“Em 12 anos, Braga não conheceu nenhuma revolução estrutural que a tenha preparado para os desafios do século XXI”

Isabel Estrada Carvalhais, ex-eurodeputada e professora da UMinho, em entrevista
Foto: DR

É professora de Ciência Política na Universidade do Minho, e foi, no mandato que agora terminou, deputada pelo PS no Parlamento Europeu. Em entrevista a O MINHO, Isabel Estrada Carvalhais diz que teve oportunidade de fazer aprovar relatórios importantes para a agricultura portuguesa e europeia.

Em termos nacionais, salienta que a política está a perder qualidade e, no que toca a Braga e às Autárquicas de 2025, defende que o PS local deve escolher um candidato que, nos últimos anos tenha tido trabalho autárquico, conheça os dossiers e seja próximo das freguesias.

O MINHO: O PS é o principal partido de oposição no Município. Ao que se sabe há três militantes interessados em liderar a lista à presidência da Câmara: Artur Feio, Pedro Sousa e Hugo Pires. Em sua opinião, qual o melhor candidato?

Isabel Estrada Carvalhais: O Partido Socialista é o maior partido autárquico em Portugal. Em 12 anos de oposição na Câmara Municipal de Braga, seria dramático se não tivesse nomes fortes para apresentar como possíveis candidatos e, portanto, não me surpreende que tenha diversos nomes de relevo a considerar.

Para mim, um bom candidato à presidência tem de ser alguém com um conhecimento detalhado e atualizado de todos os grandes dossiês da cidade; alguém que nestes 12 anos tenha estado em permanência aqui, atento ao que se passa no tecido empresarial, na relação com as instituições, com as IPSS, com as escolas; que tenha sido interventivo nos órgãos locais, que tenha estado junto dos autarcas de freguesia, e que fruto dessa experiência no terreno, tenha hoje uma visão clara, coerente e lúcida sobre o futuro da cidade, sobre o que é e não é possível fazer, sobre o que é que prioritário para a nossa população.

A Câmara de Braga não é uma Câmara qualquer. Com o devido respeito por todas as Câmaras, neste caso estamos a falar da capital de um dos distritos economicamente mais importantes do país: Braga é a terceira maior cidade a seguir Lisboa e Porto em peso político e económico.

Portanto, não é uma Câmara que o Partido Socialista possa perder por mais 4, 8 ou 12 anos. Naturalmente que para a ganhar, na minha opinião, terá de escolher a pessoa que mais se aproxime do perfil que acabo de expor. E haverá com toda a certeza quem preencha estes requisitos.

Braga sem alterações estruturais em 12 anos

Ainda no tocante à realidade local, o ano de 2025 será de eleições autárquicas. Em Braga, o atual presidente, Ricardo Rio, sai, por força da regra dos três mandatos. Como valora estes 11 anos de gestão da coligação Juntos por Braga?

Governar, decidir, nunca é fácil. Mas a verdade é que em quase 12 anos eu não vejo alterações estruturais na minha cidade e isso não pode ter como desculpas nem o desafio da governação (porque quem não quer cargos desta responsabilidade não se deve meter neles), nem pode ter como desculpa aquilo que foi a governação e as decisões de presidências anteriores. Doze anos em política é uma vida, uma vida que poderia ter feito muita diferença na projeção desta cidade, que tem sido para mais das que maior financiamento europeu tem captado.

Os problemas de trânsito, de mobilidade, a insuficiência de espaços verdes, a desorganização urbanística, aquilo que afeta a nossa saúde física e mental num quotidiano sucessivo de ‘pára-arranca’, não desaparecem só porque ganhamos prémios europeus e internacionais. São bons, são dignificantes, atraem turistas, etc., mas no final do dia, não resolve nada, não ajuda os jovens a encontrar casas mais acessíveis.

Os problemas que assinalei podem parecer menores mas na verdade traduzem-se em dinheiro, em economia, em saúde de todos nós que se perde. Portanto, não querendo ser injusta, porque governar e decidir só é fácil para quem não governa nem decide, a verdade é que em 12 anos, Braga não conheceu nenhuma revolução estrutural que a tenha preparado para os desafios do século XXI.

