Uma empresa de Guimarães e a Fibrenamics, da Universidade do Minho, criaram embalagens que dão informações sobre o estado de conservação dos produtos, no futuro poderão dizer onde estão e o que têm dentro.
A José Neves está a desenvolver embalagens com capacidade de dar ‘feedback’ sobre os artigos nelas guardados. Estas caixas, dotadas de sensores, vão avisar os utilizadores quando os produtos no seu interior estiverem degradados ou quando tiverem ultrapassado os limites de temperatura a que devem ser conservados. As aplicações são inúmeras, desde a distribuição alimentar à indústria automóvel.
O processo, desenvolvido em parceria com a Fibrenamics – Instituto de Inovação em Materiais Fibrosos e Compósitos da Universidade do Minho – implicou a criação de tintas “ativas” que funcionam como sensores. Estas tintas, impressas em locais estratégicos da embalagem, mudam de cor e, dessa forma, avisam o utilizador quando o produto acondicionado já iniciou o processo de degradação.
“Estes processos naturais implicam determinadas alterações dos níveis de pH. A tinta que desenvolvemos é sensível a essas alterações e muda de cor”, explica João Bessa R&D manager da Fibrenamics.
Sensores de pH e temperatura
Outro fator que também é possível monitorizar com estas embalagens especiais é a temperatura. “Temos dois tipos de “tinta funcionalizada”, uma que depois de se alterar é irreversível e outra que pode reverter a cor de acordo com as condições”, clarifica Luís Nobre, gestor de projeto da Fibrenamics. Estas tintas também estão ajustadas a diferentes gamas de temperaturas, tendo em conta as especificações pedidas pelos clientes.
Para que os utilizadores não tenham nenhuma dificuldade na interpretação da mensagem que as caixas estão a transmitir, na embalagem é impresso um código QR que dá acesso a uma legenda onde se explica o que é que cada cor quer dizer.
A José Neves é uma empresa que se foca em “encontrar soluções de embalagem para oferecer aos seus clientes, sem se focar numa área em particular”, explica Pedro Neves, o diretor de produção e logística. O normal no setor é as empresas serem especializadas “na caixa, no saco, na fita-cola, na caixa-contentor, na palete, nós oferecemos tudo”.
Inicialmente, a José Neves era uma empresa comercial, mas nos últimos anos evoluiu para passar a ter uma base industrial, transformando papel, cartão, plástico, em soluções finais de embalagem diversas.
Criar uma solução para o cliente interagir com o produto
Este desenvolvimento levou à necessidade de encontrar soluções diferenciadoras relativamente à concorrência. “Somos uma empresa muito orientada para relação com os clientes e começamos a pensar de que forma é que podíamos melhorar essa relação. Era preciso que eles tivessem a possibilidade de interagir com o produto que nós fazemos”, conta Pedro Neves. Por outro lado, o mercado está orientado para a “digitalização de todas as coisas”.
A empresa sente que as pessoas em geral querem, cada vez mais, interagir com as coisas que compram. “Esta necessidade de interação acontece, não só ao nível do consumidor final, mas ao longo de toda a cadeia”, esclarece Pedro Neves. Neste caso, os intervenientes poderão interagir com uma caixa de cartão, desde a fábrica até ao consumidor final.
O preço não será um obstáculo
“Tratou-se se acrescentar valor a um produto que era passivo e servia apenas para transportar o artigo, dando-lhe outra funcionalidade. As caixas tornam-se ativas e ajudam a monitorizar aquilo que transportam”, acrescenta João Bessa, da Fibrenamics. O preço era um dos problemas que se colocavam aos investigadores envolvidos: era fundamental que fosse exequível.
“Não há como fugir ao aumento do custo. Ainda não somos capazes de quantificar porque o processo não está industrializado, porém, é certo que vai ficar dentro de intervalos que mantêm o produto competitivo”, assegura Pedro Neves.
“Essa necessidade de manter os custos controlados foi o que fez com que uma das vertentes do projeto, que passava pela colocação de etiquetas RFID (radio frequency identification, identificação por radiofrequência, um sistema conhecido dos alarmes antirroubo usados, por exemplo, nos livros) fosse congelada.
Não está posta de lado, mas neste momento está em suspenso, porque elevava muito os preços”, explica Luís Nobre, gestor de projeto da Fibrenamics. Esta tecnologia tornaria possível rastrear, a partir de um recetor num telemóvel, as caixas que estivessem equipadas, a todo o momento, sabendo, não só onde estavam, mas também o que continham e em que condições.
“Do ponto de vista da sensorização o projeto explorou três possibilidades: o desenvolvimento de etiquetas de RFID, sensores de temperatura e de pH”, precisa João Bessa. “Uma das preocupações da Fibrenamics é criar, sempre, produtos com valor acrescentado. Aqui tratava-se de um produto de baixo custo e isso era um desafio. Preocupamo-nos em conseguir adaptar o processo à tecnologia que a José Neves já tem nas suas instalações”, aponta Luís Nobre. Uma vez que os passos na cadeia de fabrico não se alteram, o aumento do custo surge apenas pela “funcionalização da tinta” que é usada para imprimir os carimbos sensíveis.
Doze clientes já conhecem e elogiam
A José Neves selecionou 12 dos seus clientes de grande escala, de diferentes setores, para fazer a apresentação deste produto. “A aceitação foi muito boa. Mas, à medida que fomos conversando com os clientes foram surgindo novos desafios”, aponta Pedro Neves. O projeto teve um financiamento de 320 mil euros do FEDER, para um custo elegível de 540 mil euros. “Embora a empresa tenha investido bastante mais”, admite Pedro Neves. Desde o momento em que a ideia surgiu, no âmbito da parceria entre a José Neves e a Fibrenamics, passaram dois anos e meio, “um pouco mais do que seria de esperar, porque a pandemia apanhou-nos”, reconhece Luís Nobre.
“A escolha de grandes clientes para a apresentação da ideia está relacionada com a necessidade de criar volume para a industrialização dos processos”, esclarece Pedro Neves. Relativamente aos setores que podem estar interessados nesta tecnologia, o responsável da José Neves desmistifica a ideia de que será só para a área alimentar e para a grande distribuição. Entre os clientes que já mostraram potencial interesse estão empresas no setor dos plásticos e da indústria automóvel, “que querem ter a certeza de que determinados produtos não ultrapassaram as temperaturas definidas ao longo da cadeia”, adianta Pedro Neves. A empresa espera ter este tipo de embalagens no mercado até ao final do próximo ano.
A José Neves foi criada em 1983, pelo empresário com o mesmo nome. A empresa permanece, desde essa altura, na família.
Atualmente, emprega 110 pessoas, ocupa umas instalações modernas, com 16.000 m2, no Parque Industrial de Ponte e teve uma faturação de 22 milhões de euros no último exercício. A empresa tem prevista a construção de uma nova unidade industrial no centro-sul do país, “para estarmos próximos dos nossos clientes”.
Com o aumento dos custos de transporte, Pedro Neves reconhece que para um produto de baixo preço e grande volume, é importante não ter de viajar muito. A José Neves vende para todos os países da Europa e para o Norte de África e a internacionalização, “a começar pela vizinha Espanha, também está nos planos para um futuro breve”.