O Tribunal da Relação de Guimarães alterou, para prisão domiciliária com pulseira eletrónica, a medida de prisão preventiva aplicada em abril pelo juiz de Instrução de Braga a um militar da GNR, residente em Vila Verde, que é suspeito da prática de 66 crimes de difamação, injúria e perseguição, todos na forma agravada, na pessoa de uma juíza de Vila Verde e dois procuradores locais do Ministério Público.
O acórdão da Relação, de 13 de setembro, classificou como “desproporcionada” a medida aplicada ao Guarda – que está preso na cadeia militar de Tomar – e substituiu-a pelas obrigações de permanência em casa com vigilância eletrónica, tratamento psiquiátrico, e proibição de contactos, por qualquer meio com os ofendidos.
Fica, ainda, impedido de ter acesso à internet, que terá de desligar para ser solto, e tem de entregar a arma de fogo que lhe foi distribuída como GNR (se ainda estiver na sua posse), ficando, ainda, proibido de adquirir qualquer arma.
“Injustiça”
Questionado sobre o caso, o advogado de defesa João Araújo Silva disse a O MINHO que a prisão lhe foi “injustamente” aplicada, tendo, agora, a justiça sido reposta: “Quem lhe devolve os mais de quatro meses de prisão?”, interroga-se.
Ressabiado com decisão judicial
Carlos Lima, de 36 anos, foi condenado no Tribunal local por causa de uma querela com uma família: o pai terá emprestado 100 mil euros a uma pessoa, e esta não os devolveu, o que terá motivado a intervenção do militar, com modos agressivos. O caso foi para Tribunal que o condenou.
A seguir, e por ter sentido como injusta a condenação, “atacou” os três magistrados na rede social Facebook – com palavras ofensivas – e passou a ir ao Tribunal, para assistir a julgamentos presididos pela juíza e com a presença de um procurador.
43 crimes contra a juíza
O GNR é suspeito de ter cometido 43 crimes contra a juíza, 13 contra um magistrado e 10 contra o outro. Três são de perseguição.
O arguido terá abordado os magistrados na rua, num restaurante, e à entrada do Tribunal, pedindo esclarecimentos.
O Tribunal anota que Carlos Pereira Lima “sabia e sabe que, ao efetuar as referidas publicações na sua página pessoal de ‘Facebook’ denominada ‘Hibrahim Carolus’, ao frequentar o local de trabalho dos ofendidos e aí permanecer – bem como a aparecer e permanecer no restaurante ‘Palácio’ quando os ofendidos aí se encontram a almoçar – e abordando-os, perturbava-os psicologicamente, agindo com o propósito, concretizado, de provocar-lhes medo e receio pela sua vida e integridade física bem como de prejudicar e limitar os seus movimentos, bem sabendo que desse modo os lesava na sua liberdade pessoal, como pretendeu e conseguiu”.
Intimidação
Para além disso, o arguido, “sabia que as expressões intimidatórias que escreveu e partilhou no Fabebook, e que dirigiu à ofendida (a juíza) – partilhando em muitas delas a sua fotografia de perfil – eram, e são, aptas e adequadas a atentar contra a sua liberdade de ação, vida e integridade física, provocando-lhe efetivamente um sentimento de insegurança, intranquilidade e medo, afetando a sua paz individual”.
E acrescenta: “Fazendo-a fundadamente crer que, em momento futuro, o arguido atentaria contra a sua integridade física ou vida”.
Ameaças
De igual modo – diz a decisão judicial – sabia o arguido que, ao partilhar as fotografias de perfil da ofendida ao mesmo tempo que escrevia e partilhava na rede social as expressões intimidatórias, esta recebia uma notificação na sua página de Facebook alertando-a de que aquele havia escrito “postado” algo em que a identificava, provocando-lhe, logo desde esse momento, um sentimento de medo e ansiedade sobre o que é que o arguido teria escrito sobre si e/ou sobre a teria ameaçado de novo a si e à sua família, nomeadamente as suas filhas.
O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Ia ao Tribunal
Carlos Pereira Lima, no dia 26 de abril de 2021, foi, de manhã, à Unidade de Processos do Juízo Criminal de Vila Verde e, junto da Escrivã Auxiliar, perguntou em que dias desta semana estavam agendados julgamentos e se seriam efetuados à porta aberta e fechada. De tal facto, tomou conhecimento a magistrada ofendida.
Diz o juiz de instrução que a presença do arguido Carlos Pereira Lima nas instalações do Tribunal é recorrente. Acresce que, a 28 de abril de 2021, de manhã, dirigiu-se ao Tribunal, e assistiu a um julgamento presidido pela juíza e pela magistrada do MP, ambas ofendidas no caso.
O arguido aguardou a saída da juíza das instalações, o que esta fez na presença de militares da GNR que, por razões da sua segurança pessoal, foram chamados ao local.
Igualmente recorrentes foram as reclamações apresentadas pelo arguido no livro de reclamações do Tribunal – relacionadas com o facto de a sala de audiências ostentar um painel com os 10 mandamentos, o que, no seu entendimento e “sendo Portugal um estado laico, deveria ser retirado, sendo motivo de as testemunhas mentirem em Tribunal”.
A seguir, o GNR contactou o então Secretário Judicial do Tribunal – a quem se manifestava injustiçado – solicitando que fosse recebido pela Juíza, “ao que este dizia não ser possível, uma vez que a mesma não recebia pessoas”.
Perante tais factos e nomeadamente após a ocorrência de vários episódios e atento o clima de insegurança gerado pela sua presença recorrente no Tribunal e às abordagens diretas aos ofendidos, diligenciou o Secretário Judicial pela colocação de pórtico de segurança e segurança na entrada do Tribunal, e ainda de uma porta com código de segurança no corredor de acesso aos gabinetes dos magistrados, o que ainda não ocorreu.