A ciclista portuguesa Beatriz Pereira integra a seleção portuguesa sub-23 e juniores que hoje alinha à partida da segunda Volta a Portugal feminina, outro passo numa carreira em que persegue um “sonho”, mas com realismo.
“Eu tenho o sonho e gostava de chegar ao topo do ciclismo. Às vezes, é um bocadinho difícil, a parte de ter calma, como sub-23, porque obviamente tenho 18 anos e compito com profissionais de há muitos anos. Tenho de ter calma, não estou no nível delas, mas não me quero sentar à ‘sombra da bananeira’ e esperar que os resultados cheguem. É esta gestão de expectativas, do que devo ou não aceitar que me aconteça. É normal não acabar uma corrida, não é normal não acabar nenhuma. É precisa muita maturidade emocional”, explica, em entrevista à Lusa.
A jovem natural de Famalicão é ciclista da Bizkaia-Durango, equipa UCI de Espanha que Daniela Campos e Melissa Maia também representam, mas arranca hoje a Volta pela seleção, ao lado de Beatriz Roxo, Nádia Henriques e Inês Santos.
Nem estava a contar regressar para a segunda edição, foi apanhada “algo de surpresa”, porque a equipa não vai correr a prova, mas ficou “muito feliz” por vestir as cores nacionais e por “matar saudades” de correr em Portugal.
E será um nome a ter em conta, depois do quinto lugar final em 2021, ainda que diga que o objetivo é “levar um dia de cada vez” e focar-se na classificação da juventude, numa prova em que ‘meio pelotão’ terá elegibilidade a aspirar à camisola branca.
“Tem tudo para correr bem, temos uma seleção forte, vamos jogar as nossas cartas da melhor maneira”, comenta, afirmando a vontade de suprir o facto de serem só quatro inscritas com o talento e a vontade de controlar e seguir no grupo da frente.
Os bons resultados levaram a estudante de Ciências Biomédicas Laboratoriais a representar a equipa espanhola, à semelhança de outros jovens valores que regressam à Volta, de Beatriz Roxo (Rio Miera-Cantabria) à segunda classificada em 2021, e dorsal um desta edição, Sofia Gomes (Massi Tactic).
“O ciclismo feminino em Portugal está a crescer. Há mais meninas, mais nível, e é muito importante. Não é só ganhar corridas em Portugal, mas ter resposta competitiva nas corridas lá fora, na Europa. Isso está a melhorar a cada dia. Quero acreditar que também tive uma pequena influência nisso, mas pessoas como a Maria Martins, a Daniela Reis, a Daniela Campos, tiveram outra influência. Sinto que corridas como a Volta, de mais de um dia, são muito importantes para termos uma variedade mais interessante no calendário”, analisa.
Para a Volta, que traz à memória a prova masculina, que quando passava pela terra “era algo mágico”, tanto para Beatriz Pereira como para milhares de ‘miúdos’ a cada ano, desejava que pudesse subir à categoria UCI, para “que as mais novas contactassem com profissionais”.
“Para uma menina ter representatividade na estrada e em Portugal, tão perto de nós, seria importante e inovador”, refere.
A jovem corredora apontou o pico de forma para esta altura, por causa dos Nacionais, que começam uma semana depois, e dos Europeus, na mesma Anadia em que termina a Volta no domingo, e gostaria de ter a oportunidade de voltar a estar na seleção, mesmo que quisesse “mais tempo para treinar, para descansar, porque com a universidade acaba por ser uma loucura”.
Ainda assim, em “estradas tão familiares desde cadete”, em Anadia, espera integrar “uma equipa fortíssima de sub-23 e também de juniores” que Portugal poderá apresentar.
O “salto grande, para não dizer gigante” que deu para Espanha tem sido, ainda assim, “uma experiência positiva”, e ao analisar a carreira oscila entre o sonho e o realismo.
“Há aqui um grande abismo que demora algum tempo até subir de nível, estar ao nível delas. Todas as corridas têm sido um grande desafio”, refere.
Num “mundo completamente diferente”, em que é difícil “assimilar tanta coisa ao mesmo tempo”, e em que é fácil desmotivar pelos maus resultados, e onde a gestão de expectativas e emoções é o mais importante, encontra-se enquanto ciclista que “tem muito para evoluir e descobrir”, e gosta que o ciclismo “apesar de ser tão simples, acabe por ser tão complexo”.
