Crianças e jovens em perigo precisam de mais famílias de acolhimento no distrito de Braga

Ângela Glória, psicóloga da Associação para o Desenvolvimento das Comunidades Locais, em entrevista
Foto: Rui Dias / O MINHO

Ângela Glória é a psicóloga responsável, na Associação para o Desenvolvimento das Comunidades Locais (ADCL), pela nova resposta social de Acolhimento Familiar de Crianças e Jovens. A associação, com sede em Creixomil, Guimarães, acaba de estabelecer um acordo com a Segurança Social para colaborar na identificação de famílias de acolhimento que apresentem características que melhor correspondam às necessidades específicas de cada criança ou jovem e processar os processos de candidatura.

A quem se destina a medida de proteção de Acolhimento Familiar? É sempre para jovens ou pode ser para outras pessoas?

Esta resposta destina-se a crianças e jovens em situação de perigo, que tenham determinada uma medida de promoção e proteção com esta resposta. Trata-se da colocação da criança ou jovem num meio familiar afetuoso e seguro, que garanta o seu pleno desenvolvimento.

O acolhimento familiar destina-se a crianças e jovens dos zero aos 18 anos. A lei prevê a priorização do acolhimento de crianças até aos seis anos.

Os estudos demonstram que é neste período que se estabelecem laços de vinculação, que se pretendem seguros. Ao ser acolhida num ambiente familiar estável, terá oportunidade de se desenvolver de forma saudável, harmoniosa e plena. É nos primeiros anos da nossa vida que se estabelecem as bases para o desenvolvimento emocional, moral e intelectual. Não quero com isto dizer que nos anos seguintes as crianças ou jovens não o farão, somente existe uma probabilidade de sucesso que se vai reduzindo como passar dos anos.

São crianças ou jovens numa “imediata situação de perigo atual ou iminente para a vida ou de grave comprometimento da integridade física ou psíquica”

Quem decreta esta medida?

Esta medida é aplicada pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) ou Pelo Tribunal. É importante ressalvar que existem dois tipos de integração em família de acolhimento, a integração planeada e a que tem caráter urgente. Esta, pressupõe a retirada imediata numa situação de perigo atual ou iminente para a vida ou de grave comprometimento da integridade física ou psíquica da criança ou do jovem.

A integração planeada permite que exista toda uma preparação prévia da criança ou do jovem, da família de origem e da Família de Acolhimento.

Trabalhamos em estreita articulação e de forma colaborativa com o Gestor de Processo (Técnico nomeado pela CPCJ ou pelas as equipas específicas designadas pelo Tribunal, neste caso as Equipas Multidisciplinares de Assessoria aos Tribunais, conhecidas por EMAT). Além desta, existe o trabalho colaborativo com outras entidades, como por exemplo a Saúde e a Educação.

Qual é o papel da ADCL no processo?

A ADCL viu-se consagrada como Instituição de Enquadramento em setembro do ano transato. É nossa responsabilidade todo o processo de candidatura, seleção, formação, avaliação e reconhecimento/certificação das famílias de acolhimento.
Colaboramos também com a equipa de gestão de vagas da Segurança Social na identificação da família de acolhimento que apresente características que melhor correspondam às necessidades específicas das crianças ou jovens a acolher, temos de ter em consideração que a família de acolhimento não é uma vaga, mas sim um perfil, e deverá haver um matching harmonioso entre as caraterísticas de uma determina da família e de uma determinada criança.
Fazemos também, todo o apoio prestado à família de acolhimento e à criança ou jovem, no processo de integração e durante o período de acolhimento.

Quem pode candidatar-se? Há uma tipologia de família ou todas são elegíveis (por exemplo, casais homossexuais ou famílias monoparentais)?

A legislação que estabelece o regime de execução do acolhimento familiar é clara nos requisitos de candidatura a Família de Acolhimento. E família pode ter e tem diversas tipologias. Podem candidatar-se pessoas singulares; pessoas casadas entre si ou que vivam em união de facto ou duas ou mais pessoas ligadas por laços de parentesco e que vivam em comunhão de mesa e habitação. Quando a candidatura é plural, como é o caso destes dois últimos, um dos elementos da família de acolhimento é o responsável pelo acolhimento familiar.

A Família de Acolhimento não pode ter qualquer relação de parentesco com a criança ou jovem. Além dos requisitos anteriormente descritos, existe toda uma check list a ser cumprida, nomeadamente, o responsável deve ter idade superior a 25 anos; não pode ser candidato à adoção; tem que ter condições de saúde física e mental; deve possuir as condições de habitabilidade, higiene e segurança, entre outros que lhe permitam exercer o Acolhimento Familiar com idoneidade.

É importante relembrar que se pretende assegurar o direito basilar da criança crescer e pertencer a uma familia, que cuide, que a ame e que lhe permita desenvolver-se num todo de forma harmoniosa e segura.

Menos de 4% das crianças e jovens estão integrados em famílias de acolhimento

Há famílias de acolhimento suficientes para as necessidades em Portugal? Se não, quantas faltam?

