Cristiana Oliveira é a soprano portuguesa de momento. Natural de Braga, a cantora lírica já actuou nos palcos de óperas conceituadas na Europa como cabeça de cartaz interpretando papéis emblemáticos em ‘La Bohéme’ ou ‘La Traviata’. A nova temporada que se inicia em breve, vai trazê-la, com mais regularidade, a Portugal e Braga poderá ser um dos destinos.
“Aqui em Braga temos tudo: sala de espectáculos com fosso, acústica e condições óptimas para a ópera mas não se faz nada”. Pode ser que agora as coisas mudem.
O sonho de ‘criança’ de Cristiana era ser pianista. Vinda de uma família de músicos, entrou no Conservatório em Braga para estudar piano e violino. Nunca achou ‘muita piada’ ao canto mas sempre que a ouviam cantar incentivavam-na a continuar. Até que o barítono Oliveira Lopes ouviu um recital e no final lhe disse para estudar e se concentrar no canto.
Não muito convencida, Cristiana não fechou a garganta, foi mantendo o violino e o canto funcionava como um ‘hobbie’. “Foi tudo muito depressa”. Depois da licenciatura em educação, na variante de música, em Viana do Castelo, entra no curso superior de canto no Instituto Piaget, “ainda não muito convencida”.
“No segundo ano concorro ao concurso de canto da ESMAE e passei à final”. Tinha apenas dois anos de aprendizagem. No ano seguinte consegue uma menção honrosa num concurso no Luísa Todi, em Setúbal, com uma ária de ‘La Bohéme’ e o destino fez das suas.
Escrito nas estrelas
Os vencedores do Luísa Todi tinham como ‘prémio’ cantar com orquestra no São Carlos. Cristiana ficava assim de fora. No entanto, um telefonema haveria de mudar tudo. Um dos elementos do júri informou-a que não tinha havido unanimidade e por isso, convidava-a a atuar no S. Carlos. “Foi a minha primeira vez com uma orquestra”.
No entanto, o grande impulso haveria de aparecer no concurso interpretativo do Estoril, em 2012, o maior do género em Portugal e com uma particularidade: “todos concorrem uns com os outros, isto é, a voz pode concorrer com um violino ou um violino pode concorrer com um clarinete. Torna tudo mais difícil”.
E Cristiana ganhou! “Para além do prémio monetário que era considerável, abriu-me as portas em Portugal porque quase todos os maestros do país estão na avaliação. Permitiu-me fazer concertos com essas orquestras”.
La Traviata
Sempre a querer aprofundar o conhecimento e a técnica vocal, a soprano bracarense, com o dinheiro ganho, vai fazer mais formação, em Barcelona, especificamente para ‘La Traviata’.
Fica no primeiro elenco e percorre os teatros espanhóis a interpretar Violeta.
Recebe um convite de Ferreira Lobo, uma referência na área, para ser a voz principal da ópera de Verdi no Coliseu do Porto. E volta a estrelinha a brilhar. “Na plateia estava uma encenadora italiana ligada ao Gianluigi Gelmetti que me convidou para fazer uma audição”. Gelmetti é só uma das referências mundiais: para além de ter dirigido a primeira orquestra aos 16 anos é o maestro chefe do Teatro da Ópera de Roma.
“Fiz uma audição e ele foi extremamente severo. Fiquei com a ideia que tinha tanto para aprender e sem hipóteses de entrar no elenco”. Estava enganada. O conceituado maestro dá-lhe o papel principal de Magda em “La Rondine” de Puccini. Foi no Natal de 2017. Após as primeiras actuações acontece algo raro e inusitado. “O próprio teatro pede-me para continuar após o final da temporada”.
E aqui que se dá o ‘boom’. “Em Itália vêem a ópera como nós o futebol. Tratam-nos como vedetas e verdadeiros artistas e até, isso, para mim, foi uma aprendizagem”. A verdade é que santos da casa não fazem milagres e só depois do sucesso internacional é que Cristiana começa a representar em Portugal.
