No dia em que se comemora o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, dia 10 de junho, é inaugurada a Casa da Memória da Terra de Faria, na freguesia de Faria, Barcelos, um espaço do Património do povo que habita à volta do Monte da Franqueira, pretendendo a valorização dos saberes tradicionais, da salvaguarda e o reforço da identidade e da memória da terra, fonte de coesão e de desenvolvimento social.
A Casa da Memória servirá como local privilegiado para a interpretação das Ruínas do Castelo de Faria e da Estação Arqueológica subjacente, sendo repositório do espólio arqueológico recuperado nas campanhas arqueológicas ali realizadas.
Segundo o Grupo Alcaides de Faria, “a casa da Memória da Terra de Faria estará ligada à rede de museus nacional e contará com exposições regulares ligadas à história, etnografia, usos e costumes, etc.”, sendo que, “a médio prazo estão ainda previstas obras de ampliação e beneficiação do espaço exterior, que permitirá uma maior capacidade de acolhimento dos visitantes e a harmonia com o espaço envolvente”.
“Numa primeira fase estarão em exposição diversos artefactos da época medieval, encontrados na citânia e castelo de Faria, situado no monte da Franqueira”, acrescenta.
Neste dia, inauguram-se também duas exposições: uma retrospetiva do primitivo Grupo Alcaides de Faria, da sua atividade e seu legado, e uma exposição de Arqueologia sobre o Castelo de Faria na Idade Média.
Na Idade Média, o território português esteve dividido em distritos militares chamados terras, organizados em torno de um castelo. A sul do rio Cávado e até ao rio Ave, desenvolvia-se a Terra de Faria, abarcando os territórios desde o mar até à Serra de Airó. No centro desta terra estava o castelo de Faria, documentado ali desde os meados do século XI, cujas ruínas são conhecidas no cimo do Monte da Franqueira.
O Grupo Alcaides de Faria-APIHA, refundado em 2011 à imagem do primitivo Grupo barcelense que impulsionou as investigações das ruínas do Castelo de Faria, pretendeu instituir um equipamento que servisse de acervo e repositório da riqueza histórica, arqueológica, cultural e tradicional deste vasto território, a Casa da Memória da Terra de Faria.
O Feito do Alcaide de Faria
“Nuno Gonçalves e Gonçalo Nunes, alcaides do Castelo de Faria, protagonizaram uma das mais belas páginas da História de Portugal, imortalizada por Alexandre Herculano, nas Lendas e Narrativas publicadas em 1851. Dadas as suas pretensões ao trono de Castela, contra Henrique de Trastámara (Henrique II), o rei português D. Fernando, envolveu-se em três guerras com aquele reino. Durante a segunda guerra (1372-73), entre outras incursões castelhanas, a nossa região foi invadida pelo adiantado da Galiza, Pedro Rodrigues Sarmento, que se dirigia para o Porto. Saiu-lhe ao encontro o conde de Ceia, D. Henrique Manuel de Vilhena, tio do rei D. Fernando, que foi derrotado e obrigado a fugir para Ponte de Lima. Segundo alguns autores, o encontro entre as tropas portuguesas e castelhanas deu-se na chã de S. Miguel, na freguesia de Carapeços (assim defendem José de Meneses e o major Mancelos Sampaio). Segundo outros, foi na freguesia dos Feitos, no sítio de Tantos Mil (Bento Antas da Cruz). Em auxílio do conde de Ceia, veio Nuno Gonçalves, alcaide do castelo de Faria, que caiu em poder do inimigo e foi feito prisioneiro. Levado junto do castelo de Faria, aconselhou o filho a não entregar o castelo. Herculano registou este interessante diálogo:
“– Sabes tu Gonçalo Nunes, de quem é esse castelo, que, segundo o regimento da guerra, entreguei à tua guarda quando vim em socorro e ajuda do esforçado conde de Ceia?- É – respondeu Gonçalo Nunes – de nosso rei e senhor D. Fernando de Portugal, a quem por ele fizeste preito e menagem. – Sabes tu, Gonçalo Nunes, que o dever de um alcaide é de nunca entregar, por nenhum caso, o seu castelo a inimigos, embora fique enterrado debaixo das ruínas dele? – Sei, oh meu pai! – prosseguiu Gonçalo Nunes em voz baixa para não ser ouvido pelos castelhanos, que começavam a murmurar. – Mas não vês que a tua morte é certa, se os inimigos percebem que me aconselhaste a resistência? Nuno Gonçalves, como se não tivera ouvido as reflexões do filho, clamou então: – Pois se o sabes, cumpre o teu dever, alcaide do Castelo de Faria! Maldito por mim, sepultado sejas tu no Inferno, como Judas o traidor, na hora em que os que me cercam entrarem neste castelo, sem tropeçarem no teu cadáver. – Morra! – gritou o almoçadem castelhano. – Morra o que nos atraiçoou. – E Nuno Gonçalves caiu no chão atravessado de muitas espadas e lanças.- Defende-te, alcaide! – foram as últimas palavras que ele murmurou.”
O castelo de Faria sofreu as intempéries do tempo e dos homens, tendo sido praticamente destruído. A suas pedras foram utilizadas na construção do Convento do Bom Jesus da Franqueira, situado mais abaixo. A Câmara Municipal de Barcelos presidida por David de Barros e Silva Botelho e, sob sua proposta, deliberou, em sessão de 20 de Junho de 1857, que no Alto da Franqueira, e no sítio onde foi o Castelo de Faria, se mandasse colocar uma lápide para servir de comemoração do facto histórico de Nuno Gonçalves, Alcaide-Mor do referido Castelo. Desconhecia-se a localização exacta do castelo de Faria. Presumia-se que fosse no mamelão, ao lado do Monte da Franqueira, por lá existir uma quantidade enorme de pedra miúda que dava a ideia de lá ter existido qualquer edificação. Foi o Grupo Alcaides de Faria, constituído no final dos anos 20 do século passado, verdadeiros pioneiros da arqueologia barcelense, que graças às suas intervenções descobriram o castelo e castro de Faria e reconstruíram parte da muralha e da torre. Curiosamente, aquela lápide só haveria de ser colocada cem anos mais tarde, em 1959, quando em 19 de Julho, se comemorou-se, em Barcelos, o feito heróico do castelo de Faria, no próprio local onde se deu o acontecimento histórico. Nos tempos mais recentes, campanhas efectuadas pelo mestre Prof. Doutor Carlos Alberto Ferreira de Almeida e pelo Prof. Doutor Carlos Brochado de Almeida, ambos da Faculdade de Letras do Porto trouxeram novos elementos para o estudo daquele povoado” – CM Barcelos.