Escrito em Janeiro de 2013
Fomos crianças de sorriso fácil.
Éramos seres imortais, voávamos e viajávamos no tempo, se quiséssemos.
Lembro-me de desejar uma varinha mágica no Natal (a das fadas), mas não da desculpa que os meus pais me deram para não a receber;na semana a seguir ao Natal corria pelo recreio da escola com a minha varinha imaginária na mão, dotada de fantásticos poderes mágicos.
Os dias eram todos bonitos, o acordar o momento do despertar de energias e brincadeiras, a hora de deitar uma contrariedade vencida pelo sono e ao som do embalar da música do Vitinho.
A televisão era a preto e branco e a curta hora dos desenhos animados sagrada, assim como a das novelas brasileiras, acompanhadas por toda a família. Programas de máxima audiência eram o Festival da canção e os Jogos sem Fronteiras, momentos inigualáveis de convívio entre pais e filhos.
As vidas eram simples, sem a parafernália dos gadgets informáticos e telefónicos, vibrávamos com trituradoras Moulinex, iogurteiras e walkmans.
O telefone era grande, preto e sisudo, com um toque seco de triiim, que não dava para alterar.
Lembro-me com 5 anos ter medo de falar pelo bucal, achava sinistro ouvir vozes do outro lado sem ver as pessoas.Só comecei a atender telefonemas pelos 8 anos…
Fomos crianças cheias de sonhos mágicos e momentos felizes em família, sem qualquer apreço pelo valor do dinheiro. Bastava-nos a satisfação das necessidades básicas, o carinho dos pais e avós, as brincadeiras de irmãos ou amiguinhos, amizades eternas em curtas quinzenas de praia no verão.
Brincávamos na rua nessas longas férias de verão, em bicicletas e patins em linha, ou macacas improvisadas e escondidinhas em grandes grupos em que nunca se percebia quem ganhava.
As estações do ano sucediam-se marcadas por rituais próprios e importantes aguardados com expetativa: o Carnaval e a fatiota inventada com a roupa dos grandes, a Páscoa e as solenidades próprias, algumas procissões assustadoras com o negrume e o som assustador dos farricocos, o domingo de foguetes, beijar a cruz e pão-de-ló até abarrotar, as férias grandes, o início das aulas com o cheiro a cadernos novos e a excitação pelo reencontro com os colegas, o cair da folha e os magustos a antecipar a magia do Natal.
Os aniversários dos vários elementos da família sempre comemorados a preceito com um simples bolo muitas velas e palmas.
Recordo agora uma canção que a minha mãe gostava de cantar, e a qual eu não entendia, -…a primavera vai e volta sempre, a mocidade vai e não volta mais… – porque agora estou do outro lado do olhar, sou eu a dona dos olhos nostálgicos e da fininha sensação de aperto no peito, onde guardo tudo isto e mais, esforçando-me por transmitir as mesmas sensações aos meus filhos que são agora crianças e constroem as suas próprias memórias.
Também eles têm sorriso fácil e sonhos mágicos, em que a morte é um sono com regresso e os dias são bonitos. E apesar da crise- que também as houve no tempo dos nossos pais-, mantêm o brilho nos olhos, a energia do acordar nas manhãs e a birrinha à hora de deitar para não acabarem as brincadeiras, facilmente vencida pela história ao deitar e pelo quentinho dos lençois, aconchegado pelas mãos da mãe…