ARTIGO DE OPINIÃO
João Ferreira Araújo
Advogado
As escutas telefónicas são um meio de obtenção de prova previsto e regulado nos artigos 187º e 190º do Código Processo Penal.
A nossa lei processual penal define a escuta como “a interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas realizadas durante um inquérito e autorizadas por um Juiz (artigo 187º, nº 1 do CPP).
Hoje a Jurisprudência tem um sentido mais abrangente da escuta telefónica, salientando que como a evolução tecnológica é constante, apenas será importante estabelecer que a conversa ou comunicação telefónica que será intercetada e gravada implica a utilização de um aparelho técnico que permita a transmissão e a receção da palavra falada, independentemente das diferentes formas, tecnologicamente possíveis dessa transmissão (quer seja por satélites, por fios ou através de ondas magnéticas ou elétricas.
O recurso por parte de quem investiga crimes a escutas telefónicas como meio de prova implica uma ponderação dos valores fundamentais em conflito (a excecionalidade do regime das escutas telefónicas, a sua indispensabilidade para a descoberta da verdade ou para a obtenção da prova que seria impossível de alcançar em contraponto com a contração dos nossos direitos fundamentais pelo desrespeito traduzido numa intromissão na vida privada de alguém) nomeadamente dos princípios da proporcionalidade, da necessidade e da subsidiariedade, enquanto legitimadores da utilização das escutas.
Acontece que as escutas telefónicas e o seu uso e abuso em Portugal criaram um problema de transparência e responsabilidade de quem as promove de forma indiscriminada e de quem as autoriza cegamente.
Quem promove as escutas telefónicas é o Ministério Público e quem as autoriza são os Juízes de Instrução, uns e outros sem respeitarem muitas vezes o princípio da excecionalidade exigido pela lei processual penal para a utilização deste instrumento investigatório, violando grosseiramente os direitos fundamentais dos cidadãos suspeitos da prática de um crime.
As recentes divulgações de uma conversa telefónica entre o ex-primeiro-ministro António Costa e o ex-ministro das Infraestruturas, João Galamba, que se encontrava sob escuta do Ministério Público, há cerca de quatro anos, tornou público estes procedimentos e suscitou uma discussão sobre o uso, ou direi abuso, desta ferramenta processual, obrigando-nos a questionar e a repensar esta questão.
Não se pode permitir que alguém seja escutado durante anos e anos a fio sem que haja uma qualquer conclusão acerca da prática ou não, de um ilícito penal. Isto infelizmente acontece a muitos cidadãos anónimos sem qualquer consequência para os responsáveis.
Na minha prática profissional deparei-me com inúmeros inquéritos (processos criminais) em que a investigação assenta principalmente em escutas telefónicas e sempre me indignei com a facilidade e ligeireza, com que estas são autorizadas e envolvidas pessoas que nada têm que ver com o que se investiga, havendo uma interpretação arbitrária e pouco rigorosa dos Órgãos de Polícia Criminal (OPCs), bem como do Ministério Público.
Há manifestamente um excesso do uso da escuta na investigação criminal no nosso país, o que cria situações claras de violação dos nossos direitos fundamentais plasmados na Constituição da República Portuguesa.
Não pode nem deve o Ministério Público utilizar para investigar um instrumento tão invasivo da nossa vida privada de forma constante como o faz.
A exceção não pode ser banalizada e tornar-se numa prática comum, numa manifesta e clara violação da lei.
A investigação em processo penal tem de ser rigorosa e com critério, cumprindo-se sem atalhos as exigências legais para utilização deste tipo de instrumentos investigatórios, principalmente quando representam uma contração de direitos de quem é suspeito da prática de um crime, não se podendo tolerar que a escuta seja usada como uma espécie de pré-inquérito.
Não é tolerável esta prática por parte do Ministério Público, devendo ser realizado um escrutínio rigoroso a esta prática.
O Ministério Publico é também o garante da legalidade dos procedimentos processuais penais, daí a exigência de rigor quanto aos procedimentos que adota nas investigações criminais.
Como bem referiu o antigo Procurador Geral da República e atualmente Juiz Conselheiro Jubilado do Supremo Tribunal de Justiça, Cunha Rodrigues, tem havido “abuso das escutas telefónicas” e que “é necessário praticamente rever tudo”.
Os meios invasivos à nossa vida privada, escutas telefónicas, têm um carater excecional que se deve manter excecional.
Urge terminar com este estado de coisas, sob pena de transformarmos a vida em sociedade num autêntico “big brother”.