É a «guerra do resgate». E que a morosidade do Tribunal Administrativo pode transformar em «de desgaste». Chega aos 71,9 milhões de euros o valor da indemnização pedida à Câmara de Braga pela empresa ESSE, da família do empresário António Salvador, naquele Tribunal. Com o argumento e a convicção de que o contrato de exploração do estacionamento à superfície em Braga duraria 30 anos. E está ciente de que tem esse direito.
Aquele montante corresponde à receita dos 4455 parcómetros que resultariam da quarta fase do alargamento do contrato inicial, assinado em janeiro de 2013 com o anterior executivo municipal socialista. Ou seja: a ESSE teria 2,33 milhões de euros anuais de lucro, em 30 anos, para um investimento inicial de 500 mil, a montar o negócio. E faturaria 177 milhões, metade dos quais seriam para a Câmara.
O pedido de indemnização está pendente de uma outra ação que corre, desde 2014, no mesmo Tribunal, no qual se decidirá se o alargamento – que pode ir a quatro fases – é ou não legal, e se estava previsto no contrato inicial. Em fevereiro de 2013 Mesquita Machado outorgou o alargamento a mais 27 ruas. Que foi revogado, em outubro, pelo atual presidente Ricardo Rio.
Lucros cessantes
Na segunda ação agora entregue no Tribunal, e subscrita pelo escritório lisboeta «Morais Leitão, Galvão Teles e Soares da Silva» – este último, de seu nome João, nado e criado em Braga – a ESSE – invoca “danos emergentes e lucros cessantes”. Diz que a primeira fase do alargamento, mais 27 ruas em 2013, corresponde a 2333 lugares – os que explora atualmente – o que lhe daria direito a uma indemnização de 33,6 milhões; no caso de o alargamento se ficar pela segunda fase, 3439 parcómetros, o valor pedido é de 53,6 milhões. Na terceira hipótese, a do alargamento atingir 4455 lugares, sobe aos 71 milhões.
O contrato prevê que a duração é de 15 anos, podendo ser ampliada para 30. A concessionária diz, no entanto, que se o Tribunal entender que são 15, os montantes a que terá direito são, respetivamente, de 10,7, 17 e 22,8 milhões de euros. O mesmo contrato prevê o resgate ao fim de cinco anos, norma que a Câmara aplicou em 2016, aprovando, de forma unânime, a medida. Incluindo na Assembleia Municipal.
Na providência cautelar que entregou ao Tribunal – e que foi aceite pelo juiz, de forma preventiva – a ESSE invoca “falta de fundamentação” do interesse público invocado pela Câmara na decisão de resgate e alega “desvio de poder”.
Pede a sua nulidade ou, em alternativa, o pagamento daqueles montantes. A providência cautelar vai, agora, ser julgada, parando ou não o resgate e mantendo a cobrança nas mãos da ESSE, a qual, nos termos contratuais, paga 51,5 por cento da receita ao Município.
A autarquia, através do advogado Fernando Barbosa e Silva, deve reinvocar o interesse público, pondo o acento tónico na má relação existente entre os municípes e a ESSE, em incumprimentos contratuais, e no facto de a concessão a impedir de executar os planos de mobilidade em estudo e que devem entrar em execução já em 2018. O que pode implicar mexidas nos lugares de aparcamento.
Eram 31 ruas
Antes do contrato, a Câmara tinha parquímetros em 31 ruas. O concurso feito em 2012 para a concessão previa um adiantamento mínimo de três milhões de euros que o vencedor teria de fazer à Câmara. A ESSE ofereceu 4,11 milhões. Politicamente, a coligação PSD/CDS – então na oposição – associou o negócio ao facto de o então presidente , Mesquita Machado precisar de dinheiro para comprar três prédios anexos ao do Convento das Convertidas. Compra que não chegou a vias de facto, porque Ricardo Rio a ela se opôs no Tribunal.
A querela judicial promete rios de tinta e milhares de páginas online. A ação contra o alargamento da ESSE está parada há dois anos. Recomeça no verão no Tribunal. Se o julgamento terminar em 2019, e seguindo a regra em vigor – por falta de meios – no Administrativo, demorará três anos, ou mais, a ser proferida uma sentença. Em 2022. Após o que começará a ser julgada a segunda ação da ESSE. Ou seja, e a não ser que a realidade desta área judicial mude em breve, a querela só termina depois de 2025. No Tribunal Administrativo do Porto – diga-se a título de exemplo – há processos que correm há 22 anos…