Sempre quis ser cientista ou professora. Na infância, em Macieira de Rates, Barcelos, onde nasceu há 31 anos, passava os dias a fazer experiências científicas (“para mim eram experiências, para a minha mãe eram pesadelos de desarrumação e destruição”, brinca).
Uma carreira académica de sucesso na área da Economia, ‘vestindo a camisola’ da Universidade do Minho (UM), levou Susana Campos-Martins, em 2019, para a Universidade de Oxford. “Foi como ter recebido a minha carta de aceitação para Hogwarts”, ilustra.
Recentemente, publicou no Financial Times um artigo, em co-autoria com David F. Hendry, sobre o impacto da declaração de pandemia pela OMS (Organização Mundial de Saúde) nos mercados financeiros.
“Tivesse a OMS anunciado a pandemia mais cedo, como alguns defendem, poderia ter sido um falso alarme e resultado numa desnecessária disrupção dos mercados”, conclui o estudo.
A mais nova de sete irmãos
Nascida em 1988, na freguesia de Macieira de Rates, no concelho de Barcelos, Susana Campos-Martins é a mais nova de sete irmãos. “Nos dias que correm parece inconcebível ter-se sete filhos, mas os meus pais fizeram um trabalho maravilhoso”, realça a O MINHO.
A família é o seu porto de abrigo, mesmo à distância, e sempre que pode, apesar de estar a trabalhar no Reino Unido, regressa à terra natal.
“Tenho uma família que amo e que todos os dias me faz sentir como se estivesse em casa, apesar de estar a viver em Oxford. Adoro viajar e faço-o com grande frequência, mas não há como ter a segurança de pertencer a algum lugar no mundo. E é para lá que sempre volto”, aponta a investigadora que, desde pequena, “queria ser professora ou cientista”.
“Passava o dia a fazer experiências científicas (para mim eram experiências, para a minha mãe eram pesadelos de desarrumação e destruição). Aprender, investigar e lecionar fizeram e fazem parte de um processo natural para mim”, assinala.
“Vesti a camisa da Universidade do Minho e não a tirei mais”
Susana Campos-Martins fez a escola primária e o segundo ciclo em Macieira de Rates. No 7.º ano mudou-se para a Escola Secundária de Barcelinhos, onde estudou ciências e tecnologias até ao 12º ano.
Em 2006, entrou no curso de Economia na Escola de Economia e Gestão da UM. “Vesti a camisola da universidade e não a tirei mais”, enfatiza. Na academia minhota completou o Mestrado e Doutoramento na mesma área de estudo.
“O primeiro contacto com investigação foi no último ano da Licenciatura e como docente convidada no último ano do Mestrado. Gostei tanto de investigar e lecionar que até hoje é o que faço e mais gosto de fazer”, destaca.
A tese de Doutoramento de Susana Campos-Martins centrou-se em “modelos econométricos de volatilidade não estacionária e de co-movimentos entre volatilidades”.
Nessa fase, participou em vários eventos internacionais onde conheceu investigadores de todo o mundo na área de Economia e teve a oportunidade de visitar a Universidade de Londres e a Universidade de Florença.
No último ano do Doutoramento, o professor e investigador Robert F. Engle, vencedor do Prémio Nobel de Economia em 2003, convidou-a para visitar a Universidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América, e colaborar com ele num novo projeto.
“Ambos queríamos desenvolver um novo modelo de co-movimentos nas volatilidades de ativos financeiros e daí surgiu o modelo de volatilidade geopolítica que estamos a desenvolver. Esta colaboração é, sem dúvida, um dos pontos mais altos da minha carreira académica”, refere a investigadora, acrescentando que “o encorajamento da [sua] orientadora, Cristina Amado, e o apoio da Escola de Economia e Gestão foram determinantes para o [seu] sucesso”.
“Estou-lhes muito grata por isso”, reforça.
Oxford “foi como ter recebido a carta de aceitação para Hogwarts”
No final de 2018, Susana Campos-Martins estava ainda em Nova Iorque, a terminar o Doutoramento e a submeter candidaturas para ofertas de trabalho. Uma dessas candidaturas foi para uma posição como investigador de pós-doutoramento no Nuffield College da Universidade de Oxford.
