O antigo presidente da Câmara de Terras de Bouro Joaquim Cracel admitiu hoje que foi “incauto” quando autorizou a construção de uma habitação da irmã de uma vereadora, mas sublinhou que estava convencido da legalidade da sua atuação.
No Tribunal de Braga, no primeiro dia do julgamento do processo, em que responde por prevaricação, Cracel disse ainda que, quando assinou o despacho de deferimento do licenciamento, já sabia da ligação familiar da requerente com a então vereadora do seu executivo Liliana Machado.
“Fui incauto. Falhei ao não pedir um parecer jurídico, mas não o fiz porque estava convicto de que estava a agir de acordo com a lei”, referiu.
Joaquim Cracel e dois técnicos superiores do município de Terras de Bouro estão acusados de favorecer Cátia Machado, também arguida no processo e irmã da então vereadora Liliana Machado.
Segundo o despacho da acusação do Ministério Público, o antigo autarca e os dois técnicos agiram, em conluio, no mandato 2009-2013, para que a arguida Cátia Machado pudesse construir uma moradia em terreno de Reserva Agrícola Nacional (RAN).
O MP diz que, em 2010, a munícipe e arguida Cátia Machado quis construir uma habitação no lugar de Vau, na freguesia de Balança, no concelho de Terras de Bouro, tendo dado entrada nos serviços da câmara, nesse ano, um processo de licenciamento de obras particulares.
Para o MP, todos os arguidos “sabiam que a área de implantação da habitação cujo licenciamento de construção estava a ser pedido violava norma expressa e imperativa do regime da Reserva Agrícola Nacional”.
“Agindo todos [os arguidos] de forma concertada, a arguida deu entrada ao pedido e o arguido presidente da câmara municipal, por decisões de setembro e dezembro de 2010, acolitado por pareceres favoráveis prestados pelos restantes arguidos, deferiu o licenciamento”, sustenta a acusação.
“Não houve conluio nenhum, nunca ninguém falou comigo sobre este processo”, disse hoje Joaquim Cracel.
Acrescentou que só quando se preparava para assinar o despacho é que soube, por duas funcionárias do município, das relações de parentesco da requerente com a vereadora do seu executivo.
No despacho, Cracel escreveu que, apesar das “limitações impostas” pela legislação então em vigor, deferia o licenciamento, por considerar que aquelas limitações não se ajustavam à realidade de uma família jovem.
Foi, assim, autorizada a construção de uma casa de tipologia T4, com uma área de implantação muito superior à que seria legalmente permitida.
Hoje, o antigo autarca disse que uma das suas preocupações era combater a regressão demográfica do concelho, “que em 50 anos perdeu 50 por cento da sua população”.
A arguida Cátia Machado negou a prática de qualquer crime, sublinhando que entregou o processo de licenciamento a um gabinete de arquitetura, que “tratou de tudo”, razão pela qual nunca se dirigiu presencialmente à Câmara de Terras de Bouro.
Quanto ao facto de ser irmã da então vereadora Liliana Machado, a arguida afirmou que esta “nada tem a ver com o processo”, acrescentando que “nunca falaram” sobre este assunto, pois o mesmo sempre decorreu com normalidade e com todos os trâmites necessários.
Já Jerónimo Correia, à data dos factos chefe da divisão de Departamento de Urbanismo, classificou a acusação de “narrativa sem fundamento”, refutando também a prática de qualquer crime neste processo de licenciamento.
O engenheiro civil negou a existência de “qualquer conluio” entre todos os arguidos, com o objetivo final da aprovação do processo de licenciamento apresentado pela arguida Cátia Machado, pessoa que, disse, não conhecia pessoalmente.
Alfredo Machado, arquiteto também arguido, disse que deu informação técnica “em consonância” com o parecer da Reserva Agrícola Nacional.
Disse ainda que se fez valer de indicações que recolheu em “contactos informais” com outros municípios.
Os quatro arguidos respondem por um crime de prevaricação por titular de cargo político.
O MP pede ainda a aplicação da pena acessória de proibição de exercício de funções públicas para Joaquim Carcel e para os dois técnicos.