O anterior provedor da Irmandade de Santa Cruz, Luís Rufo, que está a ser investigado por alegadamente ter falsificado notas do curso de licenciatura em Direito e ter exercido a atividade de advogado ilicitamente, foi investido em Braga “Cavaleiro” da “Ordem dos Templários” ao lado do ex-deputado Eduardo Teixeira, do PSD, de Viana do Castelo, mas afinal trata-se de uma “ordem de fantasia” e “sem qualquer vínculo real”.
Este negócio da venda de diplomas e de insígnias, assim como de capas, medalhas, espadas, fardamentos e outros apetrechos alusivos às antigas ordens, das religiosas às de cavalaria, passando por estatais, militares e dinásticas, pode custar mais de cinco mil euros, a cada candidato a “cavaleiro” das chamadas neo-ordens, como apurou O MINHO.
As casas da especialidade não dão mais pormenores sobre a situação, temendo perder transações comerciais, numa altura em que até já se caminha para o turismo templário.
Carlos Evaristo, dos maiores especialistas portugueses em assuntos religiosos, explicou a O MINHO que “esse tipo de ordens, não sendo ilegais, não têm qualquer correspondência com as antigas ordens, trata-se de situações em que as pessoas brincam aos cavaleiros e dão asas à sua imaginação, vivem sonhos da sua infância, como nos romances de cordel, mas no fundo não fazem mal a ninguém, aliás, muitos deles são dados à caridade”.
Este é o caso de Luís Rufo, advogado, com escritório em Braga, que suspendeu a sua atividade e entregou a cédula profissional à Ordem dos Advogados, sendo conhecido na cidade bracarense e não só por há muitos anos pagar alimentação a diversos sem-abrigo, arrumadores de automóveis e pobres, que o procuravam em Santa Tecla, a partir de onde advogava, frequentando cafés e restaurantes daquela zona da cidade de Braga.
Luís Rufo, à data no primeiro mandato de provedor da Irmandade de Santa Cruz, em 25 de outubro de 2014, foi investido “Cavaleiro” da “Ordem dos Templários”, tal como Eduardo Teixeira, entre outros notáveis, durante uma cerimónia em que o político vianense ainda era deputado do PSD na Assembleia da República.
Para Carlos Evaristo, que tem realizado várias peritagens, incluindo relíquias religiosas da Arquidiocese de Braga e mais recentemente ao coração de D. Pedro, ido do Porto para o Brasil, temporariamente, “os tempos que vivemos são propícios a este tipo de situações, em que muitos até são enganados, pagando-se milhares de euros, em ‘joias’, quotas e kits de fardamento, incluindo a espada, mas há quem saiba de toda a verdade”.
Carlos Evaristo estima haver atualmente “mais de 300 ordens do mesmo género”, que “não sendo falsas, carecem é de qualquer tipo de legitimidade histórica ou real”. A sua criação, explica, passa por “pessoas que juntas vão a um notário e fundam uma ordem que foi extinta na Idade Média”, mas que, ressalva, “não pode sequer ser retomada, sob pena de excomunhão”. Assim, “trata-se das chamadas neo-ordens, ordens de fantasia, não passam disso mesmo”.
Segundo o mesmo perito, “o jornal oficial do Vaticano, da Santa Sé, Ossevatore Romano, “já publicou pelo menos 15 vezes nos últimos anos, a listagem de todas as neo-ordens, mas há quem continue a cair todos os dias, uns inconscientemente, mas outros bem sabendo, só que sempre ávidos de encarnar os tempos áureos dos cavaleiros. É uma grande atração para muitas pessoas, que não resistem à tentação de serem cavaleiros”.
“No fundo tudo aquilo é um mundo de fantasia, em que se brinca aos cavaleiros e aos templários”, afirmou o especialista a O MINHO. Carlos Evaristo acrescenta que “muitas dessas neo-ordens existem ligadas a irmandades junto das respetivas dioceses, tratando-se nesses casos de instituições eretas canonicamente, cujas receitas costumam reverter para suas irmandades e não para as próprias neo-ordens, para serem aplicadas em fins de caridade”.
Ainda segundo Carlos Evaristo, “essas neo-ordens, também em Portugal, são tantas, que até foi criada uma federação nacional, pois se sobrepunham umas às outras, estando a apostar no chamado turismo templário, dado que esse tipo de iniciativas atrai muita gente, embora também haja quem, como em Braga, já tivesse deixado tais atividades, logo que se apercebeu da realidade, quando bastaria ter consultado antes a internet”.
Carlos Evaristo destaca ainda “não haver mal nenhum em andarem por aí fardados de cavaleiros da Idade Média, o que não poderão, nunca, é arrogar-se de uma legitimidade que não têm (na sua grande maioria são uns ignorantes da matéria e não só), nem eles, nem ninguém, tem legitimidade, a não ser estados soberanos, aquando das extinções das verdadeiras ordens, como a República Portuguesa fez com a Ordem de Cristo”.
Considerado a maior autoridade portuguesa na matéria, a ponto de ser consultado pela Igreja Católica, para diversos trabalhos científicos, Carlos Evaristo participou recentemente na cidade do Porto, num colóquio, intitulado “A Arte do Falso”, organizada pela Diretoria do Norte da Polícia Judiciária, que teve a presença, entre outras individualidades, de D. Duarte Pio, o Pretendente a Duque de Bragança e ao Trono de Portugal.