Em 1967, Joaquim Alves Salgado andava a “cortar bilhetes” na João Ferreira das Neves Transportes, mais tarde, em 1972, passou para a Abílio da Costa Moreira. Foi cobrador, fiscal e escalador. Aprendeu na tarimba os segredos do negócio e aos poucos foi correndo riscos por conta própria. Começou como organizador de excursões. O filho, Fernando Salgado, hoje CEO da Vale do Ave Transportes, lembra-se desse tempo, “em que o pai chegava a ir para Tui com 30 autocarros”.
Em 1991, o mercado do transporte de passageiros não estava ainda liberalizado. Joaquim Salgado começou por abrir a Agência de Turismo Vale do Ave, permitia-lhe aproveitar a experiência que tinha como organizador de viagens, ao mesmo tempo adquiriu o primeiro autocarro que trabalhava para a agência, fazendo transporte ocasional. Apesar da família Salgado ser de Serzedelo, o patriarca explica porque é que situou a agência em Riba de Ave: “Na altura não havia ali nenhuma agência, nem em Pevidém e eram zonas com uma indústria importante, Riba de Ave tinha até hospital e as pessoas tinham de ir a Guimarães ou a Famalicão. Foi uma oportunidade”. O objetivo já era entrar no negócio do transporte público, mas naquele tempo o mercado estava muito fechado e não era fácil obter as concessões.
Nos primeiros anos a empresa tinha mais dois sócios, mas chegados a 1994, Joaquim Salgado tinha adquirido a totalidade do capital da empresa. Dali em diante seria só ele. Até 2004, a Vale do Ave expandiu a sua atividade a todo o país e aumentou a sua frota para 19 autocarros.

O ano 2000 marcou a entrada de uma segunda geração na empresa, com a chegada de Fernando Salgado, filho do fundador e atual CEO da empresa. A primeira década do século XX correspondeu a um período de grande investimento na Vale do Ave. Em 2014, a frota da empresa atingiu a 40 viaturas.
O crescimento do negócio obrigou, a partir de 2015, à criação de três empresas distintas, cada uma delas responsável por um segmento de negócio: a Vale do Ave Transportes, empresa dedicada ao transporte de passageiros em autocarro; a Agência de Viagens Vale do Ave, dedicada à organização de passeios Turísticos, reservas de viagens e pacotes de férias; e a VA Tour Operador Turístico, organizadora de viagens e operador turístico, líder de mercado nas costas Espanholas.
Desde 2012 que, apesar de continuar como uma empresa familiar, a Vale do Ave começou a traçar o caminho da internacionalização. Foi feita uma aposta muito grande em mercados como os EUA, Brasil, China, Coreia do Sul, Japão, Singapura, Malásia e Índia. A empresa chegou a 2019 (o último ano de funcionamento normal, antes da pandemia) com 55% do seu volume de faturação a vir da operação internacional.
O grupo fechou o ano de 2019 com 80 autocarros, 100 colaboradores e 9,7 milhões de euros de faturação
Esta é uma das razões que fazem com que Fernando Salgado tenha algum cuidado quando faz projeções para o futuro da empresa. “Estamos muito dependentes do turismo e o turismo está muito dependente do retomar da normalidade no setor da aviação”, afirma. O grupo fechou o ano de 2019 com 80 autocarros, 100 colaboradores e 9,7 milhões de euros de faturação. Mesmo num clima de incerteza, Fernando Salgado avança com uma previsão de 18 milhões de euros em 2022.
Atualmente, o parque de viaturas da Vale do Ave está cheio, os autocarros alinham-se parados à espera de melhores dias. O único movimento que se identifica é o de um autocarro dos Transportes Urbanos de Coimbra que ali chega para fazer uma reparação de motor. “A manutenção para outras empresas é uma atividade secundária da empresa que também fazemos porque as nossas instalações o permitem”, explica Fernando Salgado.

Em 2017, face ao crescimento verificado, a Vale do Ave fez um investimento de cerca de dois milhões de euros na nova sede, localizada em Serzedelo, Guimarães. Instalações modernas, com parque, máquina de lavagem de autocarros, bomba de combustível, oficina de mecânica, chaparia e pintura e escritórios. Face a nova concessão de transporte público rodoviário de passageiros de Guimarães, já está previsto o alargamento deste parque. Trata-se de albergar 80 novas viaturas a juntar às 80 que atualmente constituem a frota da empresa. “Em condições normais os autocarros não estão aqui todos, alguns ficam no fim de linha, outros ficarão num novo parque a criar numa zona a definir, para os lados de São Torcato ou dos Taipas, mesmo assim precisamos de mais espaço”, adianta Fernando Salgado.
Desde sempre com o transporte público como parte da visão da empresa, a partir de 2015, na sequência da promulgação da Lei 52/2015, o Grupo Vale do Ave preparou-se para responder ao processo de contratualização das redes de transporte coletivo em Portugal.
Recentemente, esse processo começou a dar os seus primeiros frutos. Em Guimarães, onde a empresa venceu sozinha o concurso público internacional para a concessão do transporte público de passageiros e em Amarante, onde a Vale do Ave integra o consórcio vencedor da concessão de transportes públicos para os próximos cinco anos, com uma quota de 50%. A empresa tem também uma participação, embora com uma quota de apenas 3,5%, no consórcio (liderado pela Transdev) que venceu o concurso para o serviço público de transporte de passageiros da Comunidade Intermunicipal do Vale do Ave.
Fernando Salgado rejeita as acusações que têm sido feitas à empresa de falta de estrutura para enfrentar o desafio da concessão de transporte público em Guimarães. “Pelo contrário, somos uma empresa sólida, investimos ao longo dos anos em instalações e na frota. A nossa frota tem uma idade média inferior a cinco anos”, sublinha Fernando Salgado. O CEO destaca esta postura da empresa face a outras que estão no mercado sem comprar um autocarro novo há mais de 10 anos.
Para cumprir o contrato do serviço público de transportes de Guimarães, a Guimabus – empresa criada para explorar a concessão – terá de adquirir 80 autocarros: 12 elétricos de 12 metros, sete mini-bus elétricos, 26 autocarros a gasóleo de 12 metros novos e 32 autocarros de 12 metros usados. Isto corresponde a um investimento inicial de 13 milhões de euros a que se juntam mais dois milhões ao longo dos 10 anos que dura a concessão.

