O ex-presidente da Junta de Freguesia de Louredo (Vieira do Minho), António Lima Barbosa, confirmou no julgamento do caso das construções em cima do leito da Albufeira da Caniçada, integrada no Parque Nacional da Peneda-Gerês, que as fotos usadas para licenciar na Câmara Municipal de Vieira do Minho duas vivendas de luxo, naquela zona duplamente protegida, não são as mesmas fotos que atestou, como sendo as fotografias das ruínas do que se julga ter sido um estábulo.
“Essa casa nesta foto eu nunca a vi nesse local e nunca existiu ali”, afirmou prontamente António Lima Barbosa, quando foi confrontado em plena sala de audiências com várias fotos que permitiram legalizar, com base em alegadas construções antigas (que a terem existido realmente conferem direito adquiridos), duas vivendas, uma das quais com dois pisos, tendo reforçado que “essas construções nunca existiram nesse local”, explicando “não terem sido essas as fotos que eu atestei”.
A novidade da segunda audiência foi o desaparecimento dos atestados das Juntas de Freguesia do Concelho de Vieira do Minho, que estavam arquivados nas instalações da Câmara Municipal de Vieira do Minho, foi anunciado pelo Ministério Público, questionando-se como foi possível tal acontecer, mas ninguém teve uma explicação, nem mesmo quando o MP perguntou ao arguido Pedro Álvares, à data vice-presidente da Câmara de Vieira do Minho, que é advogado de profissão.
O Ministério Público tem dois magistrados a sustentar a acusação, um dos quais o autor das investigações criminais, pelo que já se evidenciou que havia recurso à entrega de fotografias de outros locais antigos, de velhas moradias e de ruínas, só que não diziam respeito, chegando-se ao ponto de num dos processos de licenciamento camarário se terem colocado fotos de casas e de ruínas da freguesia de Rossas, situada nos antípodas do concelho relativamente à freguesia de Louredo.
António Lima Barbosa, antigo emigrante em França, que depois vendeu materiais de construção, tendo sido já o autarca local de Louredo da Ribeira, em Vieira do Minho, é um dos 14 arguidos físicos, a par de quatro empresas privadas, agora julgados por alegadamente colaborarem num esquema criminoso que passaria pela simulação de preexistências de casas nos mesmos terrenos e desse modo ficar isentos de licenças camarárias e estatais para edificar novas vivendas luxuosas.
A acusação do Ministério Público, confirmada na íntegra pela juíza de instrução criminal de Braga, levou a acusações de crimes de falsificação agravada de documentos e violação de regras urbanísticas, pois segundo as investigações da Polícia Judiciária de Braga, nunca terão existido as habitações, por mais precárias que fossem na época, mas sim e apenas currais para o gado, mas com esses artifícios foram construídas diversas vivendas, que as autoridades pretendem agora demolir.
Falando no Palácio da Justiça de Braga, António Lima Barbosa, um dos arguidos no megaprocesso que envolve também o antigo vice-presidente da Câmara Municipal de Vieira do Minho, o advogado Pedro Álvares, para além de empresários, construtores civis, arquitetos, engenheiros e a antiga advogada e ex-notária de Vieira do Minho, Susana Sousa, explicou aos três juízes qual a sua intervenção em casos cujas construções antigas e ruínas dispensavam licenças para novas casas.
Em causa nesta fase inicial do julgamento estão duas moradias de luxo, pertencentes ao construtor civil Martine Pereira, de Negreiros, em Barcelos, mais conhecido por ser piloto amador de automobilismo, uma das quais mesmo junto à linha de água da margem esquerda do rio Cávado, em Vieira do Minho, que o Ministério Público e a juíza de instrução criminal consideram terem sido cometidos, entre outros, crimes de violação de regras urbanísticas e de falsificação de documentos.
António Lima Barbosa também negou alguma situação de cumplicidade com Martine Campos Pereira, explicando que “a dada ocasião estavam a ser colocados pedregulhos nos acessos do povo à margem do rio Cávado, quando eu ainda era presidente da Junta de Freguesia de Louredo, tudo a mando do senhor Martine, mas eu obriguei os funcionários do senhor Martine a retirarem imediatamente os calhaus e a deixar como sempre foi o acesso público à praia fluvial e às margens”.
Antigo vice-presidente da Câmara nega tudo
Pedro Álvares, o outro arguido que prestou declarações na segunda audiência, afirmou que como advogado de profissão, enquanto vice-presidente da Câmara Municipal de Vieira do Minho, limitava-se sempre despachar todos os processos de licenciamento e os outros assuntos dos vários pelouros, de acordo com o que lhe era proposto por técnicos autárquicos, “porque não domino as questões de arquitetura e de engenharia”, segundo afirmou perante o Tribunal Coletivo de Braga.
Questionado acerca de em 2007 enquanto advogado ter intervindo no registo predial e depois despachado favoravelmente quando em 2011 já era vice-presidente da Câmara Municipal de Vieira do Minho, Pedro Álvares afirmou “não recordar” a sua atuação anterior enquanto causídico, referindo “ter feito como advogado centenas de registos prediais e despachado centenas de processos como vereador”, justificando assim a coincidência, pois “não me lembrava de ter feito o registo”.
