A associação Cáritas já começou a receber pedidos de ajuda de pessoas que não conseguem pagar os seus empréstimos para habitação devido à subida das taxas de juro, medida que causou “pânico imediato”, disse a presidente da instituição.
“O pânico foi imediato. O receio das pessoas, a angústia com que se aproximavam de nós a dizer ‘ai, se eu perco a minha casa’. É que nós tivemos uma crise em que houve muita gente a perder a casa; é recente ainda, está na memória das pessoas – 2008”, afirmou Rita Valadas.
Em declarações à agência Lusa, indicou que são ainda “pontuais” os casos de pessoas que procuram a ajuda da Cáritas com empréstimos à habitação e que não os conseguem pagar devido à subida das taxas de juro, mas que já existem.
As taxas Euribor começaram a subir mais significativamente desde 04 de fevereiro, depois de o Banco Central Europeu (BCE) ter admitido que poderia subir as taxas de juro diretoras este ano devido ao aumento da inflação na zona euro, tendência reforçada com o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro
Hoje, e mantendo a tendência, as taxas Euribor subiram para novos máximos desde o início de 2009 a três, seis e 12 meses
O medo do incumprimento do pagamento dos empréstimos bancários e de outras despesas que têm aumentado – dos alimentos ao gás, eletricidade e combustíveis – não é apenas sentido por quem não tem emprego, esclareceu Rita Valadas.
“Temos pessoas que têm um rendimento, esse rendimento permitia-lhe viver com alguma estabilidade e, de repente, já retiraram todas as gorduras, já passaram às marcas brancas, já fizeram isso tudo e começam a prescindir de consumir determinados alimentos, o que pode ter efeitos na dieta alimentar e na saúde”, adiantou.
E reforçou: “É de facto o que está a acontecer com as pessoas que, embora tendo pensões ou empregos, o seu rendimento não permite comprar tudo o que precisariam para gerir a vida”.
Nesse sentido, “estão identificados nos números da pobreza muitos trabalhadores, porque o rendimento é muito baixo e quanto mais aperta o custo de vida, naturalmente para menos chega o rendimento que já é baixo”.
“Estas pessoas vivem a mesma angústia do que os outros que não têm trabalho”, prosseguiu.
Para a Cáritas, “o rendimento do trabalho não é suficiente para garantir a sustentabilidade de uma família neste momento”.
“Sabemos que, abaixo de determinados níveis de rendimento, e depois dependendo se existem doenças, se existem famílias numerosas ou se existem pessoas com deficiência, ou qualquer outro tipo de vulnerabilidade, estas situações agudizam-se”, observou.
E sublinhou que, ao contrário do assumido até esta crise, de que o desemprego era uma das razões da pobreza, “agora o emprego também pode ser, se o rendimento do emprego for baixo”.
“É isso que eu acho que é violento pensar, que até há relativamente pouco tempo quem tinha emprego não iria cair na pobreza e, agora, há muitas pessoas que caíram na pobreza e têm emprego, mas tem um rendimento baixo”.
Segundo Rita Valadas, as associações como a Cáritas, que distribuem refeições ou géneros, têm conseguido assegurar uma resposta a este primeiro nível, o alimentar.
“As pessoas usam todos os recursos que podem para proteger as coisas que mais as assusta perder, que é a casa, e por isso vêm pedir quando não têm dinheiro suficiente para pagar a renda, a luz, a água, essas despesas que transformam uma vida razoável numa vida insuportável, na sua ausência, e que são aquelas que levam as pessoas a aproximar-se e a pedir ajuda”, explicou.
“Estamos a viver um tempo em que tudo sobe: Sobem as rendas, sobe a alimentação, sobe a energia, tudo sobe” e, “quanto mais baixo é o rendimento, mais rápido deixam de conseguir suportar esses custos”.
A situação implica ainda um outro combate da parte da Cáritas, o de dar esperança.
“Esse medo efetivo que as pessoas nos trazem, esta angústia de que é muito mau, mas que pode ainda ser pior, esta angústia de não ver uma esperança é também o nosso combate do dia-a-dia”, disse.
Em maio, a organização de defesa do consumidor Deco/Proteste analisou o impacto da guerra na Ucrânia na vida dos consumidores portugueses e concluiu que quatro em cada dez (40%) participantes num inquérito afirmaram que não tinham margem financeira, se a crise se agravasse.
Há cerca de um ano, antes da guerra na Ucrânia e da escalada dos preços e das taxas de juro, o Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou as conclusões do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado em 2021 sobre rendimentos do ano anterior, as quais indicavam que 18,4% das pessoas estavam em risco de pobreza em 2020, mais 2,2 pontos percentuais do que em 2019.
Segundo o INE, o aumento da pobreza sentida em 2020 “afetou todos os grupos etários”, mas especialmente os adultos em idade ativa, com um aumento de 2,3 pontos percentuais.
“O risco de pobreza para a população empregada aumentou 1,6 pontos percentuais, atingindo uma taxa de 11,2% em 2020, o valor mais elevado dos últimos 10 anos”, refere o instituto de estatística.
A taxa de risco de pobreza correspondia, em 2020, à proporção de habitantes com rendimentos monetários líquidos (por adulto equivalente) inferiores a 6.653 euros (554 euros por mês).