Casos de abusos sexuais ensombram última grande peregrinação do ano a Fátima

Religião

A algumas horas do início da última grande peregrinação do ano ao Santuário de Fátima, são ainda poucos os peregrinos presentes no recinto de oração, sendo mais os que procuram sombras nos parques de estacionamento preparando o almoço.

Debaixo de sol intenso, José Matias Almeida, de 82 anos, de Celorico da Beira, que há 42 anos peregrina a Fátima em todos os meses de maio e outubro, é dos poucos que, junto às grades que delimitam os corredores no recinto, já reservam lugar para as cerimónias da noite.

“É a fé que me traz cá, e também uma promessa devido a doenças de uma filha minha e da minha mulher. Vimos sempre. Agora já cá estou há 15 dias, numa autocaravana”, diz José Almeida, enquanto ajeita a cadeira que, até à noite, vai ocupar enquanto aguarda as cerimónias presididas pelo bispo de Leiria-Fátima e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).

Se se sente à vontade para testemunhar a sua fé, o mesmo já não acontece perante o tema dos abusos sexuais de menores no seio da Igreja Católica.

“É difícil fazer um juízo. Às tantas, já não sei se é verdade ou mentira”, afirma o octogenário, convicto, no entanto de que estes casos “não prejudicam a Igreja”.

Para José Almeida, “a fé das pessoas é cada vez maior. Quando comecei a vir a Fátima, eram maioritariamente idosos que vinham cá. Agora, cada vez se vê mais jovens, o que prova que há mais fé”.

A poucos metros, toda vestida de preto, a matosinhense Maria Teresa, de 69 anos, também aguardava, já sentada numa cadeira de campismo, num lugar na “primeira fila”, pelo início da peregrinação.

Afirmando não poder explicar porque vai a Fátima, sempre em maio e outubro, desde há 22 anos, apenas diz baixinho, quase envergonhada: “sinto-me bem aqui!”.

O que a faz “sentir mal” são as notícias sobre os abusos na Igreja.

“Sinto-me mal quando ouço, mas nem todos somos iguais. Tenho vergonha. Dói muito, mas não vou julgar ninguém. Só digo que os padres deviam ser os primeiros a dar o exemplo e, os que praticaram esses atos, devem ser castigados”, afirma perentória, deixando, no entanto, uma certeza: “em todas as religiões há mal”.

Maria Amélia Santos, minhota de Ribeirão, Vila Nova de Famalicão, de 66 anos, antiga catequista, afirma que “como católica” não está contente com o que vê.

“Não estou contente. Isto pode prejudicar a Igreja. Quem tem pouca fé, ao ouvir estas coisas, principalmente na televisão, acaba por se afastar e não levar os filhos à catequese, por exemplo”, diz Maria Amélia, acrescentando que, comparativamente ao tempo em que foi catequista, a missa das crianças na sua paróquia, atualmente, “nem se compara, tem muito menos gente”.

Milhares de fiéis são esperados no Santuário de Fátima hoje e quinta-feira, para as cerimónias da última grande peregrinação aniversária do ano, presididas pelo bispo da diocese de Leiria-Fátima, José Ornelas.

Depois de um grande número de peregrinos em maio, junho (Peregrinação das Crianças) e agosto, é esperada uma significativa presença de devotos nas cerimónias que, como sublinha uma nota do Santuário, “encerram as grandes peregrinações do primeiro ano pós pandemia, e com uma guerra em curso no coração da Europa, que esteve sempre presente nas orações de Fátima”.

A peregrinação de 12 e 13 de outubro assinala a sexta aparição da Virgem aos videntes Jacinta, Francisco e Lúcia, “com particular destaque para o chamado ‘milagre do Sol’ e terá como tema ‘Levanta-te! És testemunha do que viste’, que se insere na dinâmica preparatória da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa”, agendada para o período de 01 e 06 de agosto do próximo ano.

Segundo informação do Santuário de Fátima, a peregrinação começa hoje com o acolhimento dos peregrinos a pé e uma conferência de imprensa, às 16:00.

Nesta conferência de imprensa participarão o reitor do Santuário, padre Carlos Cabecinhas, e o bispo José Ornelas, também presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, que nos últimos dias tem estado em foco devido à divulgação, pelo jornal Público, de que está a ser investigado pelo Ministério Público por eventual encobrimento de casos de abusos sexuais sobre crianças numa cidade da província moçambicana da Zambézia e de outra por um caso alegadamente ocorrido na arquidiocese de Braga.

Missa dos doentes na Basílica da Santíssima Trindade, procissão eucarística no recinto, rosário internacional, na Capelinha das Aparições, seguido de Procissão das Velas e celebração no altar do recinto ocuparão o resto da tarde e noite no Santuário, antecipando a Vigília na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, que culmina com procissão eucarística às 07:00 de quinta-feira.

Na quinta-feira, o programa começa às 09:00, com o rosário internacional, na Capelinha das Aparições e, às 10:00, tem lugar a missa com a Bênção aos Doentes e procissão do Adeus, no altar do recinto.

 
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