O ex-secretário de Estado da Proteção Civil José Artur Neves defendeu hoje a existência de um erro da acusação no processo das golas, com uma confusão a propósito de uma troca de mensagens telefónicas sobre os ‘kits’ de proteção.
Segundo o ex-governante, o Ministério Público (MP) alegou uma suposta proximidade com a mulher do responsável pela empresa que viria a fornecer os ‘kits’ no projeto Aldeia Segura, chamada Isilda Gomes, que era em 2018 presidente da junta de freguesia de Longos (concelho de Guimarães).
Porém, José Artur Neves explicou que a troca de mensagens tinha ocorrido com a então presidente da Câmara de Portimão e atual eurodeputada, Isilda Gomes.
“O primeiro choque foi quando fui constituído arguido e o segundo choque que tive foi com a acusação e uma suposta relação com a mulher do empresário dos ‘kits’. Pensei ‘Será que essa senhora me enviou alguma mensagem?’”, contou o ex-governante nas declarações prestadas na primeira sessão do julgamento no Juízo Central Criminal de Lisboa.
José Artur Neves disse que foi à procura do contacto da Isilda Gomes que presidia à junta de freguesia de Longos (PS), questionando se tinha enviado alguma mensagem, ao que a visada respondeu que nunca tinha mandado mensagem e que só tinham estado juntos num evento, mas sem falarem.
“Eu nunca me filiei no PS, sempre fui independente. O telemóvel que me mandou a mensagem era da senhora vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Isilda Gomes (à data presidente da CM Portimão), e isto foi esclarecido na fase de instrução, ao ponto de o procurador dizer que não encontrava nada que me ligasse aos concursos. O certo é que não resultou em nada e aqui estou”, resumiu.
Sobre os procedimentos, refutou qualquer conluio e reiterou que apenas autorizou a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) a fazer despesa e que os valores das propostas adjudicadas ficaram abaixo dos preços fixados.
Enfatizou ainda não ter dado qualquer indicação ao então presidente da ANEPC, general Mourato Nunes, sobre a escolha das empresas.
O ex-governante destacou que as golas nunca foram um equipamento de proteção contra incêndios e criticou a forma como a comunicação social abordou o tema, após a difusão de imagens das golas a arder com a chama de um isqueiro.
“É uma imagem brutal. Tentei falar com o ministro e a assessora de imprensa porque percebi que tínhamos ali um problema brutal… Tínhamos de explicar que aquela gola não era um equipamento de proteção de incêndio. Era um escândalo pôr os cidadãos das aldeias a combater incêndios. A gola era um ensinamento, um exemplo que queríamos transmitir aos cidadãos de que deviam ter os ‘kits’ e as golas para se protegerem”, frisou.
José Artur Neves admitiu que, face à polémica desse caso, o então ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, “amplificou o problema”, ao irritar-se com questões de jornalistas e apontar que as esponjas de proteção dos microfones também iriam arder.
O julgamento continua na próxima segunda-feira, às 09:30, e tem sessões marcadas até fevereiro de 2025.
Em causa neste processo estão alegados crimes de fraude na obtenção de subsídio, participação económica em negócio e abuso de poder, relacionados com a contratação pública e compra de golas de autoproteção no programa “Aldeia Segura — Pessoas Seguras”, lançado na sequência dos incêndios florestais de 2017.
Entre os 18 arguidos (14 pessoas e quatro empresas) estão o ex-secretário de Estado da Proteção Civil José Artur Neves e o ex-presidente da ANEPC, general Carlos Mourato Nunes.
A acusação foi revelada pelo MP em julho de 2022, após a investigação identificar “ilegalidades com relevo criminal em vários procedimentos de contratação pública” no âmbito do programa “Aldeia Segura — Pessoas Seguras”, que foi cofinanciado pelo Fundo de Coesão, considerando que causou prejuízos para o Estado no valor de 364.980 euros, supostamente desviados a favor dos arguidos.