Tudo o que são hoje momentos culturais populares como a Noite Branca ou a Braga Romana, já vinham do passado; os erros urbanísticos não só não foram corrigidos (o que é sempre mais difícil) como foram corroborados por novos erros, que vão sempre na mesma linha de massificação das zonas residenciais, de destruição dos parques de lazer, dos espaços verdes, edificação a torto e a direito de áreas comerciais, parque industrial aqui, parque industrial ali.

A resposta não pode ser: “Os planos já vêm de trás.” Mas então a cidade está ‘decidida’ há 50 anos? É isso que querem dizer aos bracarenses?

Eu diria que temos uma cidade que foi projetada no pós-25 de abril para aquilo que era então uma certa ideia de progresso (prédios por todo o lado, nem que fosse em terrenos instáveis, cidade projetada para os carros, para a circulação rodoviária e não para as pessoas… e isto aconteceu um pouco por todo o país, atenção). Ora, Braga não conseguiu nestes 12 anos de governação PSD-CDS encontrar formas de se reinventar como cidade e de romper com um modelo de desenvolvimento que passou anos e anos a criticar.

Comunidade brasileira é trabalhadora

Ricardo Rio é acusado – quiçá injustamente – de ter fomentado a vinda para Braga de imigrantes, nomeadamente os do Brasil. Como vê esse fenómeno? É bom ou mau? Deve ser controlado? O que pensa do futuro da CPLP?

Eu não sei se fomentou ou não a vinda de imigrantes do Brasil. Mas, uma comunidade empreendedora, industriosa e trabalhadora como a brasileira, tal como outras comunidades imigrantes, nunca podem ser em si mesmas vistas como um problema. Os problemas surgem quando as cidades (e quem as gere) não sabem pensar e acautelar atempadamente os desafios que mais população (seja ela estrangeira ou nacional), acarreta para o funcionamento dos serviços, para o parque habitacional disponível, para as escolas, para o trânsito. Se nada disso foi pensado, se não houve planeamento, se não houve visão de longo prazo (quando já era sabido que iríamos necessitar de mão de obra imigrante), isso sim é um problema.

Somos um país envelhecido, que precisa de imigrantes, há anos que sabemos disso, e precisamos de aprender a planear a sua inclusão! Não apenas a sua recepção nos primeiros tempos. Os gabinetes de apoio social e jurídico são importantes, mas só numa primeira fase. Incluir é algo muito mais complexo: é pensar na relação a longo prazo com as novas comunidades e não ficar à espera que a sociedade simplesmente absorva a sua presença. Nós precisamos de imigrantes, sejam brasileiros, sejam de outras paragens, línguas e culturas.

O que não precisamos em Portugal (e infelizmente está a crescer) é de uma retórica nacionalista mentirosa que diz que os imigrantes não contribuem para a Segurança Social, quando na verdade contribuem e muito!

Disponível para a cidade

Pensa vir a contribuir para a vida política bracarense? De que modo?

Eu estou sempre disponível para servir a minha cidade e penso que também o estou a fazer enquanto professora da Universidade do Minho. É claro que a política é muito volátil, muito dinâmica e não posso prever o futuro. Repare, se em novembro de 2018, meses antes das eleições europeias, me tivessem perguntado se me via como eurodeputada, eu diria que nem me passava tal pela cabeça. Nunca foi algo que tivesse almejado, mas perante o desafio, abracei-o e dei o meu melhor.

Mas, eu acabei de lhe expor um perfil que me parece imprescindível a um bom presidente de Câmara. Ora como não sou pessoa para pensar que sou a última bolacha do pacote, ao contrário de algumas que por aí andam, espero sinceramente que esse perfil seja identificado de forma clara dentro do próprio Partido Socialista.

O PS tem em Braga quadros muito competentes, pessoas que têm estado sempre presentes na vida da autarquia, que conhecem muito bem o funcionamento da Câmara, e essas qualidades, no meu modesto entendimento de não militante partidária, mas de cidadã que ama Braga, devem ser devidamente reconhecidas dentro do próprio partido.

Eurodeputada influente na área agroalimentar

A professora foi deputada no Parlamento Europeu no último mandato. Qual o balanço que faz destes cinco anos, quer em termos de atividade desenvolvida, quer de enriquecimento pessoal?

Nos cinco anos de mandato ao Parlamento Europeu tive a felicidade de contar com o apoio incondicional da minha família e com o apoio dedicado e muito profissional da excelente equipa que me acompanhou.

Com muita dedicação diária, conquistei o meu espaço, o reconhecimento dos meus pares e isso traduziu-se em diversos momentos como na atribuição de importantes relatórios na Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, na negociação difícil de um relatório particularmente sensível na área agroalimentar e ambiental relativo à Comissão de Inquérito sobre o transporte de animais vivos. Esse reconhecimento também foi visível na eleição para a coordenação da Comissão das Pescas e até nos relatórios que me foram atribuídos numa Comissão em que era apenas suplente, a Comissão do Desenvolvimento Regional.

Em 2024 fui considerada como a eurodeputada mais influente na área da política agroalimentar do Parlamento Europeu e fiquei no Top 20 dos mais influentes em matéria de política ambiental. Foi uma experiência muito positiva também pela possibilidade de conhecer e trabalhar de perto com pessoas de intelecto brilhante, muito sérias, muito trabalhadoras, com uma visão íntegra sobre o que cada um de nós pode e deve fazer para o bem de todos. Os políticos não são todos iguais e na política há muita gente de valor.

Tanto quanto sabemos, enquanto eurodeputada e membro da Comissão de Agricultura e Desenvolvimento Rural e da Comissão das Pescas tomou várias iniciativas em prol da economia nacional, e desta região do Minho em particular, tendo mesmo escrito um livro sobre esse trabalho. Que impacto teve esse labor no setor agrícola e qual a visão que tem do futuro deste setor de atividade?

O livro foi sobretudo um pequeno registo dos cerca de 30 episódios que gravei no âmbito de um Programa realizado com o Correio do Minho e a Antena Minho, e que se chamava “Território conVida”, título que, entretanto, registei como marca. Não é um livro sobre o trabalho que realizei ao longo cinco anos, porque esse daria para outros livros, mas apenas o registo escrito desse programa, em homenagem a todas as pessoas que em todo o distrito de Braga, mas também nos distritos de Viana do Castelo, Vila Real, Bragança, e até no centro do país, abriram as portas dos seus projetos rurais e agrícolas.

Com as minhas iniciativas locais, e que foram largas dezenas, quis mostrar a força, a vitalidade, a vontade de manter vivo o mundo rural através de projetos que respeitam as identidades locais, respeitam a natureza, ao mesmo tempo que trazem novas competências, criam novas oportunidades de negócio e de trabalho. Um mundo rural não transformado em museu, mas vivo, que pede mais apoios e sobretudo que exige mais respeito por parte da sociedade e das instituições políticas.

É triste que a Europa seja vista como um multibanco

Em Portugal, em alguns setores da sociedade, há quem desvalorize o papel da União Europeia no desenvolvimento do país e quem só dê relevo aos fundos comunitários que aqui chegam. Qual a sua visão sobre o tema?

As pessoas continuam a ter uma enorme dificuldade em se relacionar com a complexidade da vida política da União Europeia. Não é fácil, eu entendo, e continuará a não ser fácil se o esforço por aproximar as pessoas da política europeia continuar a ser feito apenas de cinco em cinco anos, e quase sempre contaminado pela política nacional.

Neste cenário (que eu procuro contrariar através de sessões de esclarecimento nas escolas desde logo) é natural que seja a partir de exemplos concretos (como criação e reabilitação de infraestruturas, melhoria de sistemas de regadio, recuperação de centros históricos das cidades, que se têm concretizado graças aos fundos comunitários) que se torne um pouco mais fácil chegar ao cidadão e levá-lo a perceber a relevância da União.

Mas nem isso é feito corretamente, eu diria, porque há uma cultura política no nossos país que tende a ofuscar a visibilidade dos apoios comunitários nos projetos que são implementados nas nossas cidades: desde projetos de mobilidade urbana, à recuperação de ecossistemas locais, de edifícios transformados em residências universitárias, ou em hotéis de luxo, quantas pessoas sabem que ali está dinheiro europeu? A União Europeia não pode ser apenas um logotipo numa placa de inauguração.

A maior parte das pessoas nem sabe que quando se fala em Portugal 2030, ou Norte 2030, estamos a falar de programas de co-gestão com a Comissão Europeia, não estamos a falar de dinheiro a 100% nacional. Além disso, é triste que a União seja vista sobretudo como um multibanco. Mas é a mentalidade que temos, e a classe política de modo geral pouco faz para a alterar. Deveria ser obrigatório em todas as inaugurações a presença de uma pessoa do Gabinete de Representação da Comissão Europeia em Portugal… Enfim, uma longa conversa.

Mais autocracias do que democracias

Atendendo a que a sua área de estudo é a da Ciência Política, pergunto: O mundo atual está cada vez mais perigoso? Deixou de ser unilateral para ser multilateral (ou trilateral)… Isso é bom ou mau? Não seria melhor manter um só polícia no mundo?

Esta pergunta também nos levaria a longas conversas (defeito de professora), mas atendendo a que pela primeira vez em duas décadas, o mundo tem mais regimes autocráticos do que democracias liberais, eu diria que o mundo está de facto cada vez mais perigoso. E assim vai continuar.

Mesmo as democracias liberais na Europa, por exemplo, estão em crise (veja-se o recente caso da Alemanha), como bem o demostra a força do populismo de extrema direita. E aqui também está um dos problema das nossas democracias: achar que basta acenar com palavras como populismo para levar as pessoas a terem medo e a perceberem a perigosidade que se alberga no populismo (veja-se o caso da derrota de Kamala Harris). A linguagem das Relações Internacionais também está a ser desafiada porque conceitos como os de bipolaridades ou de multilateralidade, estão todos a ser questionados. Cada vez mais o que temos são blocos, não de países, mas de entidades (de governantes, de empresários, de interesses políticos e económicos) que funcionam em rede percebendo que da sua união resulta a vitória dos seus projetos particulares. Ajudam-se mutuamente e não o fazem por amor a nenhuma ideologia, nem ao seu povo. Isto é deveras preocupante.

Pouca qualidade no debate interno

Em termos de política nacional, vemos, também, um problema multilateral, neste caso, partidário, pois não há uma maioria estável no parlamento. Como vê a situação política portuguesa? A ascensão da extrema-direita é perigosa? É perene ou algo passageiro?

Temos uma politica com cada vez menos nível, com menos qualidade no seu debate, menos sentido de Estado e de compromisso com os cidadãos. Uma política de táticas e de tricas, intelectualmente bastante pobre. Isto não significa que não haja exceções, o que me faz admirá-las ainda mais.

Se a política fosse uma pessoa, com a capacidade de ver-se como espectadora, perceberia que não está a ser credível para quase ninguém. E veria que os que teimam em pensar pela própria cabeça quase sempre são desacreditados ou ignorados. Claro que isso só pode beneficiar partidos oportunistas como o Chega.

Isto é particularmente dramático se pensarmos nos jovens. Os jovens não têm as referências históricas, nem a memória que nós e os nossos pais ainda temos. Para eles palavras como extrema direita não têm uma substância sinistra concreta como tem para muitos de nós, por isso, relativizam-na.

Se a isto juntarmos uma crescente permeabilidade a uma ‘cultura do lixo’ que grassa nas redes sociais, em que vence quem berra mais alto, quem é mais provocador, quem é mais tasqueiro, percebemos a atração de muitos jovens pela linguagem fandangueira e pseudomoralista de partidos de extrema-direita, mas também visível em discursos da extrema-esquerda.

 
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