervir”, esclarece o comissário da PSP Vítor Santos. Quem não quer confusões, não quer chegar cedo para guardar lugar e tem dinheiro para gastar, compra um bilhete para a bancada que A Oficina (cooperativa que organiza as Festas Gualterianas) monta no largo da Mumadona. A 7,5 euros, não restou um lugar vazio. O largo, em frente ao Tribunal de Guimarães, foi um dos locais onde se reuniram mais pessoas.
Yasmin, brasileira de férias em Portugal, ficou “impressionada” pelo detalhe dos carros. “É muita qualidade, é arte isso daí. Os ‘caras’ que fazem esses cenários vão ao pormenor. O Paço dos Duques está igualzinho. Muito bom”, comentou.
Yasmin deve ter gostado de ver o segundo carro, com uma réplica do hidroavião com que Gago Coutinho e Sacadura Cabral atravessaram, pela primeira vez, o Atlântico Sul, ligando Portugal ao Brasil. Os dois aviadores eram representados por dois petizes vimaranenses e o avião ia ao detalhe de rodar a hélice.
O bom humor e a ironia não faltou, nos diversos apontamentos entre os diversos carros: D. Afonso Henriques mantinha uma conversa com a condessa Mumadona sobre as infindáveis obras; depois do Montijo e de Alcochete, há agora a alternativa de construir o aeroporto em Guimarães; “Foda-se Putin que me pariu”, lia-se num cartaz em que o ditador russo aparecia com o cano da arma vergado. A covid impediu a realização da marcha durante dois anos, como não podia deixar de ser, agora que tudo parece ter passado, foi motivo de risota: com um centro de testagem “original”.
Ucrânia não foi esquecida
A grandiosidade das catedrais ortodoxas, com os seus ícones e outros monumentos ucranianos preencheram o carro dedicado ao país flagelado pela guerra. Seguiam este carro uma série de marchantes com apelos à paz. A pomba branca, símbolo da paz, era mesmo o frontispício do carro da Ucrânia.
O comboio da Penha desceu à cidade e fez as delícias dos mais pequenos. “Mãe, eu quero ir, eles deixam. Posso mãe, posso?, perguntava o pequeno Elias, de quatro anos, ao ver que ainda havia lugares vazios “no trem”. Os pais são mais um casal brasileiro a passar férias em Guimarães. Pensam vir morar para a cidade e estão a adorar as festas. “Aqui podemos andar tranquilamente, mesmo num ajuntamento como este. É uma maravilha”, diz Murilo, o pai do pequeno que estava pronto para embarcar.
No ano em que os cursos de Artes Performativas e Artes Visuais, da Universidade do Minho, ganharam novas instalações, no Teatro Jordão, a academia teve um carro a representar estes espaços.
Algures ali por perto marcharam os elementos da Sociedade Protetora dos Animais de Guimarães, convidando os vimaranenses a adotarem um dos bichos que estão à guarda do canil. Em ano de seca, a organização dedicou um carro ao ambiente, alertando para o facto de só termos um planeta.
Num recorte mais alegre, o carro dos cantares ao desafio foi um dos reis da festa. Com as concertinas a marcarem o compasso e os cantores e cantadeiras incansáveis, foi um dos números vivos mais interessantes. Merece também um destaque o emblema do Vitória SC, com um D. Afonso Henriques de carne e osso, de espada em riste.
O carro das balonas (fogo de artifício) fechou como é tradicional a Marcha Gualteriana.