O ex-presidente da Associação Cultural e Recreativa de Cabreiros (ACRC), António da Rocha Araújo, foi condenado a dois anos e dez meses de prisão, com pena suspensa pelo período de dois anos e meio, mas na condição de indemnizar com 155 mil euros a Segurança Social.
Provou-se que aquela instituição particular de solidariedade social do concelho de Braga recebeu essa quantia através de comparticipações indevidas, pelos serviços sociais que não cumpriu integralmente.
Na sentença condenatória, o Tribunal Criminal de Braga provou que, durante mais de seis anos, a Associação Cultural e Recreativa de Cabreiros recebeu 155 mil euros por prestação de cuidados a idosos, mas nem todos os serviços debitados à Segurança Social foram efetivamente prestados, havendo o caso de uma utente que tinha falecido há quase dois anos e a instituição continuou a incluí-la nas suas listagens à Segurança Social de Braga, tendo por isso recebido seis mil euros.
A ACRC foi também condenada a pagar 10.200 euros, resultante de 850 dias de multa à taxa diária de 12 euros, igualmente por um crime de burla tributária, agravado a nível dos montantes envolvidos.
Já a diretora técnica, Andreia dos Anjos Rodrigues da Silva, foi absolvida, por se considerar que nada teve a ver com aquelas situações, conforme defendia o seu advogado, Jorge Braga.
Durante as audiências de discussão e julgamento, o naipe dos serviços efetivamente prestados aos utentes e os que eram debitados mensalmente à Segurança Social foi escalpelizado, tendo-se apurado que alguns idosos não usufruíam de todas as referidas situações para efeitos de comparticipações, ou tinham deixado de frequentar determinada valência social, no caso mais gritante uma utente falecida há quase dois anos e outra que já tinha morrido recentemente aquando da inspeção.
António da Rocha Araújo, de 87 anos, um autarca histórico de Braga, que já presidiu à Junta de Freguesia de Cabreiros, em Braga, foi até há poucos anos o presidente da ACRC, com mais de 35 anos de associativismo, tendo-se inconformado pela sua condenação. Vai recorrer para a Relação de Guimarães, estando o seu advogado, Aurélio Pires Martins, já a estudar a sentença condenatória, a fim de apelar à segunda instância.
O julgamento, que decorreu no Palácio da Justiça de Braga, teve origem numa inspeção tributária, da Segurança Social, realizada no ano de 2019, tendo-se apurado que entre janeiro de 2013 e agosto de 2019 tais verbas nunca deveriam sequer ter sido pagas, pelo que deverão ser devolvidas, daí o juiz ter feito depender do integral ressarcimento a efetiva suspensão da pena de dois anos e dez meses de prisão aplicada a António da Rocha Araújo, “alma mater” da instituição de Cabreiros.
Tudo porque, ainda segundo afirmou o mesmo juiz, Paulo Rodrigues, “ludibriar ou enganar a Segurança Social não é um comportamento digno de aplauso, mas sim a infração a um dever de cidadania”, porque “as verbas da Segurança Social são um instrumento de justiça social e de diminuição das desigualdades socio-económicas”, sendo que “as burlas contra a Segurança Social têm vindo a conhecer um incremento preocupante” e o que contribuiu para a medida daquelas penas.
O Tribunal Criminal de Braga teve em consideração “haver fortes exigências de prevenção geral que se fazem sentir face ao sentimento de impunidade que se gerou” na sociedade portuguesa, sendo que “a criminalidade tributária carece cada vez mais de ser combatida de forma eficaz e sem qualquer espécie de tibieza”, pois “com o valor da solidariedade social se o dinheiro for mal distribuído falta onde é preciso e neste caso concreto não foi reparado o dano, nem parcialmente”.
Sobre António da Rocha Araújo, que durante todo o julgamento se remeteu sempre ao direito constitucional de silêncio, o Tribunal de Braga constatou, face à sua adiantada idade, de 87 anos, “não ser possível aplicar-lhe especial atenuação, ao contrário do que sucede com os jovens delinquentes, no nosso sistema jurídico-penal”, mesmo tendo em contra que o octogenário, enfermeiro reformado, não tem qualquer tipo de antecedentes criminais e a vida dedicada ao associativismo.
A associação tem atualmente as contas mais ou menos equilibradas, segundo referiu o juiz, mas aquando dos factos em causa “atravessava dificuldades financeiras e o que motivou o recurso a créditos bancários, com letras e livranças avalizadas várias vezes” pessoalmente por António da Rocha Araújo, enquanto líder da instituição particular de solidariedade social, reconhecida como pessoa honesta, honrada e considerada por toda a gente.
A defesa de António da Rocha Araújo, a cargo do advogado Aurélio Pires Martins, evidenciou desde logo “tratar-se de um ‘faz tudo’, que sempre tudo fez para não deixar cair a instituição, nem deixar ninguém de fora, sem cuidados sociais, que nunca virou as costas às responsabilidades, tendo ‘pecado por omissão’, ao confiar nas listagens que eram enviadas à Segurança Social”, refere a contestação entregue no Tribunal Criminal de Braga, ainda antes de iniciado o julgamento.
As testemunhas abonatórias enalteceram a personalidade de António da Rocha Araújo, desde a sua carreira militar até às qualidades profissionais como enfermeiro, que “ao longo de toda a sua vida sempre fez bem sem olhar a quem”, tendo a sua capacidade empreendedora sido destacada, na edificação da Associação Cultural e Recreativa de Cabreiros, incluindo respostas sociais da infância à juventude, além dos cuidados a idosos, com centro de dia e serviço de apoio domiciliário.
Acerca da condição de António da Rocha Araújo ter de entregar os 155 mil euros à Segurança Social para a sua pena ser efetivamente suspensa, o juiz salientou que o ex-autarca e antigo dirigente associativo “é proprietário de um património imobiliário apreciável, constituído por três casas, impondo-se que se desfaça desse mesmo património para poder reparar o prejuízo que causou à Segurança Social, ainda que tenha de realizar partilhas com os filhos” em termos das heranças.