Em qualquer caso, o contrato estipula que a idade média máxima da frota não poderá ultrapassar os 10 anos e que a idade máxima de qualquer dos autocarros não pode ser maior que 16 anos.
A Vale do Ave venceu o concurso público, em Guimarães, apresentando um valor de 15.105.766,94 euros. Este valor é metade da base proposta para o concurso, 30.905.319,00 euros, o que constituiu motivo de críticas, nomeadamente relativas à capacidade de a empresa realizar o serviço por aquele valor. Fernando Salgado responde com tranquilidade a estas críticas: “O valor da compensação pelo serviço público é praticamente todo para investir na frota, 15 milhões ao longo dos 10 anos, é na bilhética que vamos assentar a solidez da operação”.
A faturação estimada para a Guimabus é de 76.500.000,00 euros. “Nós estamos nisto para ganhar passageiros. Cada um faz as suas contas”, atira Fernando Salgado. É uma resposta a quem afirma que os grandes grupos internacionais não se interessaram pelo concurso. O CEO da Vale do Ave lembra que a Next Continental (uma das empresas que se apresentou ao concurso, com um valor de 24 milhões de euros) pertence ao Grupo Alsa, um dos maiores da Europa no ramo e que a Empresa de Transportes Gondomarense ( que também vei ao concurso da concessão em Guimarães), “tem uma enorme operação e uma longa experiência de transportes públicos no Brasil”.
Relativamente à forma como a operação de vai desenrolar em Guimarães, a Vale do Ave promete uma revolução na forma como é feita a comunicação com os clientes. Desde logo a bilhética vai ser desmaterializada, através de uma aplicação que os utentes poderão descarregar para o telefone. Essa aplicação servirá para mais do que comprar títulos de transporte, a empresa pretende que seja um canal de comunicação com duas vias. O cliente pode, por exemplo, apresentar uma reclamação, mas pode também, em tempo real, saber quanto tempo falta para chegar a autocarro que vai apanhar.
A Vale do Ave compromete-se a colocar horários em todas as paragens e alargar a venda de títulos e de passes a todo o concelho, através de um protocolo com uma rede que está em fase final de negociação.
Janeiro para iniciar explicação da concessão
Fernando Salgado aponta o mês de janeiro de 2022 como o mais provável para a Guimabus começar a explorar a concessão e rejeita qualquer responsabilidade da empresa no atraso do arranque da operação. Recorde-se que o atual contrato de concessão, com a Arriva, termina em março e que a Câmara de Guimarães já se viu obrigada a fazer novo contrato com a empresa para alargar a operação, numa primeira fase até 31 de julho. Com a possibilidade de ser prorrogado até 31 de dezembro. Este contrato com a Arriva, caso venha a ser executado na sua totalidade, custará ao Município 2,7 milhões de euros.

A adjudicação da concessão à Vale do Ave foi feita a 02 de outubro de 2020, no mesmo dia, a empresa prestou a garantia bancária de 755 mil euros. Entre outubro e janeiro de 2021, “foram entregues todos os esclarecimentos solicitados pelo município nomeadamente o envio do plano de negócios da concessão”. O contrato entre a Câmara de Guimarães e a Guimabus acabaria por ser assinado no dia 2 de fevereiro e aguarda agora o visto prévio do tribunal de contas, indispensável para contratos públicos de aquisição de bens e serviços superiores a 750 mil euros.
Depois de obter o visto do Tribunal de Contas o Município deve notificar a Guimabus que terá, a partir dessa data, de quatro a nove meses para iniciar a operação, devendo comunicar ao município de Guimarães no prazo de um mês a data de início da operação.
Segundo Fernando Salgado, tudo estará pronto em janeiro de 2022, com a chegada prevista dos autocarros elétricos para o mês de novembro. A Guimbus vai empregar 128 colaboradores. Não há nenhum acordo formal para a empresa absorver os desempregados gerados pela saída da Arriva do mercado vimaranense, mas a Vale do Ave reconhece que a experiência destes profissionais será um fator importante a ter em conta no processo de recrutamento.
Entretanto, nas oficinas da empresa, um funcionário vai pintando diversos segmentos de um autocarro com diferentes tons de verde que poderão vir a ser usados nos futuros autocarros dos TUG. O processo já está em marcha.