A segunda edição da Volta a Portugal feminina regressa de hoje a domingo com um prólogo seguido de três etapas, ligando Loures a Anadia ao longo de 273,4 quilómetros.
Beatriz Pereira é ‘discípula’ de Thomas de Gendt nas redes sociais
Beatriz Pereira (Bizkaia Durango) utiliza o Twitter pela visibilidade que a modalidade exige, inspirando-se no ‘modelo’ do belga Thomas de Gendt (Lotto Soudal).
Apesar da jovem carreira, que aos 18 anos a levou à equipa UCI espanhola Bizkaia Durango, também de Daniela Campos e Melissa Maia, tem ganho uma espécie de acompanhamento sobretudo na rede social Twitter, onde tinha uma presença apenas a título pessoal “com opiniões políticas” e outras vidas escondidas por detrás de um nome adulterado (‘Peleila’ em vez de ‘Pereira’).
Mesmo sem um número de seguidores que obrigue a uma gestão profissional, “cada vez mais no ciclismo é muito importante” a presença nas redes sociais, algo que já tem falado no pelotão e mesmo na equipa.
“É daí que vêm os patrocinadores, o dinheiro, as condições. Já reparei que a minha presença no Twitter tem sido cada vez mais abordada… eu gosto, é uma comunidade [ligada ao ciclismo] muito inclusiva, engraçada e bem-disposta”, comenta.
Se a nível internacional há uma grande presença numa rede social “mais instantânea, onde se comenta o ataque numa corrida mal acontece”, e onde muitos ciclistas se metem ‘ao barulho’, em Portugal “quase não há maneira de acompanhar as corridas”, que em Espanha, por exemplo, têm um relato a par e passo, além dos comentários de outros internautas, naquela rede social.
Uma “abordagem mais pessoal”, ainda assim, marca o estilo, com ‘memes’ e piadas, seja sobre o sofrimento em cima da bicicleta ou sentada à secretária a estudar para frequências, como a que teve, quase de surpresa, no dia anterior ao prólogo da Volta.
“Eu nas corridas”, escreveu, em reação a um ‘meme’ que continha a frase “Não te esqueças de beber água para te manteres hidratada enquanto sofres”.
As dificuldades de conciliar o estudo com o acompanhamento na televisão das façanhas de João Almeida, Rúben Guerreiro e os restantes portugueses a correr no estrangeiro, de juntar a faculdade aos treinos, comentários em direto a corridas e a interação com outros membros da comunidade velocipédica internacional, de jornalistas belgas a outros ciclistas, são uma constante na conta da jovem estudante de Ciências Biomédicas Laboratoriais, natural de Vila Nova de Famalicão.
Publicações mais sérias, sobre corridas em que vai participar ou outros compromissos, também surgem no ‘feed’, confessando que aprecia a presença nas redes de De Gendt, frequentemente ‘apanhado’ a fazer piadas sobre a própria prestação ou a organizar uma “classificação geral de De Gendt” com Aimé de Gendt, durante a última Volta a Itália.
“Farto-me de rir com os ‘tweets’ dele. Não é que eu queira imitar, mas gosto mais desse tipo de conteúdo, acabo por reproduzi-lo mais em vez de conteúdo formatado de patrocínios, fotos, etc. É eu estar aflita com uma frequência na faculdade”, exemplifica.
A visão madura sobre esta presença, num desporto em que a visibilidade dos patrocínios e dos ciclistas ‘dita leis’, prossegue na vontade de “dar uma visão mais realista” à vida e carreira.
“Muitas vezes, nas redes sociais, acabamos por dar uma visão só das coisas boas, do que corre bem, só postamos quando corre bem. Ninguém faz um ‘post’ [durante muito tempo], mas quando ganhamos já vamos meter uma foto. Não gosto muito disso, as pessoas do outro lado sentem-se sozinhas. ‘Só a minha vida é que corre mal?’, pensam. Toda a gente tem positivos e negativos. Partilhar nas redes sociais torna-me uma pessoa e uma atleta um bocadinho mais relacionável. Tenho uma personalidade muito forte, com coisas boas e más, e estou ok com isso”, afirma.