“É importante que as gerações mais jovens saibam que a liberdade de que hoje usufruem custou muito a conquistar e que houve quem tenha lutado por ela com muito sacrifício”. A frase é de Domingos Abrantes, de 87 anos, ex-dirigente do PCP e antigo preso político no regime do Estado Novo, e foi proferida numa palestra que hoje deu em Guimarães, na Associação Artística Vimaranense, onde contou, precissamente as peripécias da fuga, em 1961, da prisão de Caxias, arredores de Lisboa, com mais sete camaradas e pasme-se feita dentro do carro blindado usado pelo então “Presidente do Conselho”, António de Oliveira Salazar.
O militante comunista, que foi deputado na Assembleia da República em várias legislaturas, e membro do Conselho de Estado entre 2016 e 2022, contou que a preparação da fuga durou 19 meses: “decidimos que um dos camaradas presos se iria oferecer para trabalhar com a PIDE – Polícia Internacional de Defesa do Estado – vulgo policia política” – o que foi feito: “Ele ganhou a confiança dos pide’s, que geriam a prisão, ao ponto de ter acesso à garagem, onde estava o carro do Salazar, um Chrysler americano, e de o deixarem dar umas voltas, no recinto da cadeia, com a viatura”.
19 balas na chapa
Assim, e estudados todos os detalhes, em pleno dia, os oito enfiaram-se, como «sardinha na lata» e aceleraram rumo à liberdade. Só que, os «pides» e os GNR’s aperceberam-se dispararam sobre o automóvel, um total de 19 balas, sem que nenhuma delas furasse a blindagem: “Foi um alívio…sabíamos que era blindado, mas faltava a prova dos nove”.
Seguiram, então, para Lisboa e foram largando os fugitivos, em grupos de dois, até abandonarem o Chrysler numa rua da capital, tendo-a a Polícia detetado apenas 10 horas depois”.
Domingos Abrantes ficou em Portugal, com apoio da rede clandestina do partido, mas veio a ser recapturado em 1965, e levado para a prisão de Peniche, onde esteve até 1973, e onde se casou. Ao todo, esteve 11 anos preso às ordens da ditadura.
O militante, que ainda ajuda, “como pode”, o trabalho político do PCP, lembra as torturas e as privações que sofreu na luta pela liberdade do povo português e aqueles que morreram nas masmorras da PIDE: “Agora que, de alguma maneira, há quem queira, de novo, pôr em risco as liberdades, há que realçar que são um bem inestimável que é preciso preservar e cultivar, a todo o custo”.