Neste Artigo
- “A Câmara responde com bocas e bitaites”
- “A sr.ª presidente da Câmara que construa casa à beira do parque industrial, a ver se gosta”
- Câmara diz que tipologia de solo será alterada “por imperativo legal”
- “Município não tem fundamento legal para impedir direito privado adquirido”
- “Tipo de atividades económicas dependerá das opções dos investidores”
A eventual criação de uma zona industrial na freguesia de Atiães, em Vila Verde, está a revoltar a população que, na quarta-feira, pelas 20:00, irá manifestar-se à porta da Câmara, perto da hora a que se realiza a Assembleia Municipal. Questionada por O MINHO, a Câmara garante que “não está a construir, nem a promover, nem a prever a construção de parque industrial em Atiães”. No entanto, adianta que poderão instalar-se empresas naquela zona que está, atualmente, classificada como área de atividade económica, negando, ainda, que esteja, em sede de revisão do Plano Diretor Municipal, a mudar a classificação dos solos para facilitar a sua instalação.
O presidente da Junta de Atiães, Samuel Estrada (independente), conta que, quando o executivo tomou posse, no ano passado, descobriu “quase casualmente que o Município, sem ter dito nada à população durante anos, está a programar a criação de um parque industrial, embora eles não lhe queiram chamar parque industrial, mas é disso que se trata”.
Em causa, afirma o autarca em declarações a O MINHO, está uma área de cerca de 16 hectares que “ninguém sabe bem para o que é”. “Sabe-se que é indústria transformadora, falou-se numa fábrica de papel inicialmente, porque isto foi promovido através de um protocolo com uma empresa alemã”, nota.
Samuel Estrada lamenta que tal tenha sido “feito sem auscultação da população” e “nas costas” do povo, tendo, “desde cedo”, manifestado “discordância”. “Entendemos que, materialmente, é errado para a freguesia, mas também o é legalmente, porque não houve discussão pública, não há infraestruturas, é um local que, de um lado tem uma área florestal muito densa e do outro uma área habitacional antiga, e um aglomerado rural que vai ficar altamento prejudicado”.
“A Câmara responde com bocas e bitaites”
O autarca independente lembra ainda que “a um quilómetro e meio há um parque industrial que está a meio do caminho, que é o de Oleiros”, pelo que “não faz qualquer sentido” instalar unidades em Atiães. E critica também a postura do Município, que “tem mostrado muita resistência em dialogar, em esclarecer”. “A todas as perguntas concretas, a todos os convites ao diálogo, a todas as propostas de esclarecimento ou até de encontro de soluções alternativas, a Câmara responde com bocas, bitaites, insinuações ou meias palavras”, acusa.
Além de considerar que “altera a configuração do território e o modo de vida das pessoas”, Samuel Estrada avalia que o eventual parque industrial “é ruínoso para os cofres do município”, porque, “caso se concretize, tem de gastar milhões para infraestruturar uma zona rural sem qualquer via de acesso, sem saneamento, sem água, sem rede elétrica própria, sem fibra ótica”.
O autarca destaca, também, que a população irá perder qualidade de vida: “Estamos a falar de um ponto alto com vistas privilegiadas relativamente ao vale do Cávado e que é um local com imensas carcterísticas para boa habitação. Há pessoas naquela zona, jovens famílias, que nos últimos sete ou oito anos têm procurado construir ali as suas casas, fixar a sua família. Gastaram ali as suas poupanças a construir casas e agora vão ter como vizinho de trás e de cima fábricas não se sabe de quê. Algumas com volumetria de 2.500 metros quadrados de área coberta. O que vamos fazer a essas pessoas? As fábricas podem ir para os parques, as famílias não podem mudar as suas casas assim”.
“A sr.ª presidente da Câmara que construa casa à beira do parque industrial, a ver se gosta”
Quanto à manifestação marcada para esta quarta-feira, às 20:00, em frente à Câmara, explica que “o objetivo é simples”: “Quando os governantes não ouvem o povo a falar têm que ouvir o povo a gritar”. E deixa uma garantia: “Enquanto lá estivermos [na Junta] ninguém vai lá pôr um tijolo”.
Considerando que a Junta está “a conduzir a luta de forma honesta e de boa fé”, adianta que “já procurou inclusivamente soluções alternativas para os empresários para que eles não percam um euro do que lá gastaram” – soluções, essas, “dentro da freguesia e dentro do concelho”.
“Agora é preciso que respeitem as pessoas, porque as pessoas valem todas o mesmo e não em função do saldo da conta bancária. Atiães é uma terra pequenina, com gente pobre, mas não é por isso que as pessoas de lá valem menos. O Município tem que ouvir as pessoas, senão a sr.ª presidente da Câmara que construa lá a sua casa à beira do parque industrial, a ver se gosta”, incentiva.