Os dados que dispomos referem-se ao ano de 2021, disponíveis no Relatório Casa. Do número total de crianças e jovens em acolhimento, e a nível nacional falamos de 6.369 crianças, 96,5% encontravam-se em acolhimento residencial e 3,5% estavam integrados em famílias de acolhimento. Contudo, urge reverter ou diminuir esta diferença, pretende-se aumentar as taxas de recurso a esta medida, incentivar a adesão de mais famílias e implementar uma estratégia integrada de desinstitucionalização das medidas de proteção de crianças e jovens.

O número de famílias certificadas para acolher é muito reduzido, contudo acreditamos no altruísmo das famílias do distrito e estamos certas que este número irá aumentar exponencialmente em prol das nossas crianças que vivem situações difíceis e que precisam de um colo seguro

Qual é a situação do distrito de Braga? Já há famílias de acolhimento? Quantas?

Existem algumas famílias de Acolhimento no distrito de Braga, o que muito valorizamos. Contudo, os números mostram-nos que a Medida de Acolhimento Familiar tem uma representatividade pouco expressiva. O Relatório Casa 2021 mostra que estiveram acolhidas, seja em acolhimento residencial ou familiar, nesse ano 406 crianças, representando 6% do panorama nacional, e que, nesse mesmo ano, 15 famílias do nosso distrito acolheram crianças ou jovens nas suas casas.

A família de acolhimento recebe algum tipo de apoio do Estado?

No âmbito da execução desta medida, e enquanto a criança ou o jovem estiverem acolhidos, estão previstos apoio de natureza pecuniária, psicopedagógica e social. Este apoio pecuniário consiste num subsídio mensal a receber pela família de acolhimento e visa assegurar os cuidados a prestar à criança ou jovem. Usufrui ainda de benefícios fiscais e direitos laborais (Por exemplo, direito a licença parental inicial, no caso de acolher uma criança até um ano, ou a faltas assistência à criança ou jovem. Deverá, também, requerer às entidades competentes os apoios que a criança ou jovem tenha direito.

Como funciona o processo? O que é que uma família tem que fazer para se candidatar?

Para se candidatar deverão entrar em contacto com o nosso serviço através dos canais disponíveis, seja por email, contacto telefónico ou presencialmente nas nossas instalações. O processo tem várias etapas, permitindo também há família refletir em diversos momentos.

Após a manifestação de interesse, haverá a participação numa sessão informativa, permitindo que as suas dúvidas sejam esclarecidas. Segue-se a candidatura e nesse ponto será dada Formação Inicial e existirá uma avaliação Técnica. Caso estejam reunidas as condições necessárias, será emitido o Certificado de Família de Acolhimento. A partir deste momento, constarão na bolsa de Famílias de Acolhimento.

O que é que acontece a estas crianças a médio e longo prazo? Voltam às famílias ou são adotadas?

Esta medida assenta em dois pilares fundamentais, no que à temporalidade diz respeito. É muito importante que partamos do principio, e que as famílias estejam capacitadas, que esta é uma medida transitória e limitada no tempo, quanto? Dependerá da definição do Plano de Vida da Criança ou Jovem acolhidos. E é este Plano que definirá o percurso a curto, médio ou longo prazo.

O objetivo primordial é que exista o retorno à sua família, se assim existirem as condições necessárias e a situação ou situações que decretaram a medida estejam sanadas, ou que seja aplicada uma medida de proteção em meio natural de vida, como a confiança a familiar acolhedor ou a pessoa idónea, quando existam condições para o estabelecimento de uma relação de afetividade recíproca.

No caso de não ser possível esta solução, a legislação prevê a preparação da criança ou do jovem para as medidas de autonomia de vida, de confiança a família de acolhimento com vista a adoção (por família adotante) ou apadrinhamento civil.

As famílias de acolhimento não podem ser candidatas a adoção

A família de acolhimento pode adotar?

A legislação atual não prevê a adoção pela Família de Acolhimento. É também requisito obrigatório no processo de candidatura que a família não seja candidata à adoção.

Como é que a família lida com a perda, no momento em que o período de acolhimento termina?

Existe um processo de luto que deve ser respeitado, há efetivamente uma perda de alguém de quem a Família de Acolhimento amou, protegeu e cuidou durante um determinado período. A nossa intervenção não termina com a saída da criança, a Família de Acolhimento contará com o nosso apoio e com o nosso suporte. Como é uma medida temporal, a Família já tem esse conhecimento, já sabe que será limitado e que a criança ou o jovem terão que partir, existe sempre esta preparação. Em termos idílicos, e que a experiência já vem demonstrando, é que estas Famílias continuam a fazer parte da vida das crianças ou dos jovens. Pretende-se que não exista um corte radical que não é de todo benéfico para a criança.

Mas é importante, mais do que o foco na perda, o foco na diferença que fez na vida de uma criança durante aquele período. Como de forma totalmente altruísta se centrou, não no medo da perda ou paralisada porque vai sofrer, mas manteve o seu foco no bem-estar, na afetividade reciproca, na construção de um futuro de alguém que precisou de si em determinado momento e na gratificação emocional que obteve.

 
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