ARTIGO DE FELISMINA BARROS
Advogada. De Ponte de Lima.
Hoje festeja-se a paz e a unidade do continente europeu e assinala-se o aniversário da Declaração de Schuman.
Esta Declaração deu origem a uma nova forma de cooperação política na Europa. A UE dos nossos tempos teve origem com a proposta de Schuman.
A propósito das comemorações deste dia especial, li e ouvi variadíssimos temas importantes para os cidadãos europeus que vivem nos Estados membros e encontrei a Declaração dos Direitos de Literacia dos Cidadãos Europeus.
“Declaração dos Direitos de Literacia dos Cidadãos Europeus, ELINET – Rede Europeia de Literacia, 2016 – Todas as pessoas na Europa têm direito à literacia. Os Estados-Membros da UE devem assegurar que sejam facultados às pessoas de todas as idades, independentemente da sua classe social, religião, etnia, origem e género, os recursos e as oportunidades necessários para desenvolverem competências de literacia suficientes e sustentáveis por forma a compreenderem e utilizarem de modo eficaz a comunicação escrita, seja ela manual, impressa ou digital”.
A leitura do excerto da referida Declaração despertou em mim o pensamento sobre o acesso que os cidadãos têm à informação das diferentes literacias. É claro que o meu interesse reflexivo acabou por incidir na literacia jurídica.
A literacia jurídica é muito pouco divulgada quando comparada com outras literacias, como a literacia digital, a literacia financeira. E porquê, quando hoje é consensualmente aceite como um dever dos Estados democráticos para com os seus cidadãos garantir o acesso ao direito e à justiça?
Este direito de acesso ao direito e à justiça é, na verdade, um direito ao entendimento, um direito à compreensão do que se passa no mundo judiciário.
A literacia jurídica é a capacidade de gerir a informação jurídica ou legal.
Será a linguagem judicial um idioma do outro mundo só acessível a alguns cidadãos?
Entendo que não, mas interrogo-me quando constato que grande parte dos cidadãos que participam numa audiência de julgamento não compreendem os formalismos e demonstram dificuldade em interpretar o que lá está a ser dito. O que faz que as pessoas se sintam mal por não alcançarem o objeto da discussão cuja questão é tão importante para a sua vida.
A importância deste direito à compreensão da linguagem judicial é transversal a todos os cidadãos europeus, numa Europa multicultural e num país como Portugal a imigração é uma realidade que deve atingir todos os setores da vida em sociedade, sobretudo o setor do direito e da justiça.
É necessário que a “vida” dos tribunais seja compreendida e beneficie de visibilidade suficiente, sem a qual haverá lugar a sucessivas crises de confiança.
As pessoas têm que encarar os tribunais como locais onde se sintam com vontade de se expressar livremente, sob pena do acesso à justiça e ao direito não ser compreendido e se tornar um direito sem vida.
A não compreensão da linguagem judicial pode ser uma barreira ao acesso à justiça e consequentemente entendida como barreira ao exercício da cidadania e à efetivação da democracia.
Na Europa atual, cada vez mais multicultural, o direito de acesso à justiça, enquadrado no direito ao entendimento, ganha cada vez mais importância.
Subscrevendo as palavras de Van Hoecke “para construir uma comunidade globalizada é necessário criar um “espaço comunicativo” no qual uma nova vida comum possa surgir”.
Quero acreditar que o caminho para o progresso e cooperação europeia também passe pelo reforço de políticas que privilegiem e incentivem os Estados membros a adotarem medidas de promoção de literacia jurídica.