E conclui: “Estranho e lamento muito que, numa altura em que celebramos 48 anos de 25 de Abril e poder local democrático, um processo destes esteja na gaveta, escondido, a ser tratado como um ficheiro secreto desde 2009. Estranho muito que pessoas de Atiães que queiram fazer casas não lhes seja autorizado ou porque o terreno é agrícola ou florestal e vem um alemão misterioso compra 83 mil metros quadrados de área florestal e a Câmara assina um protocolo de legalidade duvidosa comprometendo-se a alterar aquela classificação para solo industrial. Isto a mim levanta-me muitas inquietações”, sentencia.
Câmara diz que tipologia de solo será alterada “por imperativo legal”
Questionada por O MINHO, a Câmara de Vila Verde (PSD) respondeu com um comunicado em que a área referida “encontra-se classificada como zona urbanizável para atividades económicas no PDM atualmente em vigor”. E acrescenta que está nessa situação “desde a revisão do PDM concluída em 2014 e que mereceu discussão pública sem qualquer contestação”.
“Acresce que a classificação em causa deu cumprimento à estratégia política assumida em deliberação por unanimidade (em 2009) do executivo camarário que se encontrava em funções, de forma a alterar o destino anteriormente previsto para aquela área, que estava reservada para a futura instalação de aterro sanitário intermunicipal”, refere o esclarecimento.
O Município acrescenta que, “conforme decorre da legislação em vigor, tem atualmente em curso um processo obrigatório de revisão do PDM, especificamente visando a consolidação da tipologia de uso dos solos no concelho, num processo que exige avaliações, pareceres e decisões vinculativas envolvendo 23 entidades, como a CCDR-N, serviços de diferentes ministérios e direções regionais de Agricultura, Desenvolvimento Rural, Território, Saúde, Cultura, Energia e Geologia, Proteção Civil, Infraestruturas de Portugal, Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, Agência Portuguesa do Ambiente e Agência para a Competitividade e Inovação, entre outras”.
E que desse processo “vai resultar – por imperativo legal – a eliminação da classificação de solos urbanizáveis, passando a assumir-se apenas a distinção entre solo urbano (integrando áreas específicas para habitação, atividades económicas e equipamentos) e solo rústico (aglomerado rural – onde será possível construir, mas não lotear ou fazer destaque –, espaços agrícola e florestal, entre outros)”.
No caso de Atiães, a freguesia tem uma área total de 404 hectares e a área urbanizável para atividade económica no atual PDM é de 16,6 hectares.
“Essa área de solo para atividade económica é inclusivamente reduzida para 10,49 hectares no novo mapa de PDM que os serviços técnicos do Município propõem sujeitar a discussão pública e apreciação da Comissão Consultiva da Revisão do PDM”, sublinha o texto.
“Município não tem fundamento legal para impedir direito privado adquirido”
Relativamente aos terrenos que estão em causa em Atiães, a Câmara afirma que, “face à existência de Pedidos de Informação Prévia (PIP) dos proprietários para construção/investimentos empresariais, o Município não tem fundamento legal para impedir um direito privado adquirido quanto à utilização do solo nesses terrenos abrangidos pelo PIP aprovado”.
Já relativamente ao “impacto da potencial instalação de indústrias ou outro tipo de investimentos para atividades económicas”, o município refere “que a classificação que havia sido efetuada em sede de revisão de PDM em 2014 havia já conduzido o Executivo Municipal a reconhecer a necessidade de implementação de acessibilidades adequadas”.
“É nesse enquadramento que o Município prevê acessibilidades adequadas com ligação da futura variante de Oleiros até à área de terrenos classificados no PDM como urbanizáveis para atividade económica em Atiães e criando assim acesso específico e adequado ao tipo de tráfego que possa resultar, caso se confirmem os investimentos previstos para aquela zona”, acrescenta o esclarecimento.
“Tipo de atividades económicas dependerá das opções dos investidores”
Por fim, relativamente “ao tipo de atividades económicas que possam vir a instalar-se na mesma área de terrenos em Atiães, para onde existe Pedido de Informação Prévia aprovado para a instalação de diferentes investimentos de atividade económica, essa é uma matéria que dependerá diretamente das opções dos investidores e de projetos de licenciamento ainda a apresentar para apreciação”.
“Caberá ao Município, juntamente com entidades externas, assegurar que sejam cumpridos os termos e as regras do regulamento do PDM, designadamente em termos ambientais e de dimensão”, reforça.
A terminar, o Município sublinha que “não está a alterar a tipologia de uso dos solos em Atiães para aumentar áreas de instalação de indústria ou outra atividade económica, ou muito menos tem um ‘projeto para criação de uma área empresarial em Atiães’.
E “lamenta” o que classifica de “campanha de desinformação e disseminação de informações erradas (e em alguns casos falsas)” com “motivações só os próprios poderão conhecer e identificar” e com “a participação direta do presidente da Junta de Freguesia, apesar das reuniões de esclarecimento realizadas no Município”.