Artigo de Vânia Mesquita Machado
Pediatra e escritora. Autora do livro Microcosmos Humanos. Mãe de 3. De Braga.
Escrevo no rescaldo da euforia geral, após terem sido divulgados resultados francamente positivos dos alunos portugueses no PISA, o maior estudo internacional de avaliação de competências e literacia (ciências, leitura e matemática) da população escolar entre os 15 e os 16 anos.
Longe de mim dissecar conclusões, sou apenas mãe e pediatra, uma leiga na matéria, e debruçados sobre os motivos estarão vários peritos, que a seu tempo e ponderadamente chegarão a conclusões amadurecidas, fruto da interpretação dos dados, e do brainstorming cumulativo ao longo do tempo, somadas as opiniões sob diversos prismas de vários especialistas na matéria, algumas das quais manifestadas na comunicação social durante esta última semana.
Critico à partida a desunião nacional em torno do mérito unanimemente reconhecido no estrangeiro aos nossos alunos. A nível político, todos lançaram os seus próprios foguetes e apanharam as canas.
Desperdiçado um momento patriótico de sorrirmos orgulhosamente para a fotografia e nos autopromovermos, passando para o exterior a imagem de Nação valente e honrando o Hino. Se a questão são rankings, talvez lucrássemos em respeito e admiração, ganhando certamente credibilidade a nível de potencial para empregabilidade e empreendedorismo.
Apesar de atravessarmos uma época de profunda crise económica, a nobreza da fibra lusitana surgiu em destaque entre os 72 países que participaram no estudo. A imagem de Portugal só teria a ganhar com a celebração conjunta, deixando para mais tarde a atribuição dos louros.
Aliás, a complexidade de dados envolvidos e apresentados em pilhas de páginas de relatórios da OCDE, não permite opiniões fugazes.
A precipitação em distribuir medalhas e apontar o dedo aos culpados entre as diversas equipas ministeriais responsáveis pelas políticas educativas parece-me (a mim, leiga) completamente absurda, comparável a um estudante que deu uma vista de olhos por um tratado em vésperas de exame e assimilou a matéria toda. As hipóteses de correlações são infindáveis e terão que ser analisadas com tempo.
A evolução dos resultados portugueses nestes estudos tem vindo a ocorrer progressiva e continuamente desde o ano 2000; a OCDE não clarifica especificamente quais as melhorias no sistema educativo implicadas, nem indica relações diretas de causalidade.
Em época natalícia sejamos solidários e corretos; em termos governativos todos terão direito ao seu quinhão de congratulações.
Consensual parece ser o papel fundamental dos professores.
Foi justamente assinalado no PISA o valor dos docentes na flexibilização dos conteúdos conforme as turmas e a sua grande capacidade de adaptação aos métodos de ensino. Independentemente das suas condições de trabalho precárias e dos parcos meios disponíveis no ensino público, o que lhes confere mais mérito, na globalidade (toda a regra tem exceção).
O estudo revelou também que no ensino privado os alunos com dificuldades eram mais apoiados. Dispensavam-se estudos para estas conclusões, a meu ver; alguns professores do público, serão muito provavelmente autênticos MacGyvers.
Os alunos estão obviamente de parabéns. Mas as congratulações devem ser verbalizadas, porque os reforços positivos são importantes para a motivação. Estimular leva à vontade de ser melhor e imprime confiança e aumenta a autoestima. Penalizar é importante quando necessário, mas não é suficiente para conseguir bons resultados.
As conclusões preliminares não atribuem um papel às famílias.
Correndo risco de enviesamento por não me basear em estatísticas, considero que essa variável deve ser analisada mais atentamente.
Se não for a família nuclear a dar o apoio básico para que os alunos sejam cada vez mais capazes, fruto do excesso de trabalho e de horários incompatíveis com um maior acompanhamento, algum valor terá a família alargada. A não esquecer o papel de avós, tios e outros cuidadores que auxiliam os progenitores nas deslocações para as escolas, na preparação de refeições, no incentivo ao estudo e à realização dos TPC.
De uma forma geral os pais estão atentos e sabem da importância dos bons resultados no futuro dos seus filhos, como se pode apreciar através da quantidade astronómica de pedidos de referenciação para as consultas de Pediatria por motivos de insucesso escolar e dificuldades de aprendizagem; muitos seriam resolvidos sem consultas médicas, se existisse maior estabilidade económica e maior apoio educativo aos estudantes com maiores dificuldades.
De ressaltar porém os melhores resultados comparativamente aos alunos provenientes de meios mais desfavorecidos. Mesmo em casa onde não há pão, os nossos jovens conseguem sobressair.
Inegável é a capacidade de resiliência de todos os envolvidos no processo educativo.
Independentemente dos programas curriculares e das constantes reformas do sistema educativo, apesar da desagregação das famílias nucleares pelas condições sócio económicas desfavoráveis e da precariedade laboral no ensino, os pais preocupam-se, a maioria dos professores continuam firmes de pedra e cal, e provavelmente os alunos estão a adquirir um calo pela necessidade, que aguça o engenho.
Uma palavra relativamente à excessiva percentagem de retenções, comparativamente à média dos países da OCDE.
Será necessária uma maior exigência por parte dos educadores (pais e professores), para reduzir a insubordinação generalizada verificada nas escolas, em que a atenção dispersa nas aulas, a falta de respeito pelos professores (o chamado «pingue-pongue» na gíria escolar) limita a real potencialidade para aprendizagem dos alunos portugueses?
Serão os conteúdos programáticos realmente adequados, ou as matérias não se coadunam com a realidade atual, sentindo-se os alunos desmotivados para algumas disciplinas? Um ensino mais prático, adaptado a novas capacidades dos adolescentes geradas pelo dia-a-dia impregnado de tecnologia e focado na empregabilidade não seria mais eficaz a nível de resultados internos, se realmente o PISA tiver credibilidade e os estudantes portugueses a nível de resultados externos começam a sobressair?
O estudo PISA, segundo alguns peritos pode não ser representativo porque exclui à partida a comparação de várias outras competências,como as relacionadas com a cidadania.
Como disse no início, sou leiga na matéria. Mas tenho filhos que frequentam o ensino público, básico e secundário, e contato regularmente como Pediatra com estudantes.
A meu ver, estão todos de parabéns, alunos, professores, famílias e governantes.
O caminho a percorrer é ainda muito longo, sejam quais forem os motivos do aparente sucesso.
Uma coisa é certa: esta nova geração já é considerada uma geração desenrascada, ao contrário de nós pais que fomos considerados a «geração rasca».
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