“Se eu quando dei o despacho enquanto vice-presidente da Câmara Municipal de Vieira do Minho me tivesse apercebido de alguma situação anómala teria questionado logo os serviços e os técnicos superiores antes de assinar favoravelmente”, salientou Pedro Álvares, acrescentando que “confiava nos pareceres que me chegavam à mão, pelo que só quando aqui fui ouvido pela primeira vez no Ministério Público é que me apercebi ser era esta a situação que me levou a ser arguido”.
Sobre o facto de no mesmo dia haver sucessivos despachos, tudo num tempo recorde, que nada tem a ver com a realidade das autarquias, isto é, os interessados entrarem com um requerimento e no mesmo dia, às vezes passadas poucas horas, levarem consigo o processo completo de licenciamento, na Câmara Municipal de Vieira do Minho, Pedro Álvares disse que era tudo “graças ao método simplex, do despacho na hora, de desburocratizar tudo e de simplificação administrativa”.
A tese do Ministério Público e da juíza de instrução criminal tem sido já negada por todos os arguidos, entre aqueles que já prestaram declarações, julgados pelas acusações de falsificação ou contrafação agravadas de documento (as fotos) e de violação de regras urbanísticas, pedindo o MP a demolição das casas de luxo, bem como as piscinas, acessos interiores, muros, passeios e acessos exteriores junto à Albufeira da Caniçada, no Gerês, segundo a ação judicial intentada pelo MP.
Tudo porque segundo a acusação pública e o despacho de pronúncia, terá havido uma atuação concertada entre diversos responsáveis, incluindo a então notária Susana Sousa e o construtor civil Martine Pereira, para contornar a lei, com fotos trocadas de antigas construções em outros locais bem distantes, a fim de simular direitos adquiridos, com pré-existências, mas a ex-notária desmentiu qualquer tipo de conluio com Martine Pereira ou outro dos intervenientes nos licenciamentos.
MP avança para a demolição das vivendas
Entretanto, o Ministério Público intentou uma ação autónoma, para a demolição de ambas as vivendas de luxo de Martine Pereira, à margem do processo que está a ser julgado, na Instância Central Criminal de Braga, em que é réu o presidente da Câmara Municipal de Vieira do Minho, António Cardoso, intimando-o a remover as casas, repondo assim a legalidade, sabendo-se que o autarca, por cinco vezes, entre 2016 e 2019, intimou Martine Pereira, anunciando que faria a demolição.
O Ministério Público requereu a demolição das duas vivendas de luxo, no Gerês, que considera completamente ilegais, alegando serem nulos todos os despachos favoráveis da Câmara Municipal de Vieira do Minho, por ainda segundo o MP, violarem simultaneamente a Reserva Ecológica Nacional (REN) e a Reserva Agrícola Nacional (RAN), atentando ainda contra o Plano de Ordenamento da Albufeira da Caniçada (POAC), em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês PNPG).
Segundo apurou O MINHO, à margem da segunda audiência do julgamento criminal, que decorreu já esta sexta-feira no Palácio da Justiça de Braga, a situação envolve mesmo as duas moradias construídas pelo promotor imobiliário Martine Pereira, numa zona sensível da margem esquerda do leito do rio Cávado, em Outeiro de Madrinha Sobrinha, na localidade de Fornelos, da freguesia de Louredo da Ribeira, em Vieira do Minho, uma demolição iminente que o arguido contestou.
Contactado por O MINHO, o advogado Jorge da Costa, defensor de Martine Pereira, começou por afirmar “ainda não termos sido notificados nesse sentido”, confirmando “estar em curso um processo para avaliar da licitude ou da ilicitude das certidões emitidas pela Câmara de Vieira do Minho, mas na pendência do processo parece-me extemporânea qualquer reação, imaginando-se que ambas as certidões [relativas às duas casas na zona da Caniçada] possam ser julgadas válidas”.
Estes processos judiciais começaram com os “Indignados de Louredo”, um movimento cívico daquela freguesia de Vieira do Minho, que denunciou as situações que considera ilegais, não só junto de várias entidades oficiais e judiciárias, como no programa “Sexta às Nove”, da RTP, tendo-se deslocado ao local deputados do Bloco de Esquerda, levando o advogado a afirmar sexta-feira, durante a mais recente audiência de julgamento que “isto é tudo uma grande telenovela mexicana”.
Para o advogado Jorge da Costa, “são pessoas da zona que têm interesses próprios ali a defender”, segundo referiu agora na mais recente audiência, acerca dos moradores pretenderem aceder diretamente até à margem esquerda do rio Cávado, mas quanto a essa tese já a juíza de instrução criminal de Braga, que ordenou o julgamento de todos os arguidos acusados pelo Ministério Público, tinha rejeitado essa mesma tese de “atuar em causa própria” o Grupo “Indignados de Louredo”.
Acerca da argumentação do arguido Martine Pereira, segundo a qual as testemunhas não são credíveis, por motivadas politicamente e dizerem tretas no facebook e querem aceder gratuitamente com motos de água à Albufeira da Caniçada às custas de um particular, a juíza de instrução criminal de Braga escreveu já “ser o acesso livre à albufeira e às suas margens, não é um capricho dos cidadãos, é um direito, proibindo-se construções que possam impedir a livre passagem”.