Quando uma mulher de 40 anos se lembrou, por breves segundos, que poderia ter deixado o filho de três anos no banco de trás do carro ao longo de várias horas, no estacionamento de uma empresa farmacêutica onde trabalhava, na Galiza, nenhum colega de trabalho terá ficado indiferente à angústia que a acometeu.
A tragédia abalou a cidade de O Porriño, a poucos quilómetros da fronteira de Portugal, com a morte do menino de três anos provocada, ao que tudo indica, por golpe de calor ao ter ficado com os vidros fechados durante tantas horas na passada quinta-feira, num dia de verão na Galiza.
Naquele dia, conta o jornal La Voz de Galicia, a mulher saiu de casa com o filho no banco de trás, como fazia nos dias de semana, para ir trabalhar. Habitualmente deixava a criança na creche e depois seguia para o parque de estacionamento da empresa. Mas naquele dia havia um acidente na estrada, o que levou a que alterasse o percurso por já estar retida há demasiado tempo no trânsito. Possivelmente tomada pela preocupação do trabalho que a esperava, e num gesto quase mecânico, estacionou ao passar junto ao local de trabalho, não se dirigindo para onde deveria ter levado o filho.
Saiu do carro, que tem fecho central de portas, e não mais a criança lhe terá vindo ao pensamento, isto cerca das 09:00 horas daquela manhã. Terá sido por volta da hora de almoço quando, por momentos, começou a questionar-se por não se lembrar de ter deixado o filho na creche. Foi então que, em angústia, saiu disparada do posto de trabalho, pela porta da frente do prédio, sem responder aos colegas. Alguns ainda foram com ela e testemunharam o pior.
Quando abriu a porta de trás, sentiu imediatamente a quantidade de calor acumulada dentro do carro e viu o seu filho já sem vida. Ainda tentou reanimação, mas acabou por entrar em colapso conforme ia percebendo que a situação do menino era irreversível. Dois colegas de trabalho chamaram o 112 e testemunharam este momento traumático para uma mãe que, desde a passada quinta-feira, não deixou de receber acompanhamento psicológico intenso para lidar com uma situação que, na verdade, ninguém sabe como lidar.
Segundo fonte da polícia espanhola, a criança terá ficado cerca de seis horas dentro do carro, não se sabendo ao certo em que hora terá morrido. A mesma fonte indica que o facto de a criança estar a dormir durante a viagem terá contribuído para o esquecimento da mãe.
Na cidade, com cerca de 20 mil habitantes, a consternação é imensa e o assunto ecoa em cada esquina, menos no prédio onde vive a família, onde os vizinhos tentam confortar mulher, marido e outro filho mais velho. Segundo o La Voz de Galicia, que cita alguns dos moradores desse prédio, os pais sempre foram “muito dedicados aos filhos”, lamentando o quanto a “vida pode ser cruel”.
Como forma de apoio à família e a uma mãe destroçada, cerca de cem moradores de O Porriño reuniram-se em solidariedade. Também a autarquia decretou três dias de luto e coloca as bandeiras a meia-haste por uma tragédia que abala toda a comunidade. A tradicional Porrigalia, festa ‘forte’ naquela cidade, foi adiada por “respeito à dor” que impera numa região que tenta ganhar forças para seguir após mais uma tragédia com crianças.