O festival de arquitetura e arte Forma da Vizinhança, que arranca no sábado em Braga, questiona as relações de proximidade social criadas com o crescimento da cidade do último meio século até hoje, disseram à Lusa os curadores.
“Este projeto não procura olhar para a vizinhança do ponto de vista romântico, como as estruturas de comunidade e proximidade como eram no passado, mas procura pensar o que é a vizinhança hoje em dia”, desde o “sentimento de pertença” às “situações de conflito” disse à Lusa Daniel Pereira, um dos membros dos Space Transcribers, curadores do festival inserido na programação de Braga’25 – Capital Portuguesa da Cultura.
Fernando D. Ferreira, também curador, vê “o conceito de vizinhança como um processo em mutação”, em que novos hábitos vieram criar tanto uma “vizinhança digital” feita nas redes sociais, como “a vizinhança de trabalho, de serviços, destas urbanizações” que o grupo tem “vindo a estudar e a ativar, sejam também as vizinhanças no foro não humano de ecossistemas”.
“Este festival visa pensar estes dois assuntos: um, qual é esta cidade que se fez e pôr pessoas a circular pela cidade que se fez, e por outro lado pensar de que forma é que nós nos relacionamos nestes lugares, porque estamos a falar essencialmente de zonas residenciais ou habitacionais da cidade”, completa Daniel Pereira.
O festival arranca no sábado com um roteiro de autocarro marcando “o início de um percurso urbano e cultural distinto pela cidade de Braga”, sem ser “um roteiro clássico que passa pelo centro da cidade e pelos ícones da cidade”, mas sim que percorre “esta urbanização e expansão, através de oito instalações arquitetónicas temporárias em cada sítio”, explica Daniel Pereira.
Em causa estão oito obras instaladas em locais como Fontainhas (a cargo de Manuel Bouzas), Fujacal (Parto Atelier), zona da Makro (Patrícia da Silva), Parretas (Nuno Melo Sousa), Quinta da Capela (ATA Atelier), Horta da Quinta da Armada (LIMIT architecture studio), Horta da Quinta das Lameiras (RAM) e Horta de São Vicente (Atelier Local).
Como exemplos de trabalhos, o galego Manuel Bouzas, cocurador do Pavilhão de Espanha na presente Bienal de Arquitetura de Veneza, “partiu da mitologia de uma antiga fonte com a figura de um Atlas, existente na praça central da urbanização das Fontainhas, para criar um espaço de encontro entre moradores”, e o Parto Atelier “propõe na urbanização do Fujacal uma estufa-laboratório no espaço público, convidando a vizinhança a criar peças de cerâmica a partir da argila existente no próprio subsolo”.
As instalações foram criadas a partir de “um processo de escuta ativa iniciado em 2024, através de oficinas, visitas e encontros com moradores e associações locais”, segundo a organização, referindo Daniel Pereira que a ideia foi “trabalhar questões identitárias”, como “o que é ser vizinho naquele sítio e de que forma é que as pessoas reconhecem aquele sítio enquanto um sítio com identidade, com uma especificidade que é distinta do bairro que está completamente ao lado”, dando como exemplo “o facto de haver uma ideia de Parretas de Cima e de Baixo”.
“O nosso processo de auscultação, por si só, incitou um momento de coletividade, de repente estarmos 20 pessoas à mesa a falar sobre problemas do âmbito do coletivo, do bem comum”, recorda Fernando D. Ferreira, o que fez com que percebessem “que há uma ausência de criação deste tipo de momentos”.
A partir de dia 07 de junho, no Fujacal, com Gustavo Ciríaco & Andrea Sonnberger, começam as ativações, “propostas artísticas comunitárias, como caminhadas, oficinas, performances, refeições”, estando as restantes a cargo de Daniel Partnitzke, Inês Neto dos Santos, Soraia Gomes Teixeira, ZABRA, FRAME Colectivo, A Recoletora e Landra.
Há também a intenção “dos próprios vizinhos se autoorganizarem e apropriarem-se das instalações para fazerem atividades culturais ou até coletivas de cada bairro que já fazem normalmente ao longo do ano”.