Cidadão de Braga pediu libertação imediata de multimilionário de Vieira do Minho

Armando Pereira. Foto: DR / Arquivo

Um cidadão de Braga, Fischer Cruz, requereu um habeas corpus no Caso Altice, da Operação Picoas, por alegado excesso de detenção. Os arguidos estiveram detidos 10 dias até conhecerem as suas medidas de coação.

Embora o habeas corpus tenha sido rejeitado porque, entretanto, as medidas coativas acabaram por ser proferidas logo no dia do requerimento, dois dias antes da data que fora anunciada, levou, no entanto, a confissões curiosas do juiz Carlos Alexandre, quando foi interpelado, a propósito, pelo Supremo Tribunal de Justiça.

O juiz de instrução, Carlos Alexandre afirmou estar “um pouco exausto”, aquando dos interrogatórios e medidas de coação do processo da Altice, porque nesses mesmos dias proferiu um total de 130 despachos, incluindo o do grupo de imigração ilegal desmantelado pela Polícia Judiciária, com seis detidos, tratando-se também de um caso de criminalidade altamente organizada.

Fischer Cruz. Foto: Joaquim Gomes / O MINHO

Carlos Alexandre não fez interrogatórios por “exaustão física”

O magistrado admitiu que no fim de semana de 22 e 23 de julho, após a “Operação Picoas”, tomou a decisão de “não levar a cabo interrogatórios, no sábado e no domingo, por razões de exaustão física, a avaliar por quem de direito”, aduzindo que a greve dos funcionários judiciais, mesmo com arguidos detidos, fora das horas de expediente, dificultou o caso.

Essas e outras revelações de Carlos Alexandre constam da resposta daquele magistrado ao pedido de concessão de habeas corpus a Armando Pereira, multimilionário de Vieira do Minho, o mais velho dos detidos, à data privado da liberdade há dez dias.

O habeas corpus foi colocado por José Miguel Fischer Cruz, de 37 anos, de Braga, porque entendeu “ser este requerimento um imperativo kantiano”.

48 horas para ser presente a juiz

Em causa está a interpretação se o prazo de 48 horas para apresentar qualquer detido a um juiz inclui a decisão das respetivas medidas de coação, ou se esses dois dias são apenas para o arguido ir à presença do juiz e aguardar mais dias pela decisão, o que, segundo Fischer Cruz, “isso não se admite num Estado de Direito”.

O Tribunal Constitucional já se pronunciou a favor desta última tese, de que as 48 horas são apenas para o arguido ser levado à presença do juiz, mas a juíza-conselheira Fernanda Palma fez um voto de vencido nesse acórdão e a questão não é unânime. Para Fischer Cruz, em declarações a O MINHO, “não se resume a questões jurídicas, mas de bom senso, até humanitárias”.

Carlos Alexandre. Foto: Joaquim Gomes / O MINHO

Carlos Alexandre e o magistrado do MP Rosário Teixeira alinham pela tese segundo a qual as 48 horas são só para ir ao juiz, podendo os arguidos continuar detidos, vários dias consecutivos, a aguardar por medidas de coação, como na Operação Picoas, mas Fischer Cruz, com formação jurídica e consultor de escritórios de advocacia, entende “não se justificar tantos dias detidos”.

Carlos Alexandre, que já em setembro passará a juiz-desembargador na Relação de Lisboa, deu razão ao cidadão de Braga que requereu o habeas corpus, dizendo “não ser omnipresente” na ocasião em que acumulou o seu serviço com os turnos das férias, mas Fischer Cruz refere que “os magistrados já conheciam bem o processo antecipadamente, não havia motivos para demoras”.

“Estava de serviço à cidade de Lisboa, tendo proferido, fora das horas de expediente, 128 despachos [além do processo sobre a Altice e o grupo de imigração ilegal desarticulado pela PJ] após as horas dos interrogatórios”, explica o juiz Carlos Alexandre, na resposta que enviou, quando instado a justificar-se, pelo Supremo Tribunal de Justiça, em face do pedido de habeas corpus.

“Não tenho um único dia de baixa”

O juiz diz “embora estar ao momento um pouco exausto, ainda não tenho um único dia de baixa médica, nestes 39 anos de serviço”, revelando também “estar na função pública desde 4 de junho de 1984 e na magistratura desde 1 de outubro de 1985”, mas a questão colocada no habeas corpus era diferente, segundo a qual “há prazos a cumprir e especialmente com os detidos”.

Fischer Cruz requereu ao Supremo Tribunal de Justiça que libertasse Armando Pereira e, por extensão, os outros três detidos no mesmo caso, alegando uma “detenção ilegal”, por terem decorrido já dez dias sem medidas de coação, tendo escolhido Armando Pereira, “só por ser o cidadão mais idoso” e aquele “cuja detenção foi publicada em primeiro lugar”.

“Por questões, desde logo, de economia processual, não fazia qualquer sentido elaborar quatro pedidos de habeas corpus, um para cada arguido, ate porque, se o Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa não se tivesse antecipado dois dias, pois decidiu as medidas de coação logo no dia do meu requerimento, se fosse deferido era extensivo a todos os detidos”, salientou.

“Se o raciocínio do académico” estiver correto, “há milhares de atos judiciais irregulares”

Só que o juiz Carlos Alexandre entende que “se o raciocínio do académico” requerente para a concessão do habeas corpus “for para valer e todo o arguido tiver de ser ouvido dentro das 48 horas, então há milhares de atos judiciais irregulares neste país”, pois o magistrado entende, na prática, não ser sempre possível dar um despacho de medidas de coação num prazo de dois dias.

O requerimento de habeas corpus teve os juízes-conselheiros António Latas seu relator, José Eduardo Sapateiro e Ana Barata Brito como adjuntos, intervindo também o presidente da Secção de Turno, no Supremo Tribunal de Justiça, Paulo Rijo Ferreira, que acabaram por não se pronunciarem sobre a questão de fundo, o alegado excesso dos prazos, por haver depois já as medidas.

Como o requerimento de providência de habeas corpus foi indeferido, desde logo por extemporâneo, porque quando foi alvo de análise, já tinham sido proferidas as medidas de coação, Fischer Cruz foi já intimado para pagar 408 euros de taxa de justiça. E garante: “Já pedi as guias de pagamento e não estou nada arrependido de ter feito o pedido de habeas corpus”.

 
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