Artigo de Vânia Mesquita Machado
Pediatra e escritora. Autora dos livros “Microcosmos Humanos” e “Humana Seja a Nossa Dor”. Mãe de 3. De Braga.
Adoro borboletas.
Símbolo de liberdade espiritual e de pensamento, por um lado, da volatilidade dos instantes, mas também de uma possível metamorfose cíclica do ser.
Voo como a borboleta, de vez em quando.
Um voo invisível e discreto, sem que ninguém se aperceba, tal como voam as borboletas, em coreografias transparentes transportadas pela leveza do seu bater de asas, aparentemente frágil, mas veloz.
E tento uma metamorfose, de vez em quando, transfigurando-me numa nova pessoa, tal como a borboleta quando nasce.
Mudar é bom, permanecer numa indolente digestão do tempo, em azia constante pelo refluxo ácido da revolta porque nada é como se sonhou na juventude, é gastar uma dádiva única e preciosa, a da vida.
Estar vivo é mais do que ser o sobrenadante passivo de uma solução centrifugada.
De repente a idade adulta tomou conta de nós, e instalou-se de malas e bagagens com muitas contas para pagar, a sobrecarga do emprego, que implica muitas responsabilidades e exige um estado de alerta praticamente permanente, hoje em dia as pessoas não são insubstituíveis e o fantasma do desemprego paira nos pesadelos intermitentes que provocam insónias. As preocupações familiares parecem aumentar com o passar do tempo implicando uma miríade de tarefas intermináveis.
Somos sugados para um redemoinho onde a ditadura do relógio impõe o movimento contínuo de rotação, e o esforço por nos mantermos à tona desgasta toda a energia vital: não sobra tempo para contemplar o que realmente a vida é.
Na atualidade, também, o frenesim é constante, e não propriamente animador.
Por vezes o excesso de
informação com carga negativa implica um certo alheamento, sem deixar de lado a participação na sociedade civil com a opinião pertinente e com a intervenção solidária, mas sem permitir que o peso da desgraça, da hostilidade e da intriga seja corrosivo para a nossa sanidade mental.
Os constantes ataques terroristas, as tragédias demasiado próximas, a corrupção que enriquece alguns enquanto a maioria aprendeu a praticar ginástica acrobática e artes de contorcionista para gerir o orçamento em casa até ao fim do mês, o aproximar das eleições a fazer adivinhar a eclosão de escândalos e labirínticos jogos de influências em crescendo, (os jornais ávidos pelos combates na arena política dos gladiadores partidários), toda esta envolvência turbulenta é por nós interiorizada inconscientemente, sendo potencialmente lesiva.
Um excesso de input cerebral, com risco de desequilíbrio nos neurotransmissores, e um
perigo de entrar em burnout, causado pela sombra poluente que ensombra o dia-a-dia.
Por isso, por vezes é urgente parar, para nos protegermos e evitar sermos arrastados pela avalanche das coisas más.
E mesmo sem as sonhadas férias num qualquer lugar paradisíaco, todos podemos voar como a borboleta com umas asas imaginárias, e simplesmente flutuar mentalmente, devagar, abstraindo-nos da realidade, de vez em quando, e observando a beleza do globo que habitamos a partir de um longínquo ponto celeste, de onde nos poderemos aperceber como somos realmente insignificantes nas nossas preocupações comezinhas, perante a misteriosa grandeza do universo.
E quando regressamos à inevitabilidade da rotina, se for necessário, ganhamos uma capacidade nova: a da metamorfose pessoal, tentando uma nova abordagem da realidade mesmo que esta permaneça agreste, encarando a vida com mais leveza, interiorizando a noção de como tudo é efémero, e mudando pequenas coisas, que estejam ao nosso alcance.
… É preciso voar, de vez em quando.