Nova temporada
Com as férias a acabar, e por intermédio de duas agentes, uma alemã e outra inglesa, vai interpretar a partir de novembro, em Helsínquia, ‘La Bohéme’ e depois em fevereiro, em Wissebader, ‘O Trovador’ de Verdi para o qual terá ensaios intensos e pormenorizados. Serão 10 récitas por semana.
Portugal entra no roteiro com a representação de ‘Madame Butterfly” com a Orquestra Música do Património, no Teatro de Leiria e irá incluir o primeiro elenco português que abrirá a temporada no Teatro Nacional de São Carlos com a ‘Força do Destino’ de Verdi e com a Orquestra Nacional.
Trabalho pessoal
As óperas são, geralmente, muito longas, com muito tempo em palco. “Não usamos microfones e, por isso, é preciso uma preparação física muito grande, para além de conhecer muito bem o papel”.
O controlo de respiração, o trabalho vocal com trabalho específico voltado para a parte respiratória bem como a especial atenção a não frequência de locais sem fumo estão entre os segredos de Cristiana Oliveira para manter a voz em grande nível.
“Com a técnica no sítio, vocalmente não há cansaço”, revela para acrescentar que já fisicamente “perco entre 4 a 6 quilos, a comer bem, entre os ensaios e as récitas”. Outra das particularidades da soprano passa por ‘ligar’ a partitura à história da ópera, no fundo, “pôr-me no estado de espírito da personagem e da sua época”, o que requer muito estudo.
“Começo a estudar uma ópera com dois anos de antecedência. Este ano, já sei quais serão as óperas que irei fazer na próxima temporada, na sua generalidade, e por isso, posso ir estudando em função do calendário”. Para Cristiana Oliveira, não é nenhum sacrifício: “adoro estudar e tenha facilidade em estudar no avião, no comboio”. Aliás, fez o Braga/Porto, de comboio, na altura, da Universidade, a estudar.
Ensaios
A preparação para uma ópera divide-se em várias partes: a começar, a soprano bracarense estuda sozinha não só as partituras mas todo o ambiente à volta. Depois junta-se a um pianista para a parte mais técnica, (ensaios feito no Porto com o professor Jaime Mota e com a professora Palmira Troufa) e finalmente, há os ensaios de cena, já com encenador, para se fazerem as marcações e na semana antes da estreia junta-se a orquestra. “Normalmente, os ensaios de cena são feitos numa academia de bailado e depois na recta final antes da estreia é que passamos para o anfiteatro, para retocar os pormenores”.
Estado da ópera em Portugal
“Estamos a melhorar”. É a primeira constatação de Cristiana Oliveira sobre a realidade deste tipo de música no nosso país. “Reconheço que tem sido feito um esforço para haver investimento na ópera, há mais músicos, há mais cantores é pena não haver mais receitas” e não é por falta de interesse do público.
“Há um aumento do número de músicos, há orquestras com elevadíssima qualidade, há melhores cantores e há cantores portugueses a fazerem carreira internacional sonhando em cantar em Portugal”. O que falta então? “Portugal só tem um teatro de ópera, o São Carlos e é em Lisboa. E quanto mais longe estiver mais difícil é chegar ao povo”.
Cristiana Oliveira destaca, no entanto, o trabalho tanto da Orquestra Filarmónica portuguesa através do maestro Ferreira Lobo, que “está a fazer um trabalho de descentralização muito importante e interessante”, através do projecto ‘Ópera no Património’. Já fizeram concertos em Foz Coa, em Pinhel, com “casas a abarrotar”.
“É sinal que o público desses lugares quer ouvir ópera, tem interesse em ouvir ópera e portanto, cabe às instâncias públicas providenciar essa descentralização”, finaliza a soprano na recta final das férias.
A nova temporada está aí e os bracarenses poderão ouvir a ‘sua’ soprano mais para meados do próximo ano.