“Seria então para trabalhar em Econometria e Alterações Climáticas com o David Hendry. Convidou-me para uma entrevista por videochamada e deve ter gostado porque uns dias depois recebi a oferta de trabalho”, lembra, recorrendo ao universo dos livros mágicos de Harry Potter para explicar o que sentiu.
“Para mim foi como ter recebido finalmente a minha carta de aceitação para Hogwarts. A Universidade de Oxford e a própria cidade têm um ambiente fantástico: jovem, dinâmico, estimulante e cativante”, descreve.
Artigo publicado no Financial Times
No dia 21 de maio, a académica barcelense publicou no Financial Times um artigo sobre o impacto da declaração de pandemia da covid-19 pela OMS nos mercados financeiros.
“Verificámos que para um painel de 32 índices de dívida soberana à volta do mundo, dois dos maiores choques geopolíticos nas volatilidades da amostra (1989-2020) ocorreram nos dias 9 e 12 de março do presente ano”, começa por explicar, acrescentando que “o primeiro corresponde à imposição do confinamento obrigatório em Itália e o segundo acontece no seguimento do anúncio da pandemia pela OMS na tarde (hora local) do dia 11 de março e do discurso do Presidente Donald Trump a partir da Sala Oval no final da tarde (hora local)”.
“Em ambos os casos, as volatilidades das rendibilidades dos índices de dívida soberana estiveram todas muito acima da média, o que significa um vasto impacto nos mercados financeiros”, regista.
“É interessante e até intrigante ver que as recomendações da OMS anteriores à declaração da pandemia foram, em geral, ignoradas tantos pelos governos como pelos mercados financeiros. Daí que a OMS tenha justificado a declaração de pandemia com não apenas níveis alarmantes de propagação do vírus mas também inação. Apenas a declaração da pandemia parece ter tido um vasto impacto nos mercados a nível global de acordo com o nosso modelo”, analisa o estudo, concluindo que se a pandemia tivesse sido declarada “mais cedo, como alguns defendem, poderia ter sido um falso alarme e resultado numa desnecessária disrupção dos mercados”.
“Decisões a tomar pela OMS desta dimensão e natureza geopolítica merecem consideração cuidada e cautela”, acentua.
Contração da economia pós-pandemia é certa, falta saber a magnitude e duração
Questionada por O MINHO se já é possível prever o impacto da pandemia na economia mundial, Susana Campos-Martins antecipa que, “apesar de a contração ser certa, a sua magnitude e duração são ainda muito incertas”.
“Ainda que outras crises, como a crise financeira global de 2008, tenham permitido aos economistas aprender e melhorar os seus modelos macroeconómicos de previsão e o impacto de medidas de política menos convencionais, este é um período de grande incerteza”, avalia.
“Já verificámos uma contração da economia global. Se pensarmos, por exemplo, na diminuição drástica do número de voos ou nos países onde o turismo representa uma fração importante do seu rendimento, logo percebemos o impacto na economia global. É de esperar um abrandamento dos fluxos de pessoas, comércio e capitais. Mas note-se que a pandemia veio apenas impulsionar a desglobalização que já acontecia devido a choques geopolíticos como o referendo que aprovou a saída do Reino Unido da União Europeia ou as guerras comerciais entre países como os Estados Unidos e a China”, considera a investigadora, que está também a colaborar com Robert Engle, na Universidade de Nova Iorque, no modelo de volatilidade geopolítica que serviu de base para a publicação no Financial Times.
“Por volatilidade geopolítica entendemos movimentos simultâneos e de forte correlação nas rendibilidades de um grande número de ativos financeiros decorrentes de eventos geopolíticos. Brevemente o nosso índice de volatilidade geopolítica estará disponível online e será atualizado diariamente no website do Instituto da Volatilidade”, afirma.
Na Universidade de Oxford está a trabalhar em Econometria para as Alterações Climáticas com o grupo Climate Econometrics no Nuffield College.
“Este projeto tem como objetivo desenvolver modelos e ferramentas que nos ajudem a perceber o impacto da atividade humana nas alterações climáticas e vice-versa. Em particular, estou a investigar com o David Hendry como notícias sobre alterações climáticas afetam as volatilidades das rendibilidades de ações das maiores empresas de petróleo e gás no mundo. Notícias relacionadas com alterações climáticas fazem mover as rendibilidades destes ativos, o que significa que os investidores estão já a reagir ao risco de transição para economias mais limpas e, portanto, menos dependentes de combustíveis fósseis”, conclui.