Ex-provedores da Irmandade de Santa Cruz, em Braga, julgados por burlar Segurança Social

Mais de 50 mil euros
Foto: O MINHO

Os dois anteriores provedores da secular Irmandade de Santa Cruz, entre os quais o advogado Luís Rufo, que o semanário Nascer do Sol diz ter alegadamente falsificado notas do seu curso de Direito, serão julgados agora, no Tribunal de Braga, a par de diretora técnica e da própria instituição, por acusação de burla tributária agravada, contra a Segurança Social, de mais de 50 mil euros, dado o recebimento indevido de comparticipações por um casal sem dificuldades financeiras que nunca esteve internado no lar.

Luís Manuel Rodrigues Gonçalves Rufo, de 67 anos, exerce advocacia desde o dia 7 de janeiro de 1993, com o escritório em Braga, sendo natural da freguesia da Areosa, em Viana do Castelo, tendo sido provedor, durante oito anos, de março de 2014 a maio de 2020, na Irmandade de Santa Cruz, período durante o qual foi investido Cavaleiro da Ordem dos Templários, numa cerimónia solene que se realizou precisamente na Igreja de Santa Cruz, onde já era provedor, nessa ocasião, há um ano e meio.

Ambos os ex-provedores, Luís Rufo e Carlos Vilaça, já negaram tais acusações, assim como a sua diretora técnica, Liliana Cerqueira, mas todos serão julgados, tal como a instituição religiosa bracarense, porque uma inspeção da Segurança Social do Porto apurou essas e outras irregularidades na Estrutura Residencial para Pessoas Idosas. O caso do casal constituirá um crime, porque, segundo o MP, os idosos fizeram uma “doação” de 200 mil euros à Irmandade de Santa Cruz, logo não havendo lugar às comparticipações sociais.

De acordo com a acusação do Ministério Público, à qual O MINHO acedeu, no período dos mandatos dos dois ex-provedores, entre 2013 e 2019, mensalmente, através da diretora técnica, Liliana Cerqueira, enviavam na listagem de contrapartidas a receber, também o nome desse casal idoso como se residisse naquele lar e recebesse os cuidados diários, quando pagaram 200 mil euros por um quarto duplo com WC privativo, vitalício, mas só para lá irem de vez em quando, poucas vezes durante o ano, isto é, nada com caráter social.

Casal reside em Arco de Baúlhe

O casal, ambos agora com 88 anos de idade, residentes na vila de Arco de Baúlhe, em Cabeceiras de Basto, fizeram um contrato de admissão, em janeiro de 2009, mas para usufruírem do quarto apenas quando se deslocassem a Braga, para tratamentos médicos fora e à margem da instituição, logo nunca estavam abrangidos pelo apoio social para a Irmandade de Santa Cruz ser compensada de “despesas”, que nem sequer fazia com eles, porque quando iam a Braga faziam tratamentos fora da instituição.

Como concluiu a Segurança Social, que encaminhou depois o processo para o Ministério Público, a situação denunciada de uma forma anónima, envolvendo o casal de Arco de Baúlhe, nunca poderia ter sido comparticipada, porque o contrato, celebrado em 2010, entre o Estado e a Irmandade de Santa Cruz, obriga a dar prioridade aos idosos economicamente mais desfavorecidos, o que não era o caso, tendo a Segurança Social pago indevidamente 52 mil euros, pelo casal, que nem residia no lar, muito menos tem problemas financeiros.

Ainda segundo o MP, com base nas investigações do Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais, da Segurança Social do Porto, aquela situação “privilegia, em detrimento de outros com efetiva necessidade, a ocupação de um quarto duplo, de forma descontínua, assente em exclusivos interesses económicos, desvirtuando assim todos os objetivos de cooperação” do Estado com aquela instituição.

“Além de serem pessoas autónomas e com residência permanente no concelho de Cabeceiras de Basto, deslocam-se ocasionalmente apenas à Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, que não integram”, refere o MP, afirmando “ter sido este um contrato atípico e não se enquadrando nos objetivos e prioridades traçados para esta resposta social, nem com os Estatutos da Irmandade de Santa Cruz”, daí acusar todos os arguidos de crime de burla tributária qualificada, que estes negaram, na contestação enviada ao Tribunal de Braga.

Irmandade quer devolver o dinheiro

A Irmandade de Santa Cruz comunicou ao Tribunal Criminal de Braga ter solicitado ao Centro Distrital da Segurança Social de Braga uma guia, para devolver os 52 mil euros que terá recebido indevidamente, mas afirmando “discordar do teor da acusação e reafirmando que não foi praticado qualquer ato ilícito”, designadamente o crime burla tributária qualificada, do qual a instituição também é acusada.

A instituição refere que “embora discordando do teor da acusação e reafirmando que não foi praticado o ilícito de que é acusada”, a Irmandade de Santa Cruz “considerando o respeito pelo bem maior que é o da sua imagem, bem como pela dos que aqui sempre honrada e desinteressadamente a serviram, vem assim requerer seja emitido o documento para pagamento das reclamadas pelo Centro Distrital de Braga da Segurança Social”, que são ao todo 52.589,08 euros.

A Irmandade de Santa Cruz diz “sem que tal pagamento importe a renúncia ao exercício do direito de fazer valer o seu entendimento de que tal pagamento não é devido”, segundo o documento entregue no Tribunal de Braga, pelo seu advogado, Manuel António Vieira, que defende não só a instituição religiosa de Braga, como igualmente a sua diretora técnica, Liliana Maria Pires Cerqueira.

Ex-provedores e diretora técnica negam

Os dois ex-provedores, Luís Rufo e Carlos Vilaça, já contestaram a acusação do MP, assim como a Irmandade de Santa Cruz, sendo que também a diretora técnica, Liliana Cerqueira, contesta a acusação do Ministério Público, dizendo que deverá ser absolvida. A instituição indicou como testemunhas o vigário-geral da Arquidiocese de Braga, cónego José Paulo de Abreu, bem como Bernardo Reis, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Braga, entre mais individualidades.

“A Irmandade de Santa Cruz não aceita a imputação de burla tributária e sempre agiu na convicção da licitude do seu comportamento, ao admitirem o referido casal, pessoas idosas e desamparadas de família que os pudessem socorrer em caso de necessidade por doença incapacitante, tratando-se por isso de pessoas que em razão da idade e da solidão careciam de acolhimento, o que se enquadra assim nos estatutos, integrando-se na lista de utentes, tendo-lhes sido adjudicado um quarto de uso exclusivo e disponível 24 horas por dia”, defende.

Nesta sua contestação, a irmandade bracarense refere ainda que o casal “passou a fazer parte do orçamento de gestão, quanto a despesas de limpeza, higienização do quarto, com muda semanal de lençóis e demais roupa de quarto e contabilização diária para alimentação”.

Luís Rufo “empobreceu” como provedor

Luís Rufo, que é defendido pela advogada Maria Helena Alves, na sua contestação, refere “não ter havido qualquer ilicitude, criminal ou de outro tipo”, salientando que “a haver qualquer recebimento indevido foi para a instituição”, não para o seu representante à data, o advogado Luís Rufo, uma vez que “todas as subvenções pagas pela Segurança Social são diretamente depositadas na conta bancária das instituições beneficiárias, nenhum benefício daí resultando para os seus representantes”, tendo pedido a absolvição de Luís Rufo.

Na sua contestação, refere-se que o advogado Luís Rufo, “a par de nenhum benefício ter retirado dos aludidos pagamentos [cerca de 52 mil euros], também não auferiu qualquer tipo de remuneração pelo trabalho desenvolvido ao longo dos seus oito anos de mandato, o qual exerceu a título inteiramente gratuito, dando-se por completo à casa e à causa”, aquando provedor entre os anos de 2014 e 2020.

Além de que, nos mesmos oito anos, “disponibilizou de forma totalmente gratuita os serviços jurídicos do seu escritório de advocacia”, bem como “mediante o patrocínio de imensos eventos levados a cabo pela instituição, concertos, aquisição de equipamentos, ajuda a utentes e muitos outros”, pelo que “não é possível falar em enriquecimento patrimonial, mas quando muito e sob esse ponto de vista, em empobrecimento patrimonial, apenas compensado pela satisfação moral de bem agir e fazer”, também segundo a sua contestação.

Ex-provedor Carlos Vilaça absolvido

O anterior provedor da Irmandade de Santa Cruz, Carlos Vilaça, que é um dos quatro arguidos deste processo, já tinha sido absolvido da acusação de corrupção passiva no setor privado por alegadamente exigir o pagamento de joias para os idosos entrarem naquele lar.

A 21 de fevereiro de 2022, o Tribunal de Braga ilibou também a Irmandade de Santa Cruz, que recebeu indevidamente 297 mil euros, de “donativos” de onze idosos, com verbas entre 40 e 10 mil euros, considerando não ser crime, mas sim processo com natureza cível.

Mas o caso agora com o início do julgamento marcado já para os primeiros dias de setembro deste ano, envolvendo Luís Rufo, Carlos Vilaça e Liliana Cerqueira, tem contornos diferentes, daí haver grande expectativa em redor do desfecho final deste processo judicial, sabendo-se agora que o atual provedor daquela mesma irmandade, Manuel Fernando da Rocha Rodrigues, acabou com essas práticas.

 
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