A Câmara de Barcelos aprovou, em reunião extraordinária esta sexta-feira, a proposta que irá resolver o problema da concessão do abastecimento da água e saneamento no concelho, um caso que se arrasta há 13 anos. Em cima da mesa estava uma proposta em que a Câmara paga 18 milhões à concessionária e estende a concessão à Águas de Barcelos por mais 20 anos, não tendo de pagar a indemnização de mais de 200 milhões de euros definida pelo tribunal.
A proposta foi aprovada com os votos a favor dos vereadores da coligação PSD/CDS/BTF, do vereador independente. Os quatro vereadores socialistas votaram contra.
Para Mário Constantino, presidente da Câmara de Barcelos, hoje é “um dia histórico”. “Assinala-se a conclusão de um processo que dura há 13 anos e que vem desgastando os barcelenses”, referiu o autarca aos jornalistas, após a reunião extraordinária nos Paços do Concelho que durou cerca de três horas.
O presidente da Câmara reconhece que este não era “com certeza” o “melhor acordo do mundo”, contudo lembra que negociaram com o acionista maioritário da concessão de forma “muito condicionada”.
“Este acordo vai libertar o Município de uma ‘espada’ que pendia sobre o nosso orçamento, porque as soluções que o PS aqui apresentou de não fazer acordo e pagar a sentença eram assustadoras para o Município, porque iríamos ter de penhorar um conjunto de edifícios”, afirmou.
O valor da sentença a pagar já ascendia os 200 milhões de euros, “que levaria à paralisação de todas as atividades e obras do Município”.
Para o vereador Horário Barra (PS), este é um “mau negócio”. “Mantém os erros e desequilíbrio do contrato inicial, do ‘pecado’ original do PSD, e não consegue encontrar uma solução que beneficie de forma clara os munícipes”, disse.
O PS defendia que a Câmara não prolongasse o contrato e que, assim, recuperasse os serviços de abastecimento da água e saneamento em 2034 para o domínio público. “A concessionária vai ter um lucro superior à indeminização que a Câmara teria de pagar. É verdade que temos a pendência de uma possível execução e penhora, mas também é verdade que em 2034 a Câmara podia assumir de novo a concessão e tirar daí dividendos e receitas”, referiu Horário Barra.
Para Mário Constantino, esta posição é “lamentável, irresponsável e desastrosa”.
Horário Barra alertou, durante a declaração de voto do PS, que “é previsível” que nem a entidade reguladora (ERSAR) dê parecer favorável ao acordo e que nem o Tribunal de Contas dê seu visto “a tal descalabro contratual e financeiro”.
“Temos de ter reservas sérias sobre a forma como se avança para um contrato desta natureza”, concluiu o vereador socialista em declarações aos jornalistas.
O único voto a favor da oposição veio do independente Alexandre Maciel, que foi eleito pelo PS, mas que entretanto se desligou do partido. O vereador foi protagonista no executivo municipal durante a governação socialista, que não alcançou qualquer acordo sobre a água, e considerou que “é tempo de parar”.
“Há um momento em que temos de dizer basta. Em vez de pagar a indeminização e um acordo que eu considero razoável, é o acordo possível”, notou.
E acrescentou: “Este acordo em que só se paga 18 milhões de euros, em que há uma redução da tarifa da água… É um solução razoável, temos de parar e caminhar para a frente”.
Agora espera que sejam correspondidos aos “anseios da população, que é construir-se a rede de saneamento, construírem-se as ETAR e fomentar o consumo da água da rede pública”.
18 milhões e mais 20 anos de concessão
O acordo que estará em execução ao longo do ano de 2023 para vigorar a partir de janeiro de 2024 estipula uma “compensação financeira por parte da concedente à concessionária, no valor de 18 milhões de euros, com o pagamento a efetuar no prazo máximo de três meses após homologação do acordo”.
A proposta do executivo, liderado por Mário Constantino, eleito pelo PSD em coligação com o Movimento Barcelos, Terra de Futuro e o CDS, prevê também “o alargamento da concessão por mais 20 anos, bem como a revogação da retribuição prevista a pagar pela concessionária, à concedente, com a extinção dos processos judiciais existentes”.
Outra alteração que a proposta salienta é “a não obrigatoriedade de recurso a um Tribunal Arbitral em caso de litígio, passando este para a instância de um Tribunal comum”, bem como “as restrições ao pedido do reequilíbrio económico e financeiro pelas partes, exceto as situações previstas exclusivamente na lei sem esquecer a revisão ao tarifário e dos tarifários especiais”.
Água vai subir
Outra alínea, relacionada com a adenda ao acordo da concessão é o aumento da água em 7,658%. “O Município não podia continuar a dizer que negociava, e depois a não cumprir a atualização dos tarifários, como o fez desde 2010, com fortes repercussões na brutal compensação indemnizatória dos 172 milhões de euros”, justifica a proposta.
E acrescenta: “Portanto, das propostas em discussão para atualização dos tarifários para vigorar em 2023, tendo em conta o IPC e as condições contratuais existentes, que variam entre 29,938%; 11,358%; 10,048%; 9,861% e a mais baixa de todas, 7,658% que vigorará na fórmula do novo acordo, mas é a que será aplicada já em 2023 por ser de longe a mais vantajosa para todos os consumidores destes serviços”.
A proposta refere ainda que “as famílias carenciadas residentes no concelho de Barcelos beneficiarão da isenção das tarifas fixas e aplicação de um desconto de montante a aprovar pelo Município sobre a tarifa variável incidente sobre os metros cúbicos consumidos até ao limite de 10m3 por mês” e “as famílias numerosas beneficiarão do alargamento do 1.º escalão de consumo até ao limite máximo do 2.º escalão”.
Segundo a proposta, as tarifas “vão descer significativamente, principalmente para os pequenos consumidores”, mas, por outro lado, “há tarifas que vão sofrer alguns aumentos, com particular relevo nas taxas de saneamento”. Vai ainda vigorar a gratuitidade da ligação dos ramais de água e saneamento.
Depois da aprovação pela Câmara, o acordo tem que ser votado na Assembleia Municipal.
Longo processo
O serviço de água e saneamento foi concessionado em 2005, por um período de 30 anos, pelo então presidente da Câmara, o social-democrata Fernando Reis.
O negócio esteve sempre envolto em polémica. “Aquando do início da exploração da concessão das redes, logo foi percetível que o modelo económico e financeiro que serviu de base à dita concessão se viria a observar desequilibrado”, reconhece a proposta de acordo do atual executivo.
Já com o PS no poder, em 2009, a Águas de Barcelos exigiu à autarquia o “reequilíbrio financeiro” da empresa, processo que, muitos episódios jurídicos depois, acabou na condenação da Câmara a pagar uma indemnização de 172 milhões de euros.
Em finais de 2015 foi alcançado um acordo de princípio para o resgate da concessão por 87 milhões de euros, o qual foi aprovado pela Câmara e Assembleia Municipal.
Mas, depois, em 2017, o então presidente da Câmara, Miguel Costa Gomes, chegou a um acordo extra-judicial para a aquisição, por parte da autarquia, de 49% do capital, o qual também foi aprovado pelos órgãos autárquicos, mas não chegou a ser concluído.
O problema estará agora perto de se resolver, treze anos depois, com